Mistura ideias corretas (o diagnóstico sobre a crise fiscal, a necessidade de reduzir o número de ministérios, a liberdade de imprensa e a independência do Judiciário), propostas pueris (ideias sobre educação, saúde ou política externa com assovios ideológicos em vez de análise embasada), outras comprovadamente erradas (a associação entre porte de armas e redução da violência) àquelas que podem simplesmente se revelar inexequíveis ou oníricas (redução da dívida pública em 20% ou adoção e cobrança de metas para alocações orçamentárias).
Suas propostas para a economia são insuficientes (não há uma lista de estatais a privatizar nem quanta receita cada uma poderia render), para o Nordeste são vagas, para a política externa, aviação, portos, transportes e energia são um amontoado de truísmos banais. Mesmo em segurança e corrupção, em tese as bandeiras centrais da campanha de Bolsonaro, o discurso se limita a repetir chavões caros aos conservadores, atribuindo nossa crise aguda a inimigos imaginários, como o Foro de São Paulo.
É um documento rico em intenções, mas pobre em ideias para execução. Deixa evidente a carência de assessores competentes em áreas-chave, resultado provável do desprezo pelo trabalho acadêmico, pela pesquisa séria e pela compreensão dos conflitos inerentes à implementação das políticas públicas.
Reconhece a necessidade de reduzir o déficit fiscal, mas não apresenta nenhuma proposta de reforma da Previdência. Proclama-se liberal, mas não diz como serão tratados os grupos de interesse e lobbys incrustados na máquina pública, em especial no funcionalismo. Afirma compromisso com a Constituição, mas não traz nenhuma análise das dificuldades jurídicas ou obstáculos legais a enfrentar para implementar propostas como o Orçamento Base Zero ou as metas para gestores públicos.
É um mistério como governará sem dispor de uma coalizão sólida no Congresso ou como porá em prática a proposta de transformar seus ministros em “executivos” que coordenam esforços dos governadores. Não é bem isso o que determina a Constituição que ele afirma respeitar. Por fim, o documento ignora temas divisivos como aborto, política de cotas ou direitos de minorias.
A própria forma de elaboração – apresentação em formato PowerPoint em vez de texto – é sinal da dificuldade de lidar em profundidade com os temas em discussão. Em vários trechos, parece mais um panfleto ideológico destinado à militância que um elenco de propostas sérias para governar o país.
Nas entrevistas e debates a que Bolsonaro será submetido durante a campanha, é fundamentel questioná-lo sobre todas as ideias que parecem mal-explicadas e obrigá-lo a detalhar seus planos em áreas como reforma da Previdência ou funcionalismo público.