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Por causa da violência, seguradoras já recusam apólices para veículos em cinco bairros do Rio

Fonte: O Globo Data: 06 abril 2018 Nenhum comentário

RIO - Moradora de Botafogo, a advogada Sônia Magalhães levou um susto ao telefonar, na semana passada, para um corretor de seguros: a renovação da apólice de seu carro, um Versa, teria um reajuste de 140%. Pagaria a conta da escalada da violência em seu bairro, onde a estatística de roubos de veículos dobrou de 35 para 70 casos na comparação entre fevereiro deste ano com o mesmo mês de 2017. Sônia reclamou, mas não teve jeito — acabou fechando negócio após saber que já há empresas se recusando a fazer contratos. Um levantamento feito ontem, a pedido do GLOBO, revelou que duas de seis seguradoras que atuam fortemente no mercado do Rio já se recusam a fazer cotação para novos clientes na região onde mora a advogada e também em Jacarepaguá, Tijuca, Bangu e Méier. E, segundo especialistas, há empresas que jogam os preços para o alto, numa tentativa de fazer com que o interessado desista da transação.

O GLOBO pediu a uma corretora do estado que fizesse uma pesquisa dos preços de apólices. O veículo utilizado para as cotações foi o mais vendido no país, o Onix 1.0, zero quilômetro, que tem preço a partir de R$ 44.847. E o perfil escolhido para o proprietário é o de um condutor de 35 anos, casado e sem filhos, com garagem em casa e no trabalho, características consideradas bem aceitas no mercado. O resultado mostrou que a violência pesa muito no bolso de quem dirige pelas ruas do Rio.

Duas seguradoras se negaram a elaborar novas apólices para os cinco bairros com maior crescimento percentual de roubos de veículos. Jacarepaguá encabeça esse ranking com 206% — na comparação entre fevereiro do ano passado e o deste ano, o número de ocorrências passou de 30 para 92. Em seguida, vêm Botafogo, com 100% (aumento de 35 para 70 casos); Tijuca, com 83% ( de 77 para 141); Bangu, com 71% (de 206 para 353); e Méier, com 50% (de 236 para 356).

A pesquisa, elaborada pela Bidu Corretora, também chama a atenção a disparidade entre valores informados por seguradoras que emitiram ofertas. Em Jacarepaguá, por exemplo, o preço da apólice varia de R$ 2.606 a R$ 6.709, uma diferença de 157%. Para um endereço de Botafogo, as propostas partem de R$ 2.077, mas podem chegar a R$ 5.280.

Na Tijuca, o seguro mais barato foi cotado em R$ 2.572, enquanto a proposta mais cara ficou em R$ 5.537, o que deu uma variação de 115%. Os valores cotados para o Méier são os mais expressivos: variam de R$ 3.724 a R$ 9.195 (diferença de 146%). A média, no bairro, ficou em R$ 7.004.

Coordenadora de marketing da Bidu Corretora, Marcella Ewerton ressaltou que cada seguradora faz avaliações de riscos de forma independente, em cima de estatísticas que nem sempre são as mesmas da concorrente.

— A disparidade entre os valores é realmente bem expressiva, mostra um momento atípico do mercado. Estamos abordando um mesmo tipo de cobertura, as seguradoras trabalham com um padrão de apólice, mas, muitas vezes, entendem os riscos de maneiras diferentes. Todas as empresas do setor funcionam com estatísticas, consultam bases de dados alimentadas ao longo de anos, ou seja, têm um volume muito grande de informações para observar antes de fazer uma oferta — disse Marcella. — De qualquer forma, as análises que fazemos desse cenário no Rio mostram que não existe uma negativa de forma generalizada para alguns bairros. A grande diferença que vimos nas cotações está ligada mais à composição de fatores locais do que a uma percepção de cidade violenta.

Corretor experiente, Saulo Laurindo reconheceu que a onda de violência que os cariocas enfrentam vem impactando fortemente o mercado de seguro para veículos.

— Alguns endereços estão marcados pela falta de segurança. Em muitas situações, as seguradoras não negam contrato, mas elevam o valor da apólice a tal ponto que o cliente acaba desistindo de fechar negócio — afirmou Laurindo, acrescentando que muitos corretores estão reduzindo o percentual de suas comissões para não deixarem de vender seguros.

Segundo o presidente do Sindicato dos Corretores do Rio, Henrique Brandão, a criminalidade em alta vem prejudicando a categoria:

— A violência carioca impacta a vida de todos. Hoje, o corretor perdeu de 40% a 50% do que ganhava há três anos. Motoristas não estão tendo condições de fazer apólices porque o seguro ficou muito caro, principalmente em áreas conflagradas.

Ronaldo Vilela, diretor-executivo do Sindicato das Seguradoras do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, frisou que índices regionais de roubos de veículos têm grande peso na composição do valor de uma apólice:

— Nos últimos 20 anos, o mercado evoluiu muito na busca pelo que chamamos de justiça tarifária, isto é, dar o melhor preço em cima de fatores bem avaliados. Avaliamos todas as probabilidades, como a chance de um motorista ser rendido às 18h na Zona Sul e na Baixada Fluminense. Buscamos o bom senso, baseado em estatísticas.

EM BANGU, APENAS UMA EMPRESA

Cinco das seis seguradoras pesquisadas não emitiram propostas de seguro para Bangu. O mesmo aconteceu quando foi feita uma consulta para Belford Roxo, município com elevado índice de roubos de carros — teve um aumento de 175 para 266 casos (52%), também na comparação de fevereiro deste ano com o mesmo mês em 2017. A cidade da Baixada aparece em oitavo lugar na lista de lugares do estado com maiores estatísticas do crime.

Procurada para comentar a variação de preços nas cotações e a recusa de algumas empresas em vender apólices, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) informou que não regula os valores cobrados pelas companhias do setor. No entanto, a autarquia, vinculada ao Ministério da Fazenda e encarregada de fiscalizar o setor, explicou que seu normativo 251, de abril de 2004, estabelece que “fica a critério da sociedade seguradora a decisão de informar ou não, por escrito, ao proponente, ao seu representante legal ou ao corretor de seguros, sobre a aceitação da proposta, devendo, no entanto, obrigatoriamente, proceder à comunicação formal, no caso de sua não aceitação, justificando a recusa”.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Susep informou ainda que pode ser acionada pelo consumidor que se sentir lesado. Nesse caso, o órgão abre um processo e tem a prerrogativa de aplicar uma multa.

 

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