Nos últimos quatro anos, o Brasil e o mundo, estarrecidos, se
depararam com o mais amplo e complexo caso de corrupção em nosso
país, a denominada operação Lava-Jato.
A investigação desnudou organizações criminosas compostas por
empresários, políticos e funcionários públicos que fraudaram
licitações, falsearam a concorrência, promoveram cartelização e
oligopólios de setores importantes da economia (infraestrutura,
construção civil, energia etc.), mediante paga sistemática de
propina e até financiamento de campanhas eleitorais, praticando de
forma acertada e concertada vários crimes: corrupção ativa,
corrupção passiva, prevaricação, lavagem de dinheiro e
quejandos.
Em troca do pagamento desses “mimos”, os empresários recebiam de
políticos e funcionários públicos contratos com a administração
pública direta ou indireta; isenções e renúncias fiscais;
empréstimos de bancos públicos a juros inferiores aos praticados no
mercado bancário privado; manipulação do processo legislativo e
decisões administrativas favoráveis a seus respectivos
interesses.
Se, de um lado, a atuação repressiva dos órgãos de controle
estatais mostrou-se eficaz, de outro, revelou uma deficiência:
esses mesmos órgãos não puderam prevenir o citado quadro de
necrose.
Ruiu, também, o discurso de autorregulação da iniciativa
privada: empresas e empresários seriam capazes de, por si sós,
exercerem a prevenção à prática dos diversos crimes, sem a
necessidade da intervenção estatal. Os fatos que vieram à luz
revelaram justamente o oposto.
E é certo que as empresas deveriam e devem cumprir seu papel
institucional na coletividade, impulsionando o desenvolvimento
social, econômico, político e ético, além de observar o comando
constitucional da função social da propriedade.
Algo de novo, então, haverá de ser buscado, pois velhos caminhos
não abrem novas portas. A palavra da moda agora é compliance.
Esse anglicismo, adotado por diversos outros idiomas, significa
obedecer, estar em conformidade.
Mas, em conformidade com o quê? Com um conjunto de normas
legais, administrativas e internas, de instituições públicas e
privadas, que deverão orientar a atuação dessas entidades e de seus
funcionários e empregados, objetivando prevenir, apurar e punir
infrações de qualquer espécie a tal conjunto de regras.
É bom lembrar que não existe somente compliance anticorrupção.
Existem diversos tipos de compliance: ambiental, previdenciário,
securitário, antilavagem de capitais e assim por diante. A
desconformidade, poderá, portanto, ocorrer em diversas áreas.
Citarei três exemplos ocorridos nos EUA.
O primeiro deles envolvendo a montadora alemã Volkswagen. A
empresa fez ampla campanha publicitária informando aos consumidores
que desenvolvera uma tecnologia para reduzir a quase zero a emissão
de poluentes de motores a diesel. Submetidos a testes periciais, os
veículos apresentavam baixíssimos índices de contaminação. As
vendas explodiram. Mais tarde, descobriu-se não se tratar de nova
tecnologia, mas de uma fraude no computador do veículo. Quando
submetido à perícia, o programa produzia um resultado
fraudulento.
Outro exemplo interessante envolveu o banco HSBC. A instituição
bancária, reduzindo seus controles internos a índices risíveis e
descumprindo regras básicas que regem as instituições financeiras,
passou a permitir, em larga escala, a lavagem de dinheiro de
cartéis mexicanos de drogas e de organizações terroristas.
Um último exemplo. Uma empresa farmacêutica — Valeant — adota
uma estratégia de mercado: deixa de investir em pesquisa e passa a
adquirir o controle acionário de outros laboratórios. A escolha do
laboratório ocorria em razão de alguma medicação exclusiva
patenteada e de uso contínuo. Os preços do remédio eram
artificialmente inflados em até 700% por unidade. O paciente, ante
a ausência de medicação similar, arcava com esse custo enorme, ou o
valor gravava os planos de saúde, que repassavam o custo aos
respectivos clientes. O CEO do laboratório dizia que a empresa
tinha compromisso com seus acionistas e, por isso, promovia o
incremento do lucro, absolutamente desmedido.
Quem disse que a atitude empresarial não pode e não deve ser
ética?
Com a palavra a cidadania proativa. Senhores, façam suas
apostas.
O novo caminho parece ser a conjunção de esforços do setor
público, por meio de seus órgãos de controle, e o setor privado,
por meio do compliance, na prevenção e repressão de ilícitos.
Rodrigo Janot foi procurador-geral da República
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