Se sentindo enganados,
consumidores descobrem riscos dos planos coletivos apenas depois da
contratação
No início, eles achavam que estavam
fazendo um bom negócio: a economia mensal
podia chegar a R$ 400 por pessoa.
Mas, algum tempo depois de terem
contratado um plano de saúde, foram informados que a mensalidade
seria reajustada em até 70% e acabaram percebendo que a proposta
inicialmente atrativa era, na verdade, um armadilha.
Um funcionário público e um
administrador de empresas que conversaram com a BBC Brasil passaram
por essa situação por terem contratado um plano de saúde coletivo.
Ambos adquiriram os planos como manda a lei, seja por estarem
ligados a um sindicato ou por terem uma empresa. O problema é que
esses produtos costumam ter reajustes muito mais altos que os
individuais.
Isso ocorre porque os planos
coletivos não têm seu índice de reajuste diretamente regulado pela
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), como ocorre com os
individuais – e ficam livres para determinarem o aumento na
mensalidade que desejarem.
Assim, se o aumento determinado
pela ANS em 2014 foi de 9,65% para os individuais, a média de
reajuste dos coletivos foi quase o dobro, segundo o Idec (Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor), sendo que em alguns casos o
aumento ultrapassou os 60%.
‘Ilusão’
Foi o que aconteceu com Tabajara
Alves Cidreira, cujo plano foi afetado pelo reajuste anual e também
pela mudança de faixa etária.
“Em 2013, quando fui fazer meu
plano, o coletivo saía quase R$ 400 mais barato. Achei ótimo, mas
depois vi que era uma ilusão”, conta ele, que contratou um plano
por uma administradora de benefícios, como são conhecidas empresas
que costumam vender planos coletivos. No caso, o contrato por
adesão foi fechado por Tabajara ser associado à SASPB (Sociedade
Assistencialista dos Servidores Públicos do Brasil).
“Eu sabia que haveria um aumento
porque estava prestes a fazer 59 anos (quando muita a faixa etária
de cobrança dos planos), mas me informaram que era um reajuste
pequeno. Mas a minha mensalidade de R$ 994,76 passou para R$ 1.719
(73% de aumento).”
Tabajara conta que, apesar de achar
o valor abusivo, resolveu ir pagando porque não queria ficar sem
plano. “Me senti muito lesado. Já são tantas injustiças contra a
população, tantas injustiças por parte de grandes empresas…”
Ele afirma que, após alguns meses,
passou a se informar e viu que estava realmente sendo lesado.
Recorreu à Justiça e ganhou a causa, e o reajuste de 73% foi então
fixado em 16,79%.
“Quando saiu a sentença, pensei
‘agora, sim!’. Eu não me recuso a pagar nada, mas desde que seja um
um valor justo. Agora, conto para todos que o meu processo saiu em
poucos meses, porque tenho muito amigos que sofrem com aumentos
abusivos de planos.”
Para Joana Cunha, advogada do Idec,
entrar na Justiça é bastante viável nesse casos porque muitas vezes
são causas de até 40 salários mínimos, o que entra no que é
conhecido como tribunal de pequenas causas.
“Cada vez mais consumidores caem
nessa armadilha do plano coletivo. Muitos até tentam contratar um
individual, mas não conseguem, seja porque as operadoras não vendem
mais ou porque o valor é muito alto”, diz Joana.
‘Corrida com obstáculos’
A advogada lembra ainda que um dos
maiores riscos é no caso de planos coletivos empresariais em que o
contratante usa seu CNJP e inclui membros da família em seu plano,
já que, por ter menos integrantes, o poder de barganha é bem
limitado.
Esse foi o caso do administrador de
empresas Carlos Alberto Idoeta, que há sete anos comprou um plano
empresarial para ele, a mulher e os três filhos.
Na época, ele pagava R$ 1.400 para
os cinco integrantes; no ano passado, esse valor subiu para R$
4.100 para apenas 3 pessoas.
“Eu tentei renegociar, tendo em
vista que vou pouco a médicos, mas nada. Fui duas vezes
pessoalmente na loja deles, mas tudo o que me diziam era que ali só
pessoas físicas eram atendidas. Pelo telefone, me pediam cinco dias
úteis para fornecer qualquer informação”, disse o
administrador.
“Foi uma corrida com obstáculos
falar com a operadora. É uma sensação de impotência muito grande.
Me senti encurralado como consumidor”, disse Carlos Alberto, que
decidiu trocar de plano, escolhendo um inferior e mais em
conta.
Administradoras de benefício
ouvidas pela BBC afirmaram que oferecem todas as informações
necessárias para que o consumidor faça a opção para contratação do
plano, demonstrando as principais diferenças entre os planos
individuais e coletivos, e orientam seus funcionários para tal.
‘Omissão’
A advogada do Idec diz que ciladas
como essa são recorrentes. “Isso é apenas um reflexo que mostra
como a legislação é falha”, diz. “Saúde não é um negócio qualquer e
não deve ser mercantilizada.”
Para ela, o fato de os planos de
saúde liderarem os rankings de reclamações e causarem altíssimos
índices de judicialização deixam claro que a ANS é “completamente
omissa” e “precisa passar a cumprir seu papel legal”.
Em notas enviadas à BBC Brasil,
tanto a ANS quanto a Qualicorp, uma das líderes no mercado na venda
de planos coletivos, trataram da verificação dos reajustes.
A ANS disse que esses planos devem
cumprir “todas as exigências estabelecidas pela agência com relação
à assistência prestada e à cobertura obrigatória” e que “conforme
define a legislação brasileira, a instituição monitora
permanentemente os percentuais aplicados.”
Em seu site, no entanto, a agência
deixa claro que “se seu plano for do tipo coletivo, os reajustes
não são definidos pela ANS. Nesses casos, a Agência apenas
acompanha os aumentos de preços”.
Já a Qualicorp – uma das
administradoras de benefício líderes no mercado de planos coletivos
– reiterou que essa modalidade é, sim, regulamentada pela Agência,
“inclusive no que se refere aos reajustes”. A empresa afirmou que
“existem, pelo menos, 3 normas da ANS que regulamentam o reajuste
em planos coletivos (Resoluções Normativas nºs 171, de 29/04/2008,
63, de 22/12/2003 e 195, de 14/07/2009).”
Joana Cunha, do Idec, rebate a
afirmação da Qualicopr, afirmando que essas normas tratam de
critérios de reajuste, como periodicidade e especificidade de
reajuste por mudança de faixa etária -, mas não determinam nem
tratam de nenhum tipo de limite/valor teto de reajustes anuais de
planos coletivos.
“Ou seja, as normas deixam as
operadoras ‘à vontade’ para reajustarem o quanto quiserem”,
disse.
Sob análise do TCU
A advogada Renata Vilhena,
especializada em direito à saúde, concorda com as críticas à
ANS.
“Essa proliferação de planos
coletivos faz com que os serviços de saúde para os usuários venha
piorando cada vez mais. Com esses planos, as operadoras de saúde
driblam a legislação sem medo. E isso só acontece porque a ANS não
cumpre seu papel de regulamentar o setor.”
Renata está entre os especialistas
consultados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como parte de
uma auditoria que vem fazendo a respeito dos aumentos abusivos de
planos de saúde e na atuação da ANS.
Segundo o TCU, é seu papel auxiliar
o Congresso fiscalizando o cumprimento da missão legal da ANS, em
sua competência que envolve gastos públicos ao regulamentar os
planos de saúde.
Já a organização que reúne os
principais planos de saúde do país (FenaSaúde, Federação Nacional
de Saúde Suplementar), afirmou em nota que “a comparação entre
reajustes de planos individuais e coletivos não é simples nem
linear”.
“Nos planos individuais,
analisam-se em conjunto todos os beneficiários, assim o risco é
diluído em centenas de milhares de beneficiários. Já nos planos
coletivos, dependendo de sua decisão, o empresário pode optar por
um reajuste atrelado à despesa médica específica do conjunto de
seus funcionários. Assim, o reajuste dos planos coletivos pode
variar muito conforme o tamanho da mutualidade, de desconto de 30%
a aumento de 50% de um ano para o outro, de acordo com as despesas
feitas pelos funcionários da empresa.”