Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Simone Freire falou sobre algumas medidas adotadas pelo órgão diante do crescimento de ações entre contratantes e planos de saúde privados. Segundo ela, as ações mais recorrentes tratam de questões assistenciais: pessoas que buscam cobertura para tratamentos em matérias que já são devidamente reguladas pela agência.
De acordo com Freire, em 2016 a ANS registrou 89 mil reclamações envolvendo operadoras. Dessas, 63% tratavam de questões assistenciais. Para lidar com a demanda, a agência criou um canal de resolução administrativa dos conflitos – com 81% de efetividade. A ideia, segundo a diretora, é contribuir para a redução no número de processos e diminuir o impacto na judicialização da saúde.
Marcelo André Barboza da Rocha, secretário de controle externo da saúde do Tribunal de Contas da União (TCU), disse que os gastos da União e dos estados cresceram 1.300% devido às demandas judiciais por fornecimento de medicamentos entre 2008 a 2015.
Neste período, segundo Rocha, as despesas do Ministério da Saúde com o cumprimento de decisões judiciais para a aquisição de medicamentos saltaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão.
Boa e má
Na visão da defensora pública Thaísa Guerreiro, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, apesar dos problemas, o recurso ao Judiciário vem garantindo o direito das pessoas a direitos fundamentais – uma “judicialização responsável, e não amadora da saúde”.
Para Guerreiro, a litigância responsável promove uma aproximação dos atores e o uso racional dos medicamentos. “Ou seja, é uma judicialização que viabiliza o acesso justo e equitativo dos cidadãos”, explicou. A judicialização, nas palavras da defensora, é efeito de algo que não vai bem no quadro da saúde pública e suplementar.
Em nome da Federação Nacional das Apaes (FENAPAES) e da Casa Hunter, a advogada Rosângela Moro falou sobre o descompasso entre o tempo de incorporação de novas terapias nos protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas e as necessidades das pessoas vulneráveis. Segundo ela, o alto custo dos medicamentos no caso das doenças raras e das deficiências coloca estas pessoas numa situação ainda mais desigual.
“Acreditamos que a grande questão não é a judicialização em si, mas a má judicialização da saúde”, disse. Moro lembrou que o médico tem liberdade para prescrever um tratamento, e que os operadores do direito não têm legitimidade para dizer se um remédio é bom ou não. A solução, de acordo com ela, está na inafastabilidade da perícia, que garante ao juiz a confirmação do diagnóstico e dá a certeza de que não há outro tratamento no SUS.
Evidências
A advogada da União Cynthia Pereira de Araujo, membro do Comitê Executivo Estadual de Saúde de Minas Gerais, lembrou que não se confirma a afirmação de que a União não incorpora medicamentos caros. Segundo a especialista, que é autora do livro “Judicialização da Saúde: Saúde Pública e Outras Questões”, há um rol de medicamentos que, mesmo caros, foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
“A questão para que a União não incorpore um medicamento ao seu rol não é o preço, mas a falta de evidências médicas”, explicou.
Para Araujo, a tendência de 90% de liminares judiciais concedidas para o fornecimento de medicamentos vai de encontro ao que diz a Constituição Federal quando fala do direito à saúde.
“O direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição não é o direito de acesso ao conteúdo de toda a e qualquer prescrição médica. O que o legislador garante é o direito à saúde baseada em evidências”, afirmou.
Maria Alice Peralta, diretora jurídica nacional da operadora de planos de saúde UnitedHealth, que controla a Amil, falou sobre decisões judiciais que obrigam o custeio de tratamentos negados pelos planos de saúde. A advogada ponderou que quando um médico autoriza um procedimento que não está no rol da ANS, contraria não só o contrato da operadora, mas a própria regulamentação.
“Quando um magistrado concede uma liminar com base nesse pedido médico, a gente entra numa seara do desconhecido. É impossível para um juiz saber exatamente o que é aquilo. A responsabilidade do magistrado é enorme, gigante”, frisou.
De acordo com a especialista, mais de 60% das liminares concedidas nesta esfera têm como base apenas o pedido médico. É preciso, para ela, dar às operadoras a chance de explicar porque aquele tratamento está sendo negado.
Segundo Peralta, o juiz pode avaliar se realmente está diante de uma urgência ou não. “E urgência é risco a vida. Há que se avaliar se cirurgias eletivas que são levadas ao judiciário são, de fato, urgentes.”