São Paulo – O recorde de roubo
de carros na região metropolitana da cidade
do Rio de Janeiro no ano passado levou a
uma disparada nos preços dos seguros e recusas de empresas em aceitar
apólices em alguns municípios e para determinados perfis de
clientes.
Um exemplo de quem sentiu no bolso a
explosão da violência é a analista de finanças Vivian dos Passos
Loureiro, 37, que passou a pagar cerca de 30% a mais pelo seguro do
carro após a recusa da sua seguradora em renovar a apólice.
Vivian mora em Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense, uma das regiões que lideram o ranking de roubos de
veículos no estado, segundo dados do Instituto de Segurança
Pública.
Ela dirige um HB20, modelo que é um
dos mais visados por criminosos na cidade. Resultado: seu carro foi
roubado em julho do ano passado, mas recuperado após três dias.
Como Vivian teve de acionar o seguro, pagou a franquia.
Ela se preparava para renovar sua
apólice neste mês. Chegou a receber e-mails da seguradora alertando
sobre o prazo para renovar o contrato, mas teve uma surpresa:
passado o prazo, a empresa se negou a renovar a proteção. “Fiquei
chateada, porque comecei a ter seguros em 2015 na empresa, tinha
cartão de crédito e classe de bônus. Pensei que com o sinistro eu
apenas não teria mais a franquia reduzida”.
Vivian buscou um corretor de seguros e
conseguiu contratar uma apólice por 5 mil reais. “Apenas três
seguradoras aceitaram fazer o orçamento”, conta. A diferença entre
sua antiga apólice e a nova se traduz em um incremento de 25 mil
reais na cobertura para danos materiais e corporais e de 15 mil
reais na indenização por morte e invalidez permanente.
Vivian comprou o HB20 em janeiro do
ano passado e não sabia que o modelo era um dos mais visados pelos
criminosos. A analista tinha anteriormente um Renault Clio, e
pagava 1,2 mil reais pela proteção. “Quando troquei pelo HB20, o
seguro subiu para 3,2 mil reais. Ou seja, passei a pagar mais de
70% pelo seguro do carro em pouco mais de um ano”. Vivian dividiu o
pagamento da nova apólice em seis vezes. “Vou ficar com a corda no
pescoço até agosto”.
No ano passado, 54.361 veículos foram
roubados na região metropolitana do Rio de Janeiro. A região de
Grande Niterói, que agrega municípios como São Gonçalo e Neves,
lidera o ranking, com 6.135 ocorrências. Ela é seguida pela Baixada
Fluminense: Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu registraram 5.717
ocorrências. Em janeiro, último dado disponível, foram registrados
5.286 roubos de carros no Rio.
Pelo menos uma seguradora, a Cardiff,
chegou a emitir um comunicado a corretores em outubro do ano
passado anunciando a suspensão temporária da venda de seguros de
carro para o Rio de Janeiro. Mas o mais comum é ver a suspensão
“velada” da proteção por meio de altos reajustes de preços, além de
negativas na renovação da apólice para perfis de maior risco, como
o de Vivian.
O servidor público federal Marcelo
Martins, 30, mora em São Gonçalo, na Grande Niterói, região líder
no ranking de roubo de carros, e passou a ter seguro de carro
recentemente, assim como Vivian.
Em julho de 2016, ele contratou um
seguro para um Ford Fiesta 2009 que havia acabado de comprar.
“Paguei, inicialmente, cerca de 2,2 mil reais pela apólice, o que
já considerei um valor altíssimo, pois meu carro já tinha sete anos
de uso”. Ao renovar o seguro, em julho do ano passado, Marcelo viu
a proteção aumentar mais de 25%, para 3 mil reais.
A contratação da proteção não foi
fácil. “Cotei com 10 seguradoras e os preços chegavam a 4 mil
reais. Muitos corretores disseram que a região onde eu morava
estava pesando na conta pelo alto índice de roubos. Dividi o valor
em cinco vezes, que era o parcelamento máximo que ofereciam e tive
de me apertar. Adiei a reforma da minha casa”.
José Machado, técnico e representante
da associação de consumidores Proteste, ressalta que as seguradoras
têm liberdade para cobrar qualquer preço na renovação da apólice.
“Elas só não podem quebrar o contrato. Ou seja, até a renovação,
qualquer serviço ao segurado ou preço não pode ser modificado”.
Algumas seguradoras só aceitam a
apólice caso um rastreador seja instalado no veículo. Outras só
aceitam a renovação da proteção caso o segurado tenha classe de
bônus e um longo relacionamento. “Como qualquer instituição
financeira, as seguradoras podem selecionar risco em situações
extremas”, diz Bruno Kellly, professor da Escola Nacional de
Seguros,
Bairros problemáticos puxaram
média
O aumento do seguro de carro na
capital carioca de fevereiro de 2017 a fevereiro deste ano foi de,
em média, 11%, o que fez com que o preço médio da apólice subisse
de 1.920 reais para 2.131 reais, de acordo com levantamento do
Comparaonline. Isso faz com que a cidade registre os seguros mais
caros do país, segundo a Minuto Seguros.
A pesquisa da Comparaonline, feita em
52 bairros do Rio e que toma como base mais de mil cotações, mostra
que alguns bairros tiveram aumentos expressivos e puxaram a média
para cima, já que, em outros, os preços ficaram estáveis, analisa
Paulo Marchetti, CEO do comparador de preços de seguros e
crédito.
Na cidade, chama atenção o eixo da
Linha-Amarela, que é cortado pela favela da Rocinha. Os preços dos
seguros, segundo o site, subiram 30% em Pechincha, 23% em Taquara e
16% em Freguesia.
A Penha registrou aumento de 27% nos
preços do seguro em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano
passado, percentual semelhante ao registrado em Vila Isabel.
Bairros nobres, como Copacabana, Tijuca, Barra da Tijuca, e Recreio
dos Bandeirantes também registraram apólices renovadas por valores
superiores aos do ano passado, entre 9% e 14%.
Os veículos mais populares puxaram os
aumentos. Na hora de renovar as apólices dos modelos, o segurado
teve de encarar, em média, 14,6% de aumento.
O levantamento considerou o perfil de
um homem de 40 anos, casado e com 20 anos de habilitação; e também
o de uma mulher de 40 anos, divorciada e com 16 anos de
habilitação.
Marchetti ressalta que muitas
seguradoras podem oferecer um preço maior, mas, na hora do
contrato, se recusar a aceitá-lo. Ou seja, nem todo aumento
verificado na pesquisa é, de fato, praticado.
Aumento da violência levou a altos
reajustes
Entre os motivos que levam o estado a
ter altos reajustes nos preços de seguro está o fato de o Rio de
Janeiro ter mais sinistros que envolvem perda total, registrar
maior dificuldade para recuperar os carros roubados e ter um grande
mercado de peças de segunda mão (o que incentiva o roubo de
veículos), analisa Bruno Kelly, professor da Escola Nacional de
Seguros e proprietário da Correcta Consultoria. “Tudo isso, fora o
descontrole na segurança pública, que levou à intervenção federal,
o que colabora para a cidade exibir altos índices de roubo.”
As negativas de cobertura e reajustes
também não seriam tão expressivos se o estado não representasse a
segunda maior frota segurada do país, perdendo apenas para São
Paulo. “Se há um aumento da sinistralidade no estado, ele pesa
muito mais do que em muitas outras cidades. As seguradoras se viram
sem saída a não ser limpar suas carteiras, aumentando as restrições
a novos clientes”.
O especialista aponta que algumas
seguradoras chegaram a ter sinistralidade de 80% em um mês no
estado. “Isso significa que, a cada 100 reais que arrecadavam em
prêmios, 80 reais eram usados para pagar sinistros. Os 20 reais
restantes tinham de pagar a comissão dos corretores, todas as
outras despesas da operação e ainda sobrar lucro”.
A taxa de juros, no patamar mínimo
histórico, também não ajuda o negócio. “As seguradoras usaram
aplicações seguras como muleta durante muito tempo. Agora, não
podem mais contar com isso, já que é preciso tomar mais risco para
obter a mesma rentabilidade”.
Questionado sobre a intervenção do
exército no estado, anunciada em fevereiro, o professor diz não ter
visto muitos impactos positivos no mercado de seguros até agora.
“Em algum nível apareceu, porque apenas o fato de os militares
estarem na rua faz o criminoso recuar de forma estratégica. Mas não
vimos uma mudança de tendência forte até agora”.
Cuidado com seguros piratas
Mais do que nunca, o consumidor de
seguros de automóveis no Rio de Janeiro deve comparar preços de
forma exaustiva.
Caso não encontre um preço que caiba
no bolso, ainda existem opções mais em conta antes de cogitar
contratar um serviço “pirata”, diz José Machado, técnico e
representante da associação de consumidores Proteste.
O seguro “pirata”, oferecido por
cooperativas, segue o mesmo conceito de um seguro tradicional, o
mutualismo: se o grupo registrar algum sinistro, o grupo tem de
repor esse prejuízo. Mas esse modelo de negócio não tem os mesmos
modelos atuariais e cálculos estatísticos que uma seguradora
precisa ter, já que não é regulamentado. Apesar de ser vendido como
um seguro, ele não é, de fato, um: é apenas uma proteção
veicular.
Os preços oferecidos pelas
cooperativas são, geralmente, tentadores, ainda mais em um mercado
no qual os preços vêm subindo de forma expressiva. Mas, não há como
ter uma garantia sobre a qualidade do serviço, diz Machado. “Sei de
casos de clientes que foram indenizados rapidamente. Mas existem
outros que precisaram consertar o carro e, posteriormente, o
volante despencou da mão. Essas proteções podem usar peças de
sucata. A seguradora tem de, obrigatoriamente, usar peças
originais.”
Como a proteção não é regulamentada, o
segurado que opta por um seguro “pirata” não tem a proteção do
Código de Defesa do Consumidor. “Não há para quem correr. Em muitos
casos é difícil até mesmo localizar a cooperativa.”
Apesar disso, o mercado segue
avançando. Machado estima que cerca de 2 milhões de veículos tenham
hoje a proteção veicular no país. Pelo menos 250 empresas que
oferecem a proteção já foram autuadas pela justiça. “O problema é
que, cada vez mais, as cooperativas vendem produtos igual a um
seguro, sendo que não são. O marketing desse produto é cada vez
mais aprimorado para enganar o consumidor.”
Segundo Bruno Kelly, da Escola
Nacional de Seguros, as seguradoras deram espaço a esse produto ao
não aceitar determinados riscos. “Quem não pode gastar 5 mil reais
em um seguro se vê obrigado a buscar alternativas mais em conta. No
caso dos seguros ‘piratas’, isso é ruim, já que o produto é
desregulamentado.”
Alternativas mais acessíveis
A primeira alternativa aos seguros
tradicionais deve ser os seguros de carro populares, que têm
coberturas mais restritas. “Você não vai ter uma franquia de
responsabilidade civil de 200 mil reais, mas de 50 mil reais. Ele é
mais enxuto, mas ainda amplo”, diz o técnico da Proteste.
Como o seguro auto popular é
relativamente novo, e ainda não existem muitas seguradoras que
ofereçam a proteção, o segurado também pode buscar proteções que
cubram apenas roubo e furto. “Já existem no mercado seguradoras
especializadas em oferecer apenas essa cobertura”, diz Machado.
Seguros que cubram apenas roubo e furto e exigem a instalação de um
rastreador também podem ser mais acessíveis. “A recomendação é
sempre buscar um seguro que oferece a maior gama de coberturas e
serviços possível”, conclui Machado.
Também existem formas de diminuir o
preço do seguro tradicional. Uma delas é mudar hábitos. Há
alguns anos, conta Kelly, mudanças de preços de seguros por CEP não
existiam. “Hoje, influenciam no preço da proteção, além do CEP de
residência, o modelo do carro, ano e o perfil de risco do
segurado.”
O perfil de risco do segurado passou a
incluir o comportamento na direção, monitorado por aplicativos das
seguradoras, que conseguem avaliar tudo o que o motorista faz ao se
deslocar. Ou seja, passa a pesar na conta o trajeto do segurado:
ele pode até não morar em um bairro perigoso, mas se passa
cotidianamente por uma zona perigosa, pode pagar mais caro por
isso.
Nesse caso, Machado, da Proteste,
recomenda evitar caminhos perigosos e avisar a seguradora de que o
CEP de circulação mudou.
Colocar o veículo em um estacionamento
fechado ou instalar um rastreador também pode fazer o preço cair.
“A queda pode ser de até 30% em determinadas regiões”, segundo
Machado.
Aumentar valor franquia e a
participação no sinistro também diminuem o preço da proteção. “Quem
é, de fato, cauteloso não vai se preocupar em aumentar a sua
franquia. É possível suprir o valor de um eventual sinistro com o
desconto obtido no seguro ao longo do tempo”.
Pagar o seguro à vista também costuma
render descontos de, em média, 5%. “Caso não haja outra opção a não
ser parcelar, busque ao menos quem ofereça esse parcelamento sem
juros”, alerta o técnico da Proteste.