O Sistema Único de Saúde perderá R$
415 bilhões até 2036, ano em que expiram os efeitos previstos pela
Emenda Constitucional 95, que congela investimentos da União,
inclusive em áreas essenciais como saúde, educação e segurança, por
20 anos. O principal custo do ajuste fiscal promovido pelo governo
Temer é sobre vidas humanas: estima-se que mais de 23 mil crianças
de até cinco anos possam morrer nas próximas duas décadas por conta
da redução de recursos para programas sociais, como o Bolsa família
e as Equipes de Saúde da Família.
Os traços deste cenário foram
debatidos em audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente
na última sexta-feira (08), na Câmara Municipal de Passo Fundo.
Solicitada e coordenada pelo presidente da Comissão, deputado
Altemir Tortelli, a audiência reuniu atores sociais envolvidos na
questão da saúde pública de todos os quadrantes: ativistas,
representantes de conselhos, Ministério Público, pesquisadores,
profissionais.
E todos são unânimes no alerta e na
constatação de que a EC 95, a PEC da Morte, significará retrocessos
sobre a construção do SUS, aprovado na Constituição de 1988 sob a
ótica do controle social. E que somente a resistência da população
poderá evitar o desastre.
O coordenador do Curso de Medicina e
do Programa Mais Médicos da UFFS de Passo Fundo e vice-diretor
médico do Hospital São Vicente de Paula, César Stobbe, afirmou que
a saúde nunca esteve no centro das políticas do Estado brasileiro e
que as conquistas sempre foram resultado de luta da população. O
atendimento em saúde pública, emendou, melhorou muito no Brasil
após a criação do SUS, que aprofundou o controle social. Os avanços
na qualificação do Sistema, porém, estão ameaçados pela EC 95 e
pela crise, pelo aumento do desemprego e pela convergência de mais
pessoas ao atendimento gratuito - 1,6 milhão de brasileiros
abandonaram os planos de saúde privados. Além disso, o país assiste
ao retorno de epidemias, a exemplo da febre amarela.
A crise recai em especial sobre os
Municípios, que ampliaram os gastos para 15% a 30% de seus
orçamentos com o a atenção básica em saúde e auxílio aos hospitais.
“Hoje nenhum hospital de média complexidade consegue se manter sem
o apoio financeiro dos Municípios”, salientou. Hoje, 90% dos
atendimentos em hospitais são feitos a idosos e pacientes de
traumas decorrentes da violência.
- “O SUS é uma construção dos últimos
50 anos, mas pode ser uma desconstrução com o que está acontecendo.
Precisamos da participação de todos para que processo seja
construtivo e não destrutivo”, apelou.
Jorge Gimenez, educador do Centro de
Estudos e Assessoramento Popular de Passo Fundo, relacionou os
cortes em programas sociais à crise institucional iniciada pelo
impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que desencadeou mudanças
na Constituição sem a realização de uma Assembleia Nacional
Constituinte. “Estamos quase deixando a Constituição de cabeça para
baixo, com uma enxurrada de PECs que retiram direitos da
cidadania”, advertiu.
Além de estabelecer o teto de gastos
por20 anos, o governo Temer elevou o percentual da DRU- recursos
que o governo pode retirar do orçamento e utilizar conforme seu
desejo- para 30%.
Ele informou que os investimentos no
atendimento da população são imensamente inferiores ao que é gasto
com o pagamento dos juros da dívida. Em 2017, por exemplo, 50,66%
do Orçamento da União foram destinados ao pagamento de juros e
apenas 19,13% para a Previdência Social. O Brasil destina R$ 3,30
pessoa dia, R$ 100 ao mês e R$ 1,2 mil ao ano per
capita no atendimento em saúde. Entre 1995 e 2015, estes
investimentos equivaleram a 1,7% do PIB, ao passo que o pagamento
da dívida consumiu 8,5% do PIB. “O Brasil é o país que mais paga
juros e encargos da dívida em relação ao PIB”, de acordo com
Gimenez. “O Estado tem que se endividar e gastar em tempos de
crise”, recomendou Gimenez, que conformou o crescimento da
participação dos Municípios do atendimento em saúde. Em 1991, 12%
dos gastos correspondiam à ações em saúde e o percentual foi
elevado para 31% em 2014. A União, em contrapartida, reduziu os
investimentos de 73% em 1991 para 43% em 2014. “Países que mantêm
sistemas de acesso universal similares ao SUS destinam 7% do PIB à
saúde, o equivalente a R$ R$ 420 bilhões. No Brasil, são aplicados
3,9% do PIB, a metade da média mundial”, acrescentou.
O representante do Conselho Estadual
de Saúde, Itamar Santos, lembrou que o SUS é vítima de ataques de
tempos em tempos e que no pós golpe de Michel Temer todas as ações
governamentais e judiciais têm interesse em desmontar o Sistema.
Para resistir ao que ele qualifica como “política genocida”, o
Conselho agendou oito plenárias regionais.
O promotor de Saúde de Passo Fundo,
Cassiano Cardozo, alertou para o aumento da judicialização da
Saúde, com sobrecarga da pressão sobre os gestores da saúde
pública, que “acabam tendo que resolver questões pontuais que
afetam o planejamento em saúde”. Neri Gomes, do Conselho Municipal
Saúde Passo Fundo, sugeriu a Constituição de comitês municipais e
regionais em defesa do sus para informar e levar a denúncia sobre o
desmonte do SUS à sociedade. E para responsabilizar os deputados
federais e senadores que aprovaram a Emenda Constitucional 95.
“Agora os parlamentares que aprovaram vêm pedir o voto da
sociedade”, disse.
“É assustador ver os números, fazer
comparativos e contatar o que fizeram conosco em Brasília. Como um
governo, um parlamento, conseguiram fazer isso, de forma tão clara
e destrutivo, sem subterfúgios?
Nós não conseguimos construir uma
reação a exemplo do que fizemos para evitar a reforma da
Previdência?”, ponderou o deputado Altemir Tortelli.
O deputado afirmou que a medida
revela-se ainda mais danosa se lembrarmos que o governo federal
concedeu isenção de impostos de R$ 1 trilhão a petroleiras
internacionais e que, no Rio Grande do Sul, o governador Sartori
pretende transformar 82 hospitais de pequeno porte em pronto
atendimentos, fechando mais de 1,6 mil leitos no interior. “Temos
que levar informações para as comunidades. Quando pessoas se dão
conta dos danos provocados em suas vidas, elas se transformam em
atores sociais”, concluiu, lembrando que outra audiência, no dia 18
de junho em Erechim, ampliará o debate sobre o desmonte do SUS
quando o Sistema completa 30 anos e que o ápice do processo de
discussões sobre a EC 95 será num evento na Assembleia Legislativa
no início do mês de julho.