Um vídeo que mostra o médico David Dao
sendo removido de um voo da United Airlines em um aeroporto de
Chicago, nos Estados Unidos, viralizou em abril passado.
O episódio gerou prejuízos à
imagem da empresa americana, cuja tripulação queria que Dao cedesse
seu lugar a um funcionário para que ele fosse ao destino do voo,
Louisville, para render a equipe local. Mas quase nenhuma das
críticas tratou de um elemento crucial do ocorrido: a necessidade
de retirar o médico do voo foi decidida por uma máquina, mais
especificamente por um programa de computador.
É exemplo clássico de como esses
programas, conhecidos como algorítimos, estão tomando decisões que
afetam nossas vidas, muitas vezes sem que a gente sequer saiba
disso.
Especialistas já manifestaram
sua preocupação com a falta de transparência no uso de sistemas de
inteligência artificial nesta tomada de decisões. Mesmo assim, seu
uso está se popularizando: um algorítmo já pode decidir se você
será escolhido para uma entrevista de emprego ou se conseguirá um
empréstimo, com quem você se relacionará e até mesmo quanto tempo
de prisão um criminoso "merece".
Reunimos a seguir alguns
exemplos de como sua vida já pode estar sendo afetada por
algorítimos.
1. O computador decide se
você fará ou não uma entrevista de emprego
Currículos são cada vez mais
descartados sem sequer passar por mãos humanas. Isso porque as
empresas estão empregando sistemas automatizados em seus processos
seletivos, principalmente na análise de centenas de milhares de
inscrições.
Nos Estados Unidos, estima-se
que mais de 70% dos candidatos sejam eliminados antes de serem
avaliados por pessoas. Para as companhias, isso economiza dinheiro
e tempo, mas alguns questionam a neutralidade dos algoritmos.
Em um artigo na revista Harvard
Business Review, Gideon Mann e Cathy O'Neil argumentam que esses
programas não são desprovidos de preconceitos humanos, então, isso
pode levar a decisões tendenciosas por parte da inteligência
artificial.
2. Quer dinheiro
emprestado? Seu perfil na rede social pode afetar isso
Historicamente, quando alguém
pede dinheiro a uma instituição financeira, a resposta vai depender
da análise das chances do empréstimo ser pago, com base na
proporção entre a dívida e a renda desta pessoa e seu histórico de
crédito.
Não é mais assim: agora,
algoritmos reúnem e analisam dados de múltiplas fontes, que vão
desde padrões de compra a buscas na internet e sua atividade em
redes sociais.
O problema é que esse método usa
informações coletadas sem o conhecimento ou colaboração de quem
pede o dinheiro. Também há uma questão em torno da transparência do
código do algoritmo e seu comportamento tendencioso.
3. Um algoritmo pode te
ajudar a achar um amor, mas pode não ser quem você
espera
Não é uma surpresa que sites de
namoro usam algoritmos para identificar duas pessoas compatíveis. É
um dos seus principais apelos para o público, na verdade.
Mas a forma como isso é feito
não é muito clara, especialmente após o eHarmony, um dos principais
deste mercado, ter revelado no ano passado que fez ajustes na
preferências de seus clientes para aumentar suas chances de
encontrar um par ideal, algo que pode incomodar quem perdeu tempo
para respoder às 400 perguntas necessárias para se ter um perfil no
site.
Mas até mesmo em alternativas
como o aplicativo Tinder, em que as variáveis são bem menos
complexas (geografia, idade e orientação sexual), as combinações
não são tão simples assim.
Quem usa o serviço recebe uma
nota secreta sobre o quanto essa pessoa é "desejável", calculada
para "permitir melhores combinações", segundo o Tinder. A fórmula é
mantida em segredo, mas os executivos da empresa por trás do
aplicativo já indicaram que o número de vezes que o perfil de
alguém é curtido ou rejeitado tem um papel crucial sobre isso.
4. Um programa pode
determinar se você é viciado em drogas e se conseguirá contratar um
plano de saúde
O mal uso de medicamentos e
drogas é a principal causa de mortes acidentais nos Estados Unidos,
e especialistas com frequência se referem a esse problema como uma
epidemia.
Para lidar com isso, cientistas
e autoridades estão se unindo em projetos baseados em dados.
Recentemente, no Estado do Tennessee, nos Estados Unidos, a
operadora de planos de saúde Blue Cross e a empresa de tecnologia
Fuzzy Logix anunciaram a criação de um algoritmo para analisar nada
menos do que 742 variáveis e, assim, avaliar o risco de um
comportamento abusivo com medicamentos.
Isso levantou uma questão ética:
os dados analisados incluem o histórico médico e até mesmo o
endereço residencial. O argumento a favor desse tipo de intervenção
é que isso pode salvar vidas e mitigar prejuízos ao sistema de
saúde - viciados em opióides têm, por exemplo, 59% mais chances de
serem usuários de alto custo.
O mercado de inteligência
artificial em saúde deve crescer de US$ 670 milhões (R$ 2,13
bilhões) em 2016 para quase US$ 8 bilhões (R$ 25,4 bilhões) até
2022, segundo um estudo feito pela consultoria MarketsandMarkets, e
essa previsão foi feita antes do anúncio de que a gigante do varejo
Amazon entrará neste mercado.
Acredita-se que o uso de
algoritmos e da inteligência artificial nesta área deve tornar a
tomada de decisões mais eficiente e reduzir o número de erros
humanos.
5. Eles determinam até se
um filme será feito
Essa não é a primeira vez que
alguém dirá que Hollywood tem uma fórmula para produzir sucessos.
Mas é diferente do processo baseado na experiência e instinto de
produtores ao selecionar um roteiro ou elenco.
Algoritmos são usados para
analisar não só as chances de um filme ir bem nas bilheterias, mas
também quanto dinheiro ele fará. Esse serviço é oferecido por
várias empresas, e Paramount, Universal e Warner Bros, alguns dos
principais estúdios de Hollywood, contratam essas consultorias.
Além de comparar um novo filme
com uma base de dados de produções passadas, esses serviços afirmam
que podem detectar o impacto de mudanças na história e até mesmo
entre os atores.
6. Algoritmos influenciam
em quem você vota e quem será presidente
Em uma época em que dados
tornaram-se mais importantes do que empatia e carisma no mundo da
política, algoritmos são cruciais para candidatos em busca de
votos.
Não foi só a retórica de Barack
Obama que impressionou em sua ascensão rumo à indicação do Partido
Democrata para disputar a Presidência dos Estados Unidos em 2008,
mas também seu uso desta tecnologia.
A campanha de Obama mirou
incessantemente nos eleitores indecisos, usando uma série de
informações para individualizar ao máximo os perfis do
eleitorado.
Quase dez anos depois, Emmanuel
Macron conseguiu uma vitória inesperada na França com uma
estratégia similar - algoritmos ajudaram a identificar distritos e
bairros que eram os mais representativos do país como um todo. Isso
ajudou a guiar sua equipe na realização de 25 mil entrevistas
usadas para estabelecer as prioridades e estratégias de sua
campanha.
7. A polícia usa
algoritmos para prever se você será um criminoso
O sistema de vigilância da China
sobre seus 1,3 bilhão de habitantes é bem conhecido, mas parece
haver espaço para expandi-lo. O governo anunciou em 2015 o
desenvolvimento de um sistema capaz de "prever crimes" com base em
dados pessoais, como o histórico médico e entregas de compras.
Grupos de direitos humanos
acusaram as autoridades chinesas de violar a privacidade dos
cidadãos, dizendo que o real propósito do sistema é monitorar
dissidentes.
A China não é, no entanto, o
único país a usar algoritmos para prever crimes: o policiamento
baseado em dados é aplicado nos Estados Unidos há mais de uma
década, e algumas forças de segurança britânicas começaram em 2012
a usar softwares de mapeamento e previsão de crimes.
O programa é bem simples em
comparação com algo como o mundo retratado pelo filme Minority
Report (2002): dados sobre os tipos de crimes, sua localização,
data e hora geram um mapa identificando as áreas onde eles
provavelmente voltarão a ocorrer.
Segundo uma pesquisa do centro
britânico Royal United Services Institute for Defence and Security
Studies, algoritmos podem ter até dez vezes mais chances de prever
a localização de um crime futuro em comparação com o policiamento
comum.
No entanto, um destes sistemas,
o PredPol, usado pela polícia da Grande Manchester, no Reino Unido,
gerou uma polêmica. Pesquisas mostraram que ele criava uma
distorção em que policiais eram enviados para os mesmos bairros
repetidamente, independentemente das reais taxas de criminalidade
nestas áreas.
8. Um computador pode te
mandar para a prisão
Juízes em ao menos dez Estados
americanos estão tomando decisões em casos criminais com a ajuda de
um sistema automatizado chamado COMPAS, baseado em um algoritmo de
análise de risco para prever a probabilidade de uma pessoa cometer
um novo crime.
Um caso famoso nesse sentido
ocorreu em 2013, quando um homem chamado Eric Loomis foi condenado
a sete anos de prisão por fugir da polícia e dirigir um carro sem a
permissão do dono no Estado de Wisconsin.
Antes de a sentença ser
proferida, autoridades apresentaram uma avaliação, feita com base
em uma entrevista com Loomis e informações fornecidas pelo
algoritmo sobre sua probabilidade de reincidência - o resultado
indicava que ele tinha um "alto risco de cometer novos crimes".
Seus advogados questionaram a
condenação usando vários argumentos, entre eles que o COMPAS foi
criado por uma empresa privada e que informações sobre o algoritmo
não foram reveladas. Também afirmaram que os direitos de Loomis
foram violados, porque a avaliação levava em conta fatores como
gênero e raça.
De fato, uma análise de mais de
10 mil casos na Flórida ao longo de dois anos, publicado em 2016
pela ONG ProPublic, mostrou que a previsão de alto risco de
reincidência era mais comum para negros do que para brancos.
9. Eles podem influenciar
seu dinheiro
Esqueça as imagens de pessoas
gritando na bolsa de valores com telefones nos ouvidos. Transações
no mercado de ações estão se tornando cada vez mais um produto de
cálculos feitos por algoritmos, que são mais rápidos do que
qualquer humano e compram e vendem papéis em questão de
segundos.
Defensores desta tecnologia
afirmam que uma máquina é imune à volatilidade emocional do mercado
e investe mais racionalmente. Isso, no entanto, foi questionado em
2010, quando algoritmos foram apontados como os culpados pelo crash
que fez desaparecer temporariamente do mercado de ações americano
US$ 1 trilhão.
Um
relatório do banco JP Morgan estimou que, em 2017, investimentos
com base em algoritmos ou fórmulas computacionais responderam por
quase 90% do volume de transações com ações nos Estados Unidos.