Artigos científicos e estudos para
novos testes diagnósticos costumam levar meses para serem
publicados devido ao minucioso processo de revisão por publicações
científicas. Mas a epidemia de zika no Brasil e em outros países
das Américas tem acelerado a produção de conhecimento sobre o
tema.
Estudos sobre zika vêm sendo disponibilizados em sites
científicos na forma de "pré-print" - como o artigo é chamado antes
de passar por revisão - para que outros pesquisadores possam ter
acesso mais ágil a seu conteúdo e eventuais achados, e trabalhar a
partir deles.
"A literatura está avançando muito
rapidamente. O momento é mais de cooperação do que de competição
(na comunidade científica)", disse Patrícia Garcez, pesquisadora da
UFRJ e do Instituto D'Or, à BBC Brasil.
Sua equipe está conseguindo mapear
a rapidez com a qual o vírus ataca as células embrionárias que
formarão neurônios, e já está compartilhando os achados antes mesmo
da publicação oficial.
Na noite de terça-feira, a revista
científica "The Lancet" publicou um texto de pesquisadores
brasileiros que documentaram pela primeira vez o caso de um bebê
que não teve microcefalia, mas apresenta lesões neurológicas e
oculares graves causadas pela zika.
"Existem outros sendo estudados,
mas resolvemos divulgar de uma vez porque consideramos importante.
Mostra que a extensão da doença é maior", disse à BBC Brasil o
oftalmologista Rubens Belfort Junior, da Unifesp, um dos
responsáveis pelo estudo.
Saiba como estão evoluindo as
principais pesquisas sobre o vírus da zika e a microcefalia:
1) Vacinas
Uma de duas vacinas para zika desenvolvida em uma parceria do
Instituto Evandro Chagas com a Universidade do Texas, nos Estados
Unidos, começará a ser testada em animais em novembro. Em fevereiro
de 2017, ela deverá ser testada em humanos.
Segundo Pedro Vasconcelos, diretor
do Evandro Chagas, a vacina foi desenvolvida introduzindo mutações
no vírus da zika presente no Brasil. Dessa forma, ele perde a
capacidade de causar a doença, mas não perde a capacidade de
fomentar a criação de anticorpos no corpo humano.
"A proposta é fazer a vacinação de
mulheres em idade fértil e não em gestantes, porque, como ocorre na
rubéola, a vacina poderia induzir a malformação em bebês, mesmo
sendo um vírus atenuado", disse à BBC Brasil.
Ele afirma, no entanto, que devem
ser necessários cinco ou seis anos para que a vacina esteja
disponível para todos.
Há também uma segunda vacina em
desenvolvimento, que poderia ser administrada em gestantes - que
espera-se estar pronta para testes até o início do ano que vem.
"Para esta vacina não usamos o vírus completo, apenas um pedaço do
seu genoma. Por isso não há riscos para grávidas", disse
Vasconcelos.
2) Cloroquina
Paralelamente à corrida pela vacina, pesquisadores buscam formas de
bloquear a ação do vírus, e um avanço importante foi obtido em
testes com um velho conhecido da medicina - a cloroquina. O
medicamento é usado para tratar malária e doenças autoimunes, como
lúpus, e tem a vantagem de poder ser usado por mulheres
grávidas.
De acordo com o médico Amílcar
Tanuri, que coordena a pesquisa no Laboratório de Virologia
Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ, o grupo constatou que a
cloroquina e alguns derivados do medicamento conseguem bloquear a
multiplicação do vírus da zika nas células neurais e a morte
celular. Os testes foram feitos tanto em células neurais humanas
quanto de camundongos.
"A cloroquina não atua diretamente
no vírus, e sim na célula que vai ser infectada pelo vírus, e faz
com que não possa ser penetrada. Basicamente ela fecha a porta de
entrada do vírus, que não consegue entrar no citoplasma da célula",
disse à BBC Brasil.
Ele afirma, entretanto, que o
trabalho "ainda está no campo do tubo de ensaio", e que muitos
testes ainda são necessários. Por isso, não arrisca falar em
prazos. "Não temos tido muito aporte de verbas para nossos projetos
pelo governo", lamenta.
Os resultados da pesquisa devem
sair em uma publicação científica nas próximas semanas. Tanuri
espera que, a partir daí, grupos com mais recursos possam se
interessar seguir com a pesquisa - "e continuar nosso trabalho lá
fora".
Teste criado na Bahia identifica os
anticorpos para infecções recentes e mais antigas do vírus da zika
(Foto: BahiaFarma)
3) Testes
rápidos
No final de maio, a Fundação Bahiafarma, órgão vinculado à
Secretaria da Saúde da Bahia, anunciou a criação de um teste
sorológico rápido para zika, que consegue detectar, no soro do
sangue do paciente, os anticorpos contra o vírus em qualquer fase
da doença. O resultado estaria disponível em 20 minutos.
Até agora, o diagnóstico é feito
principalmente pelo exame PCR, que demora mais para dar resultado e
só consegue detectar o vírus enquanto o paciente está doente. A
sorologia para o vírus da zika só existia em alguns países e não
estava disponível comercialmente.
Em nota, a Fundação disse que o
teste já foi aprovado pela Anvisa e que terá reuniões com o
Ministério da Saúde na próxima semana para negociar a produção em
escala do teste.
Enquanto isso, pesquisadores do
Instituto Wyss, da Universidade Harvard, nos EUA, criaram um teste
de papel (similar ao de testes de gravidez) que, além de
diagnosticar o vírus em uma hora, conseguiria diferenciar entre os
tipos africano e asiático - este último, o que circula no
Brasil.
Em entrevista à BBC Brasil, o
pesquisador Keith Pardee, um dos responsáveis pelo protótipo, disse
que o objetivo é deixar o teste do tamanho de um papel de recados,
que caiba até no bolso e possa ser guardado mesmo sem refrigeração
por até um ano.
"Ainda queremos fazer com que
funcione também com amostras de urina e saliva", disse. O
Instituto, segundo Pardee, busca parcerias para financiar as novas
fases de pesquisa e produção.
Instituto em Harvard desenvolve teste
de zika em papel, que poderia ser armazenado por até um ano sem
refrigeração (Foto: Wyss Institute)
4) Como age o
vírus?
"Minicérebros" desenvolvidos em laboratório com células-tronco vêm
permitindo que uma equipe do Instituto D'Or, no Rio, acompanhe o
ritmo e os mecanismos de destruição do zika. Ao injetar o vírus nas
estruturas - que têm cerca de dois milímetros e equivalem à
miniatura de um cérebro embrionário - o grupo constatou uma redução
de até 40% do tamanho delas em apenas 10 dias.
"Conseguimos mapear o que o vírus
faz dentro da célula e vimos que o ciclo celular fica absurdamente
alterado", diz a pesquisadora Patrícia Garcez, do Instituto de
Ciências Biomédicas da UFRJ.
"O vírus altera os genes
específicos associados à formação de neurônios, que são muito
importantes. Sem eles os neurônios não se formam. A maquinaria toda
da célula começa a fabricar vírus", diz.
A partir da compreensão de como o
vírus atua e mata a célula, Garcez diz que é possível postular e
testar potenciais tratamentos para inibi-lo. O estudo está sendo
revisado para publicação em uma revista científica, mas já está
disponível na internet para que outros pesquisadores possam
incorporar as descobertas a suas pesquisas.
5) Transmissão por outros
mosquitos
Embora desde o ano passado os principais esforços de combate ao
alastramento da zika fossem focados no ataque ao Aedes
aegypti, só em maio veio a confirmação científica de que o
mosquito de fato carrega o vírus.
Pesquisadores da Fiocruz no Rio
conseguiram, pela primeira vez, identificar a presença do vírus da
zika em mosquitos presentes na natureza.
"Para combater o alvo certo, é
preciso ter duas coisas combinadas", explica Ricardo Lourenço,
chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do
IOC e líder do estudo. "A primeira é achar insetos na natureza
infectados com o vírus; a segunda é constatar em laboratório que o
mosquito é capaz de transmitir o vírus pela saliva."
Mas até o início de julho, a
bióloga Constância Ayres, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)
em Pernambuco, espera descobrir se o vírus da zika pode estar sendo
transmitido também por outros mosquitos.
A equipe chefiada por Ayres já
comprovou, em laboratório, que o mosquito Culex (pernilongo), mais
comum do que o Aedes aegypti, pode ser um vetor da
doença. Agora, irá analisar cerca de cinco mil destes mosquitos
coletados na natureza para descobrir se eles estão carregando o
vírus - e em proporção suficiente para infectarem humanos.
"A possibilidade de que isso esteja
acontecendo é bem grande, até porque o perfil de distribuição da
zika se assemelha ao de uma doença transmitida pelo Culex. Dengue é
uma doença bem democrática, pega rico e pobre. Já nos casos de
microcefalia, 85% dos casos são de mães mais pobres, associadas a
áreas com esgoto a céu aberto", disse à BBC Brasil.
"O vírus já foi identificado em
muitas espécies de mosquito em um ambiente silvestre, em Senegal e
Uganda. Por que no ambiente urbano só um tipo de mosquito
transmitiria?"