Em maio deste ano, o setor de saúde foi surpreendido com a
notícia de que a Santa Casa de São Paulo, uma das maiores
instituições de saúde do País, fecharia as portas de seu
pronto-socorro. O motivo não poderia ser outro, uma dívida
acumulada de R$120 milhões que inviabilizaria os 30 mil
atendimentos realizados na emergência do hospital todos os meses.
Após o anúncio, o governo do Estado de São Paulo liberou R$10
milhões em caráter emergencial para evitar que a instituição
encerrasse as operações.
Casos como o da Santa Casa de São Paulo não são raridade no
setor de saúde brasileiro. Segundo o relatório divulgado pela
Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e
Entidades Filantrópicas (CBM), a dívida acumulada do segmento
privado, sem fins lucrativos, que soma cerca de dois mil
estabelecimentos é de R$ 5,9 bilhões.
O estudo também mostra que, em 2009, o custo dos serviços
prestados ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi de R$12,3 bilhões, no
entanto, somente 65% desse valor foi reembolsado, deixando um rombo
de R$4,4 bilhões nos cofres dos hospitais.
Além do cenário crítico nas instituições filantrópicas,
hospitais privados de pequeno porte também sofrem com a baixa
remuneração por parte das operadoras e com o baixo poder de
negociação junto aos fornecedores. De acordo com o superintendente
financeiro da Associação Paulista para o Desenvolvimento da
Medicina (SPDM), Carlos Garcia Oliva, essas instituições têm muita
dificuldade em atender a demanda da população na média e alta
complexidade por não ter um ganho em escala.
“Hospitais gerais com menos de 100 ou 200 leitos são
economicamente inviáveis, pois o custo fixo rateado pelo número de
leitos fica muito alto. Outro fator que inviabiliza o hospital é a
compra de pequenos volumes de material, que acaba aumentando o
preço médio junto ao fornecedor”.
No segmento filantrópico, Oliva destaca o subfinanciamento da
saúde por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) como o grande vilão
para as finanças das instituições de saúde. Outro problema
levantado pelo superintendente da SPDM é a gestão das unidades de
saúde que, muitas vezes, exige mais dinheiro e a utilização
racional dos recursos, além do estabelecimento de critérios claros
de que, se não houver verba disponível em caixa para oferecer tudo
para todos, deve rever a política de atendimento e estabelecer
prioridades para não fechar as portas.
“Diferente de outros setores da economia, na saúde não há
como simplesmente fechar a porta. O hospital é uma empresa que
funciona 24 horas durante 365 dias por ano, e a maioria dos
hospitais que possui um serviço de atendimento de urgência é de
porta aberta”, destaca Oliva.
De acordo com o superintendente, dificilmente um hospital que
realiza mais de 30% de seus atendimentos pelo SUS é uma instituição
economicamente viável. “Para se ter uma ideia, hoje a
remuneração por internação no SUS gira em torno de R$ 1 mil,
enquanto na saúde suplementar este valor chega aR$ 3 mil. Ou seja,
se com este valor os hospitais privados acham difícil atender os
planos de saúde, imagine um hospital filantrópico ou público”,
conclui.
Outros agravantes econômicos que interferem diretamente no
desenvolvimento financeiro das instituições de saúde são: a
inflação no setor de saúde, que cresceu acima do esperado e o
aumento na demanda por parte da população, que é consequência da
melhora no nível de vida das pessoas, que acabam buscando mais o
serviço.
Para Oliva, o grande segredo para uma recuperação financeira
saudável, e sem grandes sacrifícios, está na gestão. Segundo ele, é
necessário que o hospital faça um diagnóstico amplo e transparente
de sua situação e depois adote uma gestão de custos adequada à sua
realidade, visando transparência e controle social como prega a
Constituição e ser adequadamente financiado e nunca perder o foco
em sua área de atuação.
“Seria um contracenso um hospital de alta complexidade
atender casos simples como gripes ou uma simples dor de estômago.
Por exemplo, uma consulta em uma Unidade Básica de Saúde (UBS)
custa muito menos do que em um hospital como o InCor, ou seja,
organizar a demanda, melhorar a qualidade da gestão e discutir
acesso e remuneração tanto no setor público como privado são
algumas das medidas que irão alavancar a recuperação do
hospital”, completa Oliva.
A profissionalização da gestão também é muito importante para
que os hospitais possam ganhar em eficiência operacional e
racionalizar seus custos, pois cerca de 70% dos recursos gastos por
um hospital hoje está na folha de pagamento de seus
colaboradores.
Dificuldades Superadas
Graças à gestão de seus passivos, a Santa Casa de Belo Horizonte
está sanando uma dívida acumulada em R$ 300 milhões, que se
arrastou ao longo de anos. Segundo o superintendente de
planejamento, finanças e RH da instituição, Gonçalo Vieira, grande
parte dessa conta eram passivos trabalhistas, como INSS e FGTS,
além do imposto de renda atrasado. “A Santa Casa sempre teve
problemas financeiros, à medida que o hospital crescia, as contas
aumentavam simultaneamente”, completa o superintendente.
Para sair da crise e recuperar-se financeiramente, a Santa Casa
de BH adotou um plano de reestruturação de seu pessoal, que trouxe
como resultado mais agilidade nos processos internos da instituição
e, principalmente, na tomada de decisões.
A renegociação dos passivos trabalhistas e bancários também foi
fundamental para a entidade recuperar sua credibilidade diante das
instituições financeiras. Segundo Vieira, os passivos bancários e
com fornecedores foram negociados e obteve-se uma taxa de juros
inferior a 2% sobre o parcelamento da dívida. Com o governo a
instituição conseguiu quitar uma dívida de R$52 milhões junto à
Caixa Econômica Federal. “Todo o negócio tem que ser
sustentável economicamente, mesmo na saúde”, coloca
Vieira.
A instituição retomou o recolhimento do FGTS em maio do ano
passado e aderiu à Timemania e ao parcelamento do Refis. Segundo
Vieira, o hospital ainda possui um passivo trabalhista e seu
objetivo é quitá-lo o mais rápido possível. “Para sanar estes
passivos, o Juizado Auxiliar de Execuções autorizou o leilão de 11
imóveis em Belo Horizonte que foram doados à Santa Casa”,
afirma Vieira. Estes imóveis deverão gerar uma receita de R$ 16
milhões, que já possui destino certo.
Outra instituição que conseguiu encontrar a luz no fim do túnel
e sanar uma dívida bancária de R$ 60 milhões, que se arrastava
desde 2006, foi Hospital Moinhos de Vento, situado na capital
gaúcha. Para isso a instituição adotou medidas extremas e decidiu
fazer um choque de gestão e redefinir suas estratégias focando em
resultado.
Segundo o superintendente administrativo do hospital, Fernando
Torelly, os primeiros passos para a recuperação financeira foram: a
adoção de um modelo de governança corporativa, trazendo mais
profissionalização à gestão do hospital; a adoção de uma nova
metodologia de gestão baseada no balanced scorecard (BSC) e,
principalmente, um processo de excelência operacional. “Muitas
vezes um hospital não percebe que a maioria dos problemas está
dentro de casa. Decidimos fazer bem feito nossos processos
assistenciais como cobranças de convênios, redução de glosa e
negociação com as fontes pagadoras, onde nós intensificamos as
atividades”.
Outra medida adotada pelo Moinhos de Vento foi a compra de
material hospitalar direto do fabricante, deixando de lado
distribuidores locais. “Mesmo estando na Região Sul compramos
cerca de 80% dos materiais direto dos fabricantes que estão no
centro do País, com isso reduzimos esse custo”, diz
Torelly.
A entrada da superintendência na operação e participação nas
negociações com fontes pagadoras e fornecedores e a adoção de um
programa de qualificação profissional de pessoas, principalmente
líderes, foi o grande diferencial encontrado pelo hospital para
atingir a excelência operacional.
Atualmente o Hospital Moinhos de Vento possui um caixa
operacional que fecha mensalmente no azul e uma dívida liquida
positiva, ou seja, dinheiro suficiente para quitar o débito
existente. “Além da eficiência nas operações, notamos também
uma melhoria no clima organizacional da empresa, um aumento na uma
taxa de ocupação que agora beira os 90%”, coloca Torelly.
Superada a crise, o hospital, espera terminar 2011 com 390
leitos, 50 a mais que no início do ano e um faturamento superior a
R$300 milhões. A instituição também faz planos audaciosos e
pretende investir cerca de R$150 milhões até 2014.