Palestrantes discutem as
disparidades de renda, recursos e educação e o papel social do ramo
no nosso país para minimizar o abismo social
Na última terça-feira (6), a
Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP – discutiu o tema
‘Previdência e Desigualdade Social” em mais uma edição do Café com
Seguro. A live foi apresentada pelo Diretor de fóruns acadêmicos,
Edmur de Almeida, que também foi responsável pela coordenação do
evento, moderada pelo coordenador da cátedra de previdência
complementar fechada, Sérgio Rangel e também contou com a presença
do presidente da ANSP, João Marcelo dos Santos. O Diretor Executivo
da Fenaprevi, Carlos de Paula e o Superintendente Geral da ABRAPP,
Dr. Devanir Silva, contribuíram com o debate dando suas visões a
respeito do tema.
O palestrante Flávio Comim,
economista e professor das Universidades de Barcelona e de
Cambridge, iniciou sua apresentação citando uma metáfora que diz
que a desigualdade é como colesterol, tem o bom e o ruim. “Tem
aquela desigualdade que reflete um pouco de incentivo. Tem que
haver um pouco de desigualdade, como uma forma de incentivo. Mas
tem aquela que é como o mal colesterol, que traz problemas sociais
e pode inclusive afetar a qualidade das instituições democráticas”,
diz.
Para fazer essa diferenciação, o
professor e pesquisador explica que é preciso se perguntar de que
desigualdade estamos tratando. Se é de recursos, de renda, de
direitos, de bens primários ou de capacitações. Grande parte da
discussão está muito ligada à desigualdade de renda. Entretanto,
ela é muitas vezes um indicador imperfeito de bem-estar. Pessoas
com o mesmo nível de renda às vezes tem nível educacional diferente
e convertem essa renda em realizações distintas também. “Eu já
entrevistei famílias muito pobres, com o mesmo perfil demográfico
e, em uma as crianças estavam saudáveis, e na outra não”,
explica.
No Brasil, existem muitas outras
desigualdades. E há que se ter muito cuidado quando se olha apenas
para a renda e/ou para um único indicador, porque diferentes
medidas têm diferentes propriedades estatísticas. De acordo com o
palestrante, seu ex-professor na universidade de Cambridge, Gabriel
Palma, descobriu que na grande maioria dos países o bolo que fica
no meio entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres é muito
parecido em todos os países. No Brasil os 10% mais ricos concentram
4.3 vezes mais renda que os 40% mais pobres juntos. “Eu não posso
deixar de mencionar um dado muito preocupante. Tirando Catar, o
Brasil é o país no qual o “1%” tem mais renda de todo mundo. A
gente chega quase a 29% enquanto o Catar, país do Oriente Médio, é
30%. Ou seja, 1% da população tem praticamente um terço da renda”,
informa.
Segundo o professor Comim, no que
diz respeito a desigualdade de riqueza a coisa piora. Para entender
o tema ele sugere uma verificação nos relatórios do Credit Suisse,
que mostram que no Brasil está havendo um fenômeno interessante. Os
ricos do Brasil têm saído de ativos fixos e adquirido mais ativos
financeiros. Eles estão com menos patrimônio físico e a riqueza
está se deslocando para ativos financeiros.
“O grau de concentração disso é
algo de arrancar os cabelos. O Gini da concentração de riqueza
declarada no nosso país é de 0.85. Se consideramos a riqueza não
declarada o problema é muito maior. As amostras nacionais de
domicílio têm uma deficiência muito grande, pois ela não consegue
falar com os ricos. Essa é uma dificuldade de sub representação,
principalmente daqueles que estão no 1%”, analisa.
Para o especialista, esse momento
não é um bom. É um período de muita concentração. Durante a
epidemia o número de bilionários no mundo aumentou e existe uma
forte pressão no mundo inteiro para se colocar mais impostos para
os mais ricos. Quando se trata de capital humano e educação, no
Brasil o problema é que até os mais ricos são piores, nesses
quesitos, do que os mais pobres de outros lugares. “Nosso sistema é
quase de apartheid educacional. Tem muita coisa dentro do processo
educacional brasileiro que vai mal”, reforça.
A projeção do professor e
pesquisador é que a população nacional cresça para 230 milhões até
2050, ocasionando mudanças na composição da sociedade. As pessoas
estão envelhecendo e isso significa que estamos desperdiçando
formação de capital humano. Do ponto de vista da renda, da riqueza
e educação, que poderia corrigir as nossas falhas estruturais, esse
é um problema muito grave.
Quanto ao futuro, a visão do
professor Comim é que o cenário tende a piorar. A quarta Revolução
Industrial – o uso da Inteligência Artificial – deverá afetar as
relações de trabalho e de renda; a automação de processos, que já
vem ocorrendo é muito poupadora de mão de obra; o ‘machine
learning’, por sua vez, está mudando a forma de provisão. E existe
ainda o ‘deep learning’ ou cognitive insight’, que diz respeito às
máquinas que vão funcionar como se fossem pessoas. As previsões
hoje são muito díspares, mas alguma delas indicam que em economias
tão complexas como a americana vai haver uma redução de 47% dos
postos de trabalho.
O professor acredita que o mundo em
que caminhamos irá se dividir em três grupos de pessoas: as que vão
conseguir trabalhar com inteligência artificial; as que as máquinas
não conseguem substituir, mas elas não prestam serviços de
auto-valor agregado; e a terceira categoria e a mais preocupante é
a de pessoas que não são empregáveis. “Isso deve aumentar a
desigualdade, não apenas de renda, mas também nos espaços
mencionados. O rolo compressor da quarta revolução industrial vai
passar por cima da gente se nós não abrimos os olhos para as
desigualdades que isso pode causar. Isso colocará as pessoas em uma
posição de ainda maior vulnerabilidade”, finaliza.
Bloco 2
Para o Ac. Sérgio Rangel, uma
questão que envolve a desigualdade, e no Brasil especificamente tem
uma face ainda mais perversa, é com relação a longevidade. “Quem
tem pouco ou nenhum acesso a planos de saúde, a cuidados e a uma
boa alimentação tem uma expectativa de vida muito diferente de quem
dispõe desses recursos”, pondera. Um estudo brasileiro realizado há
dois anos concluiu que uma pessoa que nasce em um bairro nobre São
Paulo tem uma expectativa de vida ao nascer cerca de 23 anos mais
longa do que alguém que nasce em bairros mais pobres localizados na
periferia da cidade.
Na opinião do Ac. Carlos de Paula,
que trouxe uma visão sobre Previdência complementar ao debate,
atualmente o país vive a ‘Revolução dos excluídos’. “Até a década
de 80 éramos vistos pelo mundo como uma nação promissora, que teve
um crescimento econômico espetacular. Depois saímos para uma agenda
mais social, mas nunca resolvemos esses dois pilares. Não
escolhemos um caminho”, analisa. Ao longo dos últimos 50/60 anos,
ocorreram melhorias nos indicadores nacionais, mas ainda elas estão
muito aquém do patamar almejado. Para o acadêmico, os milhares de
jovens desempregados, sem perspectiva e com baixa formação, são um
grande desafio na atual conjuntura.
No que diz respeito ao setor
seguros e previdência, que também tem relação com renda, o
executivo chama a atenção para a baixa penetração do produto devido
à falta de consciência securitária da população. O seguro de
pessoas, por exemplo, representa hoje apenas 0,6% do PIB nacional.
“É fundamental fortalecermos os pilares da educação financeira,
fiscal, securitária e previdenciária. As pessoas precisam saber da
importância desses fortes instrumentos de proteção social e que
eles são sim acessíveis”, destaca.
Concluindo os painéis, Devanir
Silva contribuiu com sua perspectiva sobre planos coletivos
reforçando conceitos que julgou fundamentais, como o de proteção
social. “Me parece que é uma política inclusiva, destinada à
redução das diferenças sociais e a promover o livre desenvolvimento
da personalidade humana. A dignidade humana é o grande vetor dos
direitos fundamentais”, reforça. O executivo também compartilhou um
dizer do professor Celso Barroso Leite, que diz que “A previdência
foi o meio mais engenhoso que a humanidade descobriu para cuidar da
proteção social e individual”. Ela precisa ser básica, mínima e
universal. “Também precisa ser segura, confiável e equilibrada”,
enfatiza o executivo, defendendo a adoção de um tripé
previdenciário composto pelo Estado, os planos coletivos,
complementares e capitalizados e também a previdência privada
individual.
Assista a live completa no canal da
ANSP
https://www.youtube.com/watch?v=Sqa1NV2oYe8