A cidade de São Paulo tem hoje cerca de 40 mil profissionais da saúde atendendo a população na rede pública. Desses, 1200 são médicos da família - uma especialidade que leva cerca de dois anos para ser formada.
O plano de reestruturação que a gestão Doria quer colocar em prática prevê que as equipes de saúde da família ganhem quase 5 mil novos profissionais, sendo 450 médicos.
Com isso, o plano é aumentar a população atendida por essa especialidade de 4 milhões para mais de 6 milhões de pessoas até o fim do ano.
Só que, em vez de trazer novos profissionais, eles querem formar os que já trabalham em outras áreas, como explica o secretário Wilson Pollara.
"Eu não posso dizer quantos desses 40 mil podem ser utilizados dentro desses 5 mil. Isso que eu estou querendo te dizer. Eu não sei quantos. Não são todos", diz ele.
A mudança prevê ainda a devolução de até 50 imóveis pequenos, tidos como "inadequados" pela gestão. Entram no pacote medidas como o fechamento de AMAs, como a AMA Castro Alves, na Zona Sul.
Mesmo assim, a promessa é de que as pessoas se desloquem até no máximo 1 quilômetro para chegar a um posto de saúde - e tenham as visitas dos médicos em casa.
Na prática, a ideia é que a cidade tenha menos pediatras e infectologistas, por exemplo, dando lugar a equipes de saúde da família.
Ao longo das últimas duas semanas, a CBN mostrou os protestos da população com as medidas, que levaram à abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público para investigar o plano.
O professor da Faculdade de Medicina da USP e clínico-geral Arnaldo Lichtenstein diz que esse é o melhor caminho para a saúde pública. Ele explica que, a cada 10 pacientes, um médico de família consegue resolver o problema de pelo menos 8, diferente de um outro especialista.
"O médico da saúde da família seria mais completo. Porque ele teria [atuação] não só na clínica de adultos, teria na clínica ginecológica, obstetrícia e infantil. A chave é formar isso. Já existe residência pra isso. No Hospital das Clínicas já tem, na faculdade de medicina. mas ainda é muito insipiente", diz ele.
Além da formação, a concorrência também é um problema. O Brasil tem apenas 5 mil médicos de família formados - e eles agora começaram a ser cobiçados pelos planos de saúde. Um deles acabou de contratar 100 especialistas da área.
Ainda assim, a medida é elogiada por Mauro Aranha, coordenador do departamento jurídico do Conselho de Medicina de São Paulo. Nas contas dele, o investimento em saúde da família é mais racional.
"Vejo que isso no fim das contas atende o mais importante, que é o município atender a comunidade a partir do território onde esta comunidade vive. Torna o gasto com saúde mais racional e possível de aproveitá-lo no sentido de prevenir o agravamento das doenças", opina.
Para Gustavo Gusso, da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, a mudança é um desafio, especialmente em termos de comunicação e investimento.
"Fechar as AMAs e abrir equipes de saúde da família é um trabalho hercúleo de comunicação com a população, de comunicação com os próprios médicos, que exige até um certo financiamento - já que você precisa contratar equipes e capacitar, num momento em que o Brasil não tem dinheiro. Então eu vou dizer: eu admiro o que eles estão fazendo. Vai ser um desafio enorme, mas eles estão no sentido totalmente correto", diz ele.
Só para manter as equipes, a prefeitura vai desembolsar cerca de R$ 480 milhões todo ano. Acontece que o orçamento da saúde não aumentou, continua em R$ 9,5 bilhões em 2018. O secretário espera que remanejamentos e economia dentro da própria pasta sejam capazes de cobrir os novos gastos. Ele não especificou de onde vai sair o dinheiro.