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Gerenciar riscos? Quem faz o quê? Para quê?

Fonte: Sergio Ricardo de M Souza, MBA, M.Sc. Data: 27 junho 2017 Nenhum comentário

Por Sergio Ricardo de M Souza, MBA, M.Sc.

Risco é o efeito da incerteza em relação aos objetivos, segundo definição da ISO/IEC 73 que é o documento que traz o vocabulário da norma ISO 31.000, publicada em 2009. A incerteza, por sua vez, é um estado total ou parcial de ausência de informação. Portanto, os riscos são possibilidades de que um determinado evento (bom ou ruim) venha a acontecer, trazendo consequências positivas ou negativas.

Perigo é um estado de iminência em que a variável principal é o tempo, determinando que a ocorrência do evento se avizinha. Em seguros, aceita-se ou subscreve-se a transferência de riscos, obviamente, após as devidas análises, mas não há seguradora que queira fazer o mesmo em relação aos perigos, justamente porque a possibilidade do sinistro se não é certa, está muito próxima disso.

Costumo dizer que gerenciar riscos é uma estratégia de preparação para fazer frente às consequências de eventos (oportunidades ou ameaças), ampliando a possibilidade de sucesso e que, seguro, é uma das alternativas para tratamento dos riscos, que não pode ou deve ser concebida de forma isolada do contexto.

Esses dias um amigo me pediu que desse uma olhada em imóveis da sua família que a seguradora havia se recusado em subscrever, alegando motivos técnicos. Trata-se de um conjunto de imóveis antigos em que as instalações elétricas são bem prejudicadas em seus interiores e, a própria alimentação da rede pública é, literalmente, uma macarronada de cabos mal arrumados, sem qualquer proteção. Disse a ele que um subscritor de risco, ao receber as fotografias dos imóveis, seria forçado a recusar o risco, pois ultrapassou-se o limite do provável para o praticamente iminente, não havendo como contratar seguro. Meu amigo não gostou e ainda me perguntou se teria que fazer uma obra para rever toda a instalação elétrica para poder “fazer o seguro”.

A psicologia deve explicar isso de alguma forma. Nós só agimos quando os riscos viram perigos? Ou seja, quando percebemos que as perdas podem ocorrer a qualquer momento? No caso do meu amigo ele sempre teve em mente que seguro é despesa e não investimento para manter o seu patrimônio e para continuar tirando receitas e lucros. Quando não há mais como transferir os riscos, aí sim, muitas das pessoas começam a pensar que precisam fazer alguma coisa para gerenciar os seus riscos, ao contrário do que deveria ser.

Há anos venho dizendo que em termos de gerenciamento de riscos há muita farinha e pouca farofa. O termo, gerenciamento de riscos, vem sendo usado de forma genérica e para múltiplos objetivos, o que é bastante razoável, mas há que se fazer uma parada para colocar ordem na casa, ainda mais quando se misturam coisas sem conhecer bem que resultados se pode tirar disso.

Em tese gerenciamento de riscos é um processo sistêmico e metodológico, utilizado para identificar, analisar e avaliar os riscos que estão expostos às pessoas, as empresas (e as suas relações transacionais de qualquer tipo, internas e externas) e ao ambiente, de forma que se possa estabelecer o adequado tratamento por meio de estratégicas específicas para eliminar, prevenir, mitigar, reter, transferir ou financiar os riscos, investindo na contínua melhoria dos empreendimentos e processos, além da comunicação a todos os envolvidos e interessados.

Não se faz gerenciamento de riscos para fazer seguros. Trata-se de uma miopia dizer isso. Seguros são realizados por demanda da transferência de riscos, que é uma das estratégias para tratamento dos riscos (não a única e nem se aplica em separado das demais).

As empresas fazem gerenciamento de riscos para eliminar ou minimizar a sua exposição as perdas (e, eventualmente, encontrar oportunidades de ganhos), mas não para contratar seguros. Obviamente, no entanto, quando a necessidade de seguros surge como uma das respostas aos riscos, o seguro a contratar é melhor definido, tornando a transferência desses riscos ao mercado de seguros mais tranquila.

Algumas seguradoras dizem que fazem gerenciamento de riscos para seus clientes e corretores de seguros, também. Isso contraria uma premissa, que aliás está nas normas que regem o assunto, que há um personagem muito importante, chamado de proprietário do risco, que tem a responsabilidade de envidar esforços no sentido de manter seus riscos tratados e sobre controle, Na prática, significa dizer que são eles que, munidos de apoio institucional, devem atuar sobre as fontes de riscos (empreendimentos, processos e pessoas) para identificar os riscos expostos, analisa-los, avalia-los e trata-los.

Corretores de seguros e seguradoras têm seus papéis específicos que são, respectivamente, cuidar da transferência de riscos (entendimento das necessidades, aproximação do mercado, cotações, análises de condições e apresentação aos clientes) e subscrição de riscos (análise das ofertas, inspeções de riscos, recomendações, aceitação, emissão das apólices). São tarefas muito importantes, mas se limitam a si mesmas. Isso não quer dizer que possam auxiliar seus clientes ao longo do processo de gerenciamento de riscos, com a sua expertise, mas reitero, sem ultrapassar os limites das suas competências. Inspeção de riscos não é gerenciar riscos. Trata-se de uma função de auditoria para subscrição, controle e monitoramento.

Quando as seguradoras resolvem inspecionar um empreendimento o fazem no sentido de entender a exposição de riscos que está sendo oferecida, suportando a decisão de aceitar, aceitar com restrições ou recusar. As eventuais recomendações dos inspetores são um subproduto das inspeções de riscos, que podem ser usados pelos subscritores pra condicionar a aceitação dos riscos. Quando as inspeções, realizadas por pessoal próprio ou por terceiros, por demanda das próprias empresas, podem ser entendidas como uma etapa do processo de identificação de riscos, que deverá trazer elementos para a elaboração de cenários acidentais nos estudos que deverão ser realizados para gerenciar os riscos.

Consultores podem auxiliar a conduzir estudos, por exemplo, assessorando as empresas com as orientações sobre como aplicar as metodologias, mas não cabe a eles, sozinhos, criarem cenários, eventos, estabelecerem probabilidades de ocorrência e estimarem consequências. Em alguns, poucos, casos específicos se utiliza o expertise de consultores altamente especializados para dar opinião sobre riscos que normalmente até as pessoas envolvidas no dia a dia não conseguem ver, mas em geral, dificilmente conhecerão todos os riscos no mesmo nível que as pessoas que trabalham expostas a eles diariamente, salvo se desconhecerem o assunto, por falta de formação, capacitação ou foco específico, o que significa por si só, um risco adicional (ligado a gestão de pessoas).

Consultores jamais terão função de liderar ou patrocinar processos de gerenciamento de riscos nas empresas, mas podem atuar no sentido de convencer as lideranças que é necessário fazer, ainda mais hoje em dia, já que até a série de normas internacionais para gestão da qualidade foi revisada para incorporar a visão de risco. O assunto está muito “quente”, por onde quer que se ande.

Há que se ter muito cuidado em relação aos “especialistas” e “consultores”, sobretudo em relação a sua pretensa senioridade, fazendo distinção entre os competentes e aqueles que dizem ser. Gostar do assunto não significa ter experiência a ponto de chamar para si a responsabilidade de realizar para outrem o que esses deveriam se responsabilizar em estar fazendo.

Não há generalidades possíveis quando se está trabalhando com risk assessement e é mandatório definir em que “quadrados” cada um dos atores vai atuar. Sobretudo, como preconizado pelas normas, é necessário definir estruturas e papéis, do que chamamos de governança de riscos.

 

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