O acesso a medicamentos via processo
judicial é sinal da desigualdade no país. Além disso, os números da
judicialização evidenciam uma regulação que, apesar de rígida, não
fornece segurança jurídica.
Foram essas as principais conclusões
da mesa judicialização da saúde, parte do 5º fórum A Saúde do
Brasil, realizado pela Folha, nesta segunda-feira
(23), na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
Judicialização é o termo que designa a
obtenção de medicamentos, exames, cirurgias ou tratamentos aos
quais os pacientes não conseguem ter acesso, por meio do SUS ou
pelos planos de saúde privados, por meio de ações judiciais.
“Muitas vezes ofertamos alta
tecnologia e medicamento para um grupo muito pequeno e deixamos de
ofertar para uma boa parte da população. A sociedade tem de ter
consciência do recurso que é alocado nessa escolha”, afirmou
Fabíola Sulpino, pesquisadora na diretoria de estudos e políticas
sociais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
“O acesso à Justiça é muito desigual
no país, é um problema muito grave. Quem não tem acesso também é
desprivilegiado”, completou Sulpino.
Alessandro Acayaba, presidente da Anab
(Associação Nacional das Administradoras de Benefícios), concentrou
suas críticas na regulamentação da saúde suplementar no país.
“A ANS [Agência Nacional de Saúde
Suplementar] tem exatamente 432 normas regulamentadoras do sistema
de saúde. São normas muito claras que não são aplicadas no
judiciário, que muitas vezes legisla em causas da saúde”, disse o
presidente da Anab. “É um setor onde há um excesso de regulação e
um arcabouço jurídico muito robusto.”
Segundo o CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), de 2010 a 2016, a União destinou R$ 4,5 bilhões para
atender a determinações judiciais. No segmento da saúde
suplementar, ao todo foram julgados 103.896 processos em 2016.
Para a representante do Ipea, é
preciso discutir capacidade e limite orçamentários com tecnocratas,
políticos e, principalmente, com a sociedade. “Senão será promovida
mais iniquidade social num país que já é bastante desigual”,
disse.
Para Sandro Leal, superintendente de
regulação da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), a
judicialização não é, hoje, o principal fator para o aumento de
custo da saúde. Mas é uma tendência que preocupa. “Ela sinaliza que
o consumidor pode entrar na Justiça contra o plano de saúde que ele
vai ganhar”, afirmou.
Leal também chama a atenção para o
mutualismo inerente ao sistema de planos de saúde. “Se alguém não
está pagando pela cobertura, todos os outros vão pagar. Temos
medicamentos que estão sendo judicializados a R$ 400 mil a dose.
Imagina o quanto isso não vai custar no final do mês para o plano”,
disse.
PLANOS
POPULARES
Já Heleno Corrêa, conselheiro no CNS
(Conselho Nacional de Saúde), enxerga terreno fértil para o aumento
da judicialização na proposta de planos populares. “Há um
imaginário de que o SUS possa ser substituído pelos planos
populares. Nesse caso, a judicialização acontecerá nos dois
setores: em um por prometer o que não pode entregar, no outro por
não entregar o que está formulado na Constituição.”
Acayaba concordou com a crítica ao
modelo que propõe planos de saúde mais baratos e de cobertura mais
restrita. “O plano popular é equivocado. Primeiro porque, se é um
plano acessível, quer dizer que os outros não são; além disso, como
pode ser acessível se tem uma série de restrições?”, disse.
UM OUTRO
LADO
Apesar do caminho seguido pelo debate,
o superintendente da FenaSaúde defendeu o que qualificou como “o
lado bom da judicialização”. Para isso, usou como exemplo a
conquista da distribuição gratuita de medicamentos para o
tratamento do HIV e da Aids.
“A própria Conitec é derivada de um
processo de judicialização”, disse em referência à Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.