Seguro de crédito protege as
empresas que fornecem produtos e serviços a outras companhias que
passam por dificuldade financeira
As inconsistências contábeis de R$
20 bilhões anunciadas pelas Lojas Americanas, no início de janeiro
deste ano, que resultou em uma briga judicial principalmente com os
bancos credores, culminando em uma recuperação judicial, impactou
muitos mercados – entre eles, o segurador.
Estimativas do setor indicam que
deverão ser pagas de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões em
indenizações aos fornecedores da companhia que haviam
contratado seguro de crédito. É um valor
significativo, uma vez que o ramo arrecadou cerca de R$ 800 milhões
no ano passado.
“Acho que é o maior sinistro do
mercado brasileiro”, avalia Marcia Cicarelli, sócia da área de
Seguros e Resseguros do escritório de advocacia Demarest. “É um
caso emblemático. Calculamos que a taxa de sinistralidade [relação
entre o prêmio, custo do seguro pago segurado, e o quanto a
seguradora pagou de indenização – os sinistros], vai explodir por
conta desse caso da Americanas. Por outro lado, achamos que vai
abrir os olhos das empresas que não conheciam, ou não julgavam
necessário, e pode ser legal entender e ter um seguro de recebível
de algum cliente que não imaginava que poderia ter um problema como
esse”, concorda Caio Lhano, gerente de seguro de crédito da
consultoria de riscos e corretora de seguros Marsh Brasil.
Os dois especialistas no mercado de
seguros participaram do terceiro episódio do Tá Seguro, videocast
do InfoMoney, disponível no YouTube e nas
principais plataformas de podcasts. Nesta edição o programa trouxe
convidados para explicar o funcionamento do seguro de crédito – basicamente
uma proteção das “contas a receber”.
As “partes” envolvidas na
contratação são:
• O segurado
é a pessoa jurídica protegida, ou seja, o credor que está fazendo
as vendas de produtos ou serviços;
• Os devedores
os clientes do segurado que têm que fazer o pagamento num
determinado período de tempo;
• A seguradora
é quem dará a garantia financeira em caso de inadimplência;
Segundo Márcia, há dois casos que
configuram o “gatilho” do sinistro, ou seja, o evento que acontece
proporcionando a indenização ao segurado. O primeiro deles é uma
fatura vencida e não paga, que deve ser imediatamente avisada à
seguradora, que tem um período – estipulado no contrato do seguro
(apólice) – para recuperar esse crédito. “Outro caso de sinistro
muito claro é a recuperação judicial. Daí
não tem como recuperar o crédito, por isso quando tem uma
recuperação judicial, já tem caracterizado o sinistro”, esclarece a
advogada.
Lhano explica que a indenização da
seguradora acaba sendo mais ágil quando existe a recuperação
judicial, “porque a dívida está congelada e já se caracterizou o
sinistro”. “A empresa que entrou com recuperação judicial vai
renegociar a dívida dali pra frente, então, a seguradora, pelas
condições gerais da apólice, define que ela indenize o segurado e
assuma a dívida, que entra no plano de recuperação judicial”,
complementa.
Aqui x Lá fora
Outro caso apresentado no programa
foi o da Santa Maria, grupo empresarial localizado na região
central do Paraná que possui uma fábrica de papel e opera nos
segmentos de energia, agronegócio, reflorestamento e imobiliário.
“Nossa demanda por seguro de crédito veio há cinco anos quando
começamos a aumentar o volume de exportações. Aqui no Brasil temos
mecanismos para fazer análises e realizar cobranças, mas no mercado
externo nossa forma jurídica não consegue acessar para fazer
cobranças. Surgiu aí a necessidade de fazer o primeiro seguro de
crédito”, conta Fernando Morozini, coordenador financeiro da
companhia, que também participou do videocast, por meio de
videochamada.
A motivação para a tomada do seguro
de crédito ocorreu quando um cliente da empresa foi vítima de golpe
cibernético e, depois do episódio, teve dificuldades em cumprir com
as obrigações de pagamento, o que “abriu os nosso olhos” para a
necessidade de proteção, complementa Morozini.
Neste ano, a empresa optou por
contratar também o seguro de crédito doméstico. Segundo Morozini,
apesar de registrarem baixa inadimplência, “quando acontece é de
grande impacto, e impacta em toda a cadeia de fornecimento, desde o
fornecedor que entrega a celulose até a venda pra outras indústrias
que vão transformar em produto para chegar ao consumidor final”.
Com isso, pode haver um grande impacto no fluxo de caixa.
O especialista da Marsh aponta que
o conceito é o mesmo para seguro de crédito à exportação e o
doméstico: ambos servem para garantir o recebimento de
vendas a prazo.
Quanto custa?
E não são apenas casos como o da
Americanas que acendem o alerta de fornecedores para o risco de
inadimplência. Um cenário econômico global e doméstico desafiador,
com juros e inflação altos, também preocupam.
Todos esses fatores podem,
inclusive, encarecer o prêmio. Em outras palavras, o custo do
seguro pago pelo segurado à seguradora para ‘proteger’ o seu risco,
que neste caso, é a inadimplência de compradores.
“Depende também de cada setor e de
cada empresa. Mas também imaginamos, e já tenho sentido nos últimos
meses, que a procura aumentou. As empresas querem entender melhor o
seguro de crédito, quando, há alguns anos, não queriam saber
muito”, ressalta o gerente da Marsh. Tanto ele quanto Marcia, do
Demarest, indicam que por também depender bastante de análise da
carteira de clientes da empresa segurada, as apólices costumam ser
bastante customizadas (ou, no jargão do setor, “taylor
made”).
“A contratação de qualquer seguro
empresarial exige esse grau de maturidade, de conhecimento, do
mercado, clientes, fluxos e valores, até para conseguir ter noção
de qual o limite de crédito que vai precisar, quais prazos vai
trabalhar na venda a prazo, quais vai negociar. Quanto
mais know how o próprio segurado tiver do seu
fluxo e clientes, melhor serão as condições de negociar com a
seguradora sem prejuízo das análises financeiras que ela vai fazer,
da empresa e da carteira de clientes. Além de questões de mercado,
porque me pergunto se haverá uma taxação maior para varejistas, por
conta do caso das Americanas”, pontua a advogada.
Lhano observa que, em teoria,
qualquer empresa que vende um produto ou fornece um serviço e
fatura a prazo pode contratar um seguro de crédito.
Independentemente do segmento em que opera e o seu porte.
Contudo, há alguns setores com
apetite maior e outros mais restritos, no sentido de as seguradoras
estarem analisando o risco mais de perto. O varejista é um deles,
não só pelo caso das Americanas, mas também por se um que já
utiliza bastante este seguro, ou seja, já tem uma “exposição”
grande ao risco. Em relação ao porte, ele diz que hoje empresas
“com faturamento acima de R$ 10 milhões por ano já conseguem fazer
porque já existem seguradoras” olhando para essa fatia do
mercado.