Por Clarissa
Pains
Em adolescentes com deficiência, o
bullying está na origem de 46% dos problemas de saúde mental —
ansiedade, depressão, estresse e perturbações psicóticas. É o que
mostra um estudo australiano liderado pela Universidade de
Melbourne e publicado este mês no periódico científico
"International Journal of Epidemiology".
Leia
também: Livro personalizado pode ajudar professores de
alunos com deficiência
A pesquisa, que envolveu 3.500
adolescentes, usou métodos estatísticos para estimar o quanto o
lado psicológico de jovens com deficiência é afetado pelas
intimidações constantes de colegas, principalmente em ambiente
escolar.
— Ficamos chocados ao descobrir que
quase metade dos transtornos mentais desses jovens ocorrerem porque
eles são intimidados por seus colegas — diz a líder do estudo e
diretora acadêmica do Instituto de Deficiência de Melbourne, Anne
Kavanagh.
Segundo a consultora em educação
Andrea Ramal, três importantes aspectos diferenciam o bullying de
uma brincadeira qualquer: ele acontece de forma repetitiva; apenas
uma das partes se diverte; e existe uma “plateia” que encoraja a
prática, às vezes de forma inconsciente. Por isso, para a
especialista, é importante que educadores e pais conversem com os
jovens sobre como fazer parte dessa “plateia” pode ser tão grave
quanto ser um agressor.
— Ficar rindo de uma cena de
intimidação pode parecer pouco, mas é um grande estimulador para
que o cenário do bullying aconteça. Muitas vezes os pais alegam que
não têm com o que se preocupar porque o filho não é agressor, nem é
agredido. Mas ele também precisa entender a responsabilidade de seu
comportamento ao testemunhar uma cena de bullying — diz ela.
Andrea destaca que o primeiro passo é
a instituição de ensino estar física e pedagogicamente preparada
para atender alunos com deficiência.
— Embora esteja na nossa legislação
que as escolas precisam atender esses estudantes, o que percebemos
é que o próprio espaço físico muitas vezes não faz isso
satisfatoriamente. Isso reforça, na cabeça daquele estudante que já
está propenso a praticar bullying, a ideia de que o aluno com
deficiência não precisa ser valorizado. Ele pensa “se nem a escola
o valoriza, por que eu tenho que valorizar?” — ressalta Andrea.
Leia
também: Pessoas com autismo falam sobre a importância de
carteiras de identidade com o registro do transtorno
Para a pesquisadora Anne Kavanagh,
assim como os programas anti-bullying dentro de escolas costumam se
concentrar em grupos étnicos minoritários e adolescentes LGBTI+,
eles deveriam também ter como foco os jovens com alguma
deficiência. As intervenções, de acordo com Anne, devem incluir
formação de professores, aconselhamento individual de alunos e
planos de resolução de conflitos.
— É provável que o bullying tenha
consequências para toda a vida desses jovens, afetando não apenas
sua saúde mental, mas também o bem-estar deles numa fase posterior,
já quando são adultos — destaca a australiana.
Não são raras as vezes que situações
assim extrapolam o ambiente escolar e se reproduzem no trabalho,
mais tarde na vida. Foi o caso do carioca Julio Cesar França da
Silva, hoje com 37 anos, que chegou a entrar em depressão após
intimidações travestidas de brincadeiras de colegas de
trabalho.
— Por causa das “brincadeiras” de mau
gosto, não consegui mais dormir direito e passei a não ter ânimo
para as minhas atividades. Foi aí que percebi que estava depressivo
— conta ele, que teve, aos 15 anos, dedos da mão direita amputados.
— Só consegui lidar com essa questão com a ajuda de um psicólogo e
um psiquiatra.
O que os pais devem
fazer?
A consultora em educação Andrea Ramal
recomenda a pais de jovens que praticam bullying que deixem claro
para seus filhos o quão danosa é essa prática. Ela destaca que os
pais devem dar o exemplo, não ridicularizando outras pessoas, e
estabelecer em casa um ambiente que desestimula a agressividade
física e verbal.
— O bullying jamais pode ser tratado
como motivo de orgulho, como acontece com alguns pais que inflam o
peito para dizer que o filho põe medo em todos os amiguinhos —
destaca Andrea. — A criança precisa entender desde cedo que esta é
uma postura errada.
Já a pais de jovens que sofrem com
bullying, ela aconselha avisar a direção da escola sobre o problema
e exigir medidas que ajudem os estudantes a desenvolverem mais
empatia uns com os outros. Em alguns estados, como o Rio, existem
leis anti-bullying, segundo as quais a instituição de ensino pode
ser penalizada com multa caso negligencie o problema. Em último
caso, o conselho da consultora é trocar o filho de escola.