O Instituto
de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPE), órgão que
assegura o plano de saúde dos servidores públicos, fez pagamentos
que somam R$ 117,8 mil a uma organização privada mesmo depois de a
Justiça afastar a empresa da gestão do Hospital Bom Jesus (HBJ), em
Taquara, no Vale do Paranhana. As cifras foram repassadas ao
Instituto de Saúde e Educação Vida (Isev) em janeiro, fevereiro e
março de 2018, contrariando decisão judicial.
"Determino ao município de Taquara e ao Estado do Rio Grande do
Sul que se abstenham de repassar valores ao Isev", escreveu o juiz
Nórton Luís Benites, da 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo, em
decisão de 13 de dezembro de 2017, quando confirmou o afastamento
do instituto por "graves irregularidades" no atendimento à
população do município.
Na prática, os serviços hospitalares foram prestados pela
Associação Beneficente Silvio Scopel (ABSS), nomeada interventora
na administração do HBJ, mas os recursos do IPE-Saúde foram
creditados ao Isev, apesar dele não ter atendido nenhum paciente no
período.
Em 19 de dezembro de 2017, dia em que o Isev efetivamente deixou
a gestão do HBJ, o magistrado fez novo alerta para que recursos
públicos não fossem mais depositados em favor da entidade. Apesar
disso, o IPE manteve os pagamentos. "Supreendentemente, o IPE
continua repassando ao Isev, nos meses de janeiro a março de 2018,
a quantia de R$ 117.892,25, referente aos serviços prestados no
HBJ", diz petição assinada pelo procurador da República Bruno
Gutschow, do Ministério Público Federal (MPF).
Nesta manifestação, anexada ao processo eletrônico e remetida ao
juiz, Gutschow requer que "intime-se o Isev para que devolva os
valores indevidamente pagos". Ainda não houve decisão. O procurador
também solicitou a continuidade da ABSS na gestão provisória do
hospital por mais 120 dias. Segundo o MPF, a empresa interventora
tem demonstrado maior comprometimento e alcançado avanços desde o
final de dezembro, embora persistam problemas na qualidade do
atendimento a serem resolvidos.
Contrato sem licitação é ilegal, aponta MPF
Além tentar a retomada da
administração, o Isev requer no processo que o Estado lhe pague R$
298,4 mil para quitar dívidas de FGTS com seus antigos
funcionários. A opinião do MPF é de que somente poderá ser definido
se a entidade tem recursos a receber depois de a Secretaria
Estadual da Saúde do governo de José Ivo Sartori fazer auditoria
nas contas do HBJ. Determinado pela Justiça Federal no ano passado,
o pente-fino ainda não chegou ao conhecimento do MPF e aos autos do
processo eletrônico.
O Isev esteve à frente do hospital em Taquara entre 15 de abril
de 2016 e 19 de dezembro de 2017. A contratação foi feita pela
prefeitura, que concedeu o uso do prédio do HBJ. À pasta estadual,
coube firmar o "contrato global", no qual são previstos os valores
a serem repassados para manutenção e estabelecidos os critérios de
atendimento e funcionamento.
Para o MPF, que tem atuado em parceria com o Ministério Público
Estadual (MP), as ilegalidades começaram logo na assinatura do
contrato. Não houve licitação. Para dispensar a concorrência
pública, a entidade definida como gestora precisa obrigatoriamente
ser uma "organização social". O Isev, ao contrário disso, é uma
empresa privada, argumenta a procuradoria.
Cremers constatou "robusto conjunto de irregularidades"
Além dos problemas na contratação, o Isev teve a atuação no
hospital classificada no processo judicial como "caótica". O
Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers) fez vistoria e
emitiu parecer "indicativo de interdição ética, haja vista a
constatação de um robusto conjunto de irregularidades".
O conjunto probatório é
robusto e indica quadro de graves irregularidades.
NÓRTON LUÍS BENITES
Juiz da 1ª Vara Federal de Novo
Hamburgo, em decisão de 13 de dezembro de 2017, quando confirmou o
afastamento do Isev da gestão do Hospital Bom Jesus
Nos 20 meses em que esteve à frente do HBJ, o Isev recebeu R$
12,3 milhões do Estado e R$ 2,9 milhões da prefeitura de Taquara
para manter os serviços de saúde. Mas a denúncia do MPF descreve a
"falta de equipamentos básicos como seringas, medicamentos, lençóis
e uma completa ineficiência na administração dos recursos públicos,
inclusive com atrasos de meses no pagamento de médicos e
fornecedores". O aparelho de tomografia, por exemplo, estragou e
foi registrada demora superior a 60 dias para a expedição de laudos
de raio X. Ainda houve redução no quadro de profissionais e a
prestação de contas era deficiente. "Faltam médicos, sendo que em
30 de junho de 2017, o único médico que atendia todo o hospital era
o intensivista da UTI, que deixava o seu posto para fazer o
atendimento das urgências", escreveu o MPF.
Na sentença que afastou o Isev, o juiz afirmou que "o conjunto
probatório é robusto e indica quadro de graves irregularidades". Em
razão dos fatos, determinou que o município providencie, dentro de
180 dias, processo de licitação para escolher nova administradora
definitiva do HBJ. A prefeitura já abriu a concorrência
pública.
O Isev refuta as acusações e garante a lisura da gestão no
HBJ. A entidade garante que tinha direito aos
valores recebidos do IPE mesmo após o afastamento. O instituto
alega ainda que as dificuldades na gestão eram resultado do atraso
no repasse de verbas por parte do Estado. O Isev também contesta a
acusação do MPF de ilegalidade na dispensa de licitação para a
contratação da entidade.
CONTRAPONTOS
O que diz o IPE
Em nota, informou que "não tomou ciência dos termos do processo
pois não foi e ainda não é parte da ação. Confirmamos com a
assessoria jurídica e não chegou nenhuma comunicação referente a
esse processo".
O que diz a prefeitura de Taquara, em nota
"O município tomou todas as providências que estavam ao seu
alcance. Inclusive participou ativamente de comissão formada
com o Ministério Público, com a participação de seu vice-prefeito.
Desta comissão culminou a intervenção, que foi necessária para
garantir a manutenção dos repasses de recursos pelo Estado para o
Hospital Bom Jesus (HBJ), qualquer que seja a entidade que estiver
administrando. O município contratou auditoria médica e está
monitorando os serviços e abriu processo licitatório para conceder
a permissão de uso do prédio do hospital, com critérios de
qualificação técnica. O edital está disponível no site da
prefeitura. A instituição que for vencedora deverá firmar contrato
com o Estado."
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