Pesando 140kg, a servidora pública Elayne Souza, de 42 anos,
enfrenta diariamente o preconceito e ouve comentários ofensivos das
pessoas que, muitas vezes, justificam o que dizem afirmando que não
passa "apenas de uma brincadeira". "Quem é mais gordinho passa por
várias dificuldades, desde as dificuldades práticas, sociais, até
as existenciais provocadas pelo preconceito", disse Elayne.
Elayne contou à reportagem do Cada Minuto que ser uma mulher
gorda é difícil e que em muitos casos, ela se tornou ponto de
referência. "Por exemplo, as pessoas dizem 'vai naquele lugar perto
da gorda'. Ouço piadas quando entro no ônibus e passo na catraca,
ouço as risadas das pessoas quando elas me veem 'engasgadas' até
girar a catraca", desabafou.
A servidora pública ressaltou que não lida apenas com os
comentários maldosos, mas com a falta de estrutura dos locais para
receber as pessoas que estão acima do peso. "Preciso fazer uma
desintometria óssea e não tenho plano de saúde, a máquina que tem
no SUS não aguenta meu peso. Quando vou aos locais não há cadeira
adequada para mim e ouço comentários de que as cadeiras vão
quebrar. Tenho dificuldades até para comprar roupa", disse
Elayne.
Ela também disse à reportagem que a ansiedade é um dos
principais fatores que influenciam para que ela ganhe mais peso e
reconhece que precisa de ajuda psicológica. "Estou com vários
problemas por causa da obesidade, tentei nutricionistas, médicos,
mas não consigo. Quando fico triste, como. Se me preocupo, como, se
estou feliz, como e sei que preciso de uma ajuda psicológica, pois
a minha compulsão é por comida", destacou a servidora.
O que é gordofobia?
O que muita gente não sabe é que frases ofensivas como "você tem
um rosto tão bonito, por que não emagrece?", "você deveria fazer
exercícios físicos, né?", são ouvidas por várias mulheres e homens
de todo o Brasil. Elas são reflexo da gordofobia, preconceito ou
intolerância contra pessoas gordas.
A gordofobia passa "batida" e o sufixo fobia se refere à aversão
a pessoas gordas. Não há uma lei que se refira exatamente à injúria
contra pessoas gordas, mas pode ser enquadrado como crime contra a
honra, caso a vítimase sinta ofendida.
Conforme a pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção
para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) realizada
pelo Ministério da Saúde anualmente em todas as capitais do país,
Maceió conta com 55,4% de sua população com excesso de peso. Sendo
esse excesso de peso mais prevalente em homens.
A obesidade em todo o país cresceu 60% em 10 anos, passando de
11,8% em 2006 para 18,9% em 2016. De acordo com a pesquisa, o
público dos 45 aos 64 anos são os mais atingidos por obesidade e
excesso de peso.
Rede Social como troca de
experiências
A maceioense Camila Justino, 26 anos, disse que a sua rede
social se tornou um canal para que ela, que atualmente pesa 170kg,
converse com outras mulheres. "Recebo muitos directs no instagram
tanto na minha faixa etária de idade como também pessoas mais
velhas que conversam sobre os desafios. Acho legal quando recebo
uma mensagem de uma mulher que afirmou usar maiô após ter visto uma
foto minha de maiô", contou.
Justino enfatizou que passou por várias situações difíceis, mas
disse que "acontecem situações que levam a pessoa para o fim ou
para um novo começo". Camila optou para um novo começo e
percebeu que as qualidades dela eram maiores do que os comentários
ofensivos.
"Fiz um exercício e durante 30 dias, todos os dias, eu tinha que
escrever no papel uma qualidade minha - seja ela física ou
emocional - eu só me achava bonita do pescoço pra cima", contou
Justino.
Justino também falou que o termo gordofobia também se aplica aos
homens, mas as mulheres são as mais cobradas. "Quando você é gorda
e não tá dentro do padrão do que é ser gostosa, as mulheres ficam
em dúvidas, o marido já não tem o mesmo interesse sexual e as
casadas se culpam muito. Mas, eu sempre digo que o problema não é
com elas e sim com o marido", destacou.
Camila decidiu ignorar os comentários preconceituosos. Segundo
ela, não é porque uma pessoa é gorda que deve ser colocada como
vítima. "Nós, gordos, também podemos ser preconceituosos. Muitas
vezes, preconceito é falta de informação. O que importa é a nossa
opinião sobre nós mesmos e não dos outros".
"Tudo que já sofri e chorei foi um portfólio para ajudar outras
pessoas e para aumentar a autoestima das delas.Independente da
nossa aparência que é uma carcaça, o que importa são as nossas
qualidades. Se todo mundo - independente de ser gordo ou magro -
pensasse assim, tudo seria melhor", finalizou Camila.
Para a sociedade, os homens e as mulheres que estão acima do
peso, são vistos como fora de um "padrão estabelecido". Em alguns
casos, quem é gordo é visto como doente ou até mesmo 'acomodado',
mas para a estudante de administração, Tatyane Sarmento, 25 anos, a
obesidade é uma questão de saúde pública e se ela se tornar um
problema para quem engordou, aí é preciso buscar ajuda.
Por outro lado, Tatyane defende que se for questão
de estética, ela não enxerga problemas. "Peso 93kg e sigo o
meu padrão de ser feliz. Gosto de sair para me divertir e usar as
roupas que a sociedade diz que gordinha não pode usar. As pessoas
precisam parar de usar os filtros que as outras pessoas usam pra
si", comentou.
Para ela, não é fácil saber que não segue esse "padrão", mas
enfatiza que o fundamental é "olhar-se no espelho e saber
que o amor mais importante é o próprio".
Como se amar independente dos
padrões?
A administradora Ingrid Alencar, de 23 anos, disse que o
processo de aceitação não foi fácil e que testou durante muito
tempo dietas que não funcionaram. Ingrid contou que acreditava que
só seria feliz e amada se fosse magra, mas esse pensamento mudou a
partir de 2016.
"Comecei a seguir blogueiras gordas que se amam e são muito
felizes e percebi que eu também poderia ser como elas. Dai comecei
a me olhar mais no espelho e vi que sou bonita. Ou melhor, além de
beleza, sou uma pessoa do bem e é isso que importa", destacou
Ingrid.
Sobre o preconceito com relação ao peso, Ingrid
comentou que o preconceito sempre partiu dela própria que
acreditava que ninguém gostaria dela por ela ser gorda. "A minha
maior dificuldade era com minha família que apesar eu nunca ter
problemas de saúde sempre insistiu em me levar para médicos e fazer
dietas. Depois da minha aceitação eu percebi que as pessoas podem
sim gostar de mim".