Brasília – O Brasil vive duas novas
“epidemias” relacionadas aos altos índices de cesárea –
a de bebês prematuros (menos de 37 semanas de gestação) e a dos
chamados “termo precoce”, que nascem em uma fase posterior, com 37
e 38 semanas. Estudo feito pelas Universidades Católica e Federal
de Pelotas mostra que 4 entre 10 crianças nascidas no Brasil em
2015 tinham menos de 39 semanas de gestação, considerado período
ideal.
Bebês que nascem com essa idade
gestacional têm maior risco de adoecer e, no futuro, de apresentar
problemas de aprendizado. “Vivemos três epidemias interligadas. É
um grave problema de saúde pública, que pode trazer impacto a
curto, médio e longo prazo”, afirma o coordenador do estudo,
professor Fernando Barros.
Publicado na revista científica BMJ
Open, o trabalho alerta para as consequências desse fenômeno,
sobretudo no momento em que o País enfrenta uma crise econômica,
com cortes nos investimentos de saúde pública e educação. Ele tinha
como objetivo mensurar o impacto das cesáreas na frequência de
partos antes do período considerado mais seguro para o nascimento,
compreendido entre a 39 e 41 semanas da gestação.
Há tempos especialistas suspeitam que
a cesárea, sobretudo de data agendada, aumentava o risco de partos
precoces. A pesquisa comprovou a hipótese. “Os dados são
importantíssimos e mostram a necessidade de se tomar medidas para
reduzir a cesáreas no País”, avaliou Maria Albertina Santiago Rego,
do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira
de Pediatria (SBP).
Para fazer o estudo, pesquisadores
analisaram individualmente 2,9 milhões de registros de nascimentos
ocorridos em 2015. Além disso, os autores avaliaram municípios que
apresentaram diferentes taxas de cesáreas e concentraram a atenção
naqueles que tinham mais de mil registros de nascimento anuais. Ao
todo 520 se encaixavam nessas características; juntos respondiam
por 82% dos relatos.
Nas cidades que apresentavam taxas de
cesárea superiores a 80%, o indicador de partos prematuros era 21%
maior do que naquelas que registravam menor proporção (com 30% de
cesáreas). Mas a diferença mais significativa foi identificada na
frequência dos nascimentos a “termo precoce” (37-38 semanas). Nas
cidades onde as taxas de cesárea superam os 80%, a prevalência dos
nascimentos de bebês nesta fase da gestação foi 64% superior quando
comparado com municípios que tinham menos de 30% de cesáreas.
Barros avalia que as três epidemias
interligadas preocupam igualmente. Crianças prematuras têm maior
risco de morte e adoecimento nos primeiro período de vida e de
problemas cognitivos mais tarde. Algo que acende o sinal de alerta,
sobretudo quando se leva em consideração de que o Brasil tem o
dobro da prevalência de prematuridade de países riscos. No caso de
crianças nascidas entre 37-38 semanas, embora o impacto para saúde
e desenvolvimento cognitivo seja menos acentuado, o número de
crianças nessas condições é maior.
Prematuros respondem por 10% dos
nascimentos no País e os pré-termo, por 30% (900 mil nascimentos
por ano). “O risco é mais discreto, mas ele pode produzir uma carga
de problemas importantes.” Não menos significativa é a ameaça de
problemas de saúdes para a mãe.
Grávida de gêmeos, a servidora pública
Tatiana Malta há quatro anos pediu para fazer cesárea. “Fiquei com
medo da dor. Não sabia qual seria meu limite, com dois partos
seguidos”, recorda. Ela, no entanto, fez questão de o procedimento
ser feito só depois do início do trabalho de parto. “Queria que os
bebês estivessem prontos para nascer. E acho que fez
diferença.”
Evidências
“As famílias têm de ser informadas. O
direito de escolher a forma do parto não pode competir com o
direito das crianças de nascerem depois das 39 semanas”, afirma
Barros. O coordenador cita uma série de estudos internacionais. Um
deles, realizado em Belarus com crianças com 6 anos, mostra que o
QI de crianças nascidas com 37 semanas é significativamente menor
do que o daquelas nascidas entre 39 e 41 semanas de gestação.
Outro trabalho, da Escócia, mostra que
crianças nascidas a termo precoce têm mais necessidades de recorrer
a cursos especiais de educação do que as que nascem após 39
semanas. Por fim, taxas de suecos entre 23 e 29 anos que recebem
algum auxílio por problemas de saúde ou incapacidade é maior entre
aqueles que nasceram com 37 e 38 semanas de gestação do que entre
aqueles que nasceram entre 39 e 41 semanas.
Partos por
cirurgia
Dados preliminares do Ministério da
Saúde – que ainda precisam ser confirmados – mostram que 55,75% dos
partos em 2017 foram por cesáreas. Os números indicam que as taxas
são maiores do que as registradas no ano anterior, quando foram
55,51%, e chamam a atenção sobretudo pelo fato de ocorrerem logo
depois de uma série de iniciativas para tentar reduzir a epidemia
de cesáreas no País.
O Brasil apresenta a segunda maior
taxa de cesáreas do mundo, atrás da República Dominicana, com 56,4%
de procedimentos em 2013. Diante de números tão expressivos,
Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e
Conselho Federal de Medicina lançaram ao longo dos últimos dois
anos medidas para reduzir essa prática. O Ministério da Saúde não
comentou o caso.
Já o CFM recomenda desde 2016 que a
cesárea, a pedido do paciente, seja realizada a partir da 39.ª
semana. “Justamente para evitar que partos ocorressem entre 37.ª e
38.ª. Muitos médicos tinham dúvidas se seria ético já realizar a
cesárea a partir dessa fase”, afirma a médica integrante da Câmara
Técnica do Conselho Federal de Medicina, Adriana Scavuzzi. Ela diz
que não há ainda condições de saber qual o impacto da medida.
Fernando Barros, coordenador do estudo
sobre cesáreas, também diz não haver condições de mensurar. Mas
observa que a prevalência de cesarianas pode ter chegado ao máximo
no País. No entanto, é preciso que todos saibam que nascer antes de
39 semanas pode acarretar problemas.
Dados da ANS mostram que as medidas
tomadas até agora trouxeram um aumento de 2% dos partos normais e
redução de 5% das cesáreas entre 2016 e 2017. Mesmo assim, no ano
passado, foram 432.675 cirurgias, quase cinco vezes mais do que os
87.947 partos normais em planos de saúde.
A pesquisa coordenada por Barros
revela ainda que entre mulheres com mais de 12 anos de escolaridade
a maior parte das cesáreas é antes da entrada no trabalho de parto:
49,2%. Outros 30,5% ocorrem em trabalho de parto. Nesse grupo,
20,3% são por parto normal.
A situação é bem diferente quando se
analisam mulheres com menos de 4 anos de estudo. Nesse grupo, 62,2%
dos partos são normais, 24,6% das cesáreas ocorrem em trabalho de
parto e 13,2% são feitos com data marcada.
As informações são do jornal O Estado
de S. Paulo.