Após ser demitido depois de 41 dias à
frente da Geap Saúde, Roberto Sergio Fontenele Cândido afirma, em
entrevista exclusiva ao Blog, que, se a gestão
temerária continuar, a Geap vai quebrar. Ele ressalta que a
operadora dos planos de saúde dos servidores públicos federais se
transformou em cabide de empregos. Segundo ele, indicações
políticas são uma realidade na Geap e a maioria delas é feita por
imposição do presidente substituto do Conselho de Administração,
Manoel Messias, ligado ao Partido Progressista (PP). “Ele me
perturbou durante dias para empregar sete pessoas, sem a devida
qualificação e com salários a partir de R$ 10 mil, mesmo sabendo
que há um excedente de mais de 280 colaboradores”, diz.
Fontenele ainda alertou que a sua equipe identificou problemas na
folha de pagamentos da Geap. Empregados com a mesma atribuição têm
salários desiguais. “Há, sim, dezenas de profissionais remunerados
acima dos valores adequados para seus cargos. Gozam de
enquadramentos que excedem as regras previstas no plano atual.
Assessor ganhando mais que assessor. Diretor ganhando mais que
diretor executivo”, frisa. Nas contas do ex-diretor executivo, a
operadora precisa de R$ 130 milhões em caixa até junho e deve ser
administrada com seriedade para que não seja liquidada pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
O que causou a demissão do
senhor e de toda a sua equipe? Quantas pessoas o senhor levou para
a Geap?
Não tive oportunidade de saber os motivos reais da minha demissão.
E quem me demitiu, nem me conhece. Ao aceitar o desafio de
recuperar a Geap, fiz questão de levar profissionais especializados
em planejamento, em gestão e em assessoramento. Apresentei os
currículos das pessoas que indicaria. Não houve qualquer óbice.
Substituí 14 profissionais, no total. Não parece muito para uma
fundação que atua em território nacional e tem mais de 1.700
colaboradores. Como disse, até agora não entendi os motivos da
minha demissão.
A Geap Saúde atribui a sua
demissão ao áudio em que o senhor diz que médicos e hospitais
roubam os planos de saúde. Isso pesou contra o senhor?
Não. Apesar de ter sido gravado em uma reunião interna e, por isso,
ter mais liberdade com as palavras, o áudio tem sido usado como
pretexto. Lamento que tudo isso esteja sendo provocado por um
senhor autoritário, que, à revelia de normativos regimentais,
ignora as atribuições do colegiado (conjunto de conselheiros) e
aplica suas vontades de maneira autocrática e arbitrária. Ele me
obrigou, assim como fez com a chefe da auditoria e outros
colaboradores da Geap, a assinar, sumariamente, o documento de
demissão. Mais um desrespeito às regras da Casa. Um conselheiro não
pode demitir um empregado da Geap. Vale dizer que, em discordância
com essa prática ilegal, não assinei minha demissão.
Quem convidou o senhor para
assumir a Geap?
Fui convidado pelo chefe de gabinete do Ministro da Saúde. O meu
currículo foi selecionado entre outros, creio eu. Imaginava que
fosse para mostrar, inicialmente, a eficácia da nossa gestão à
maior base de beneficiários da Geap: a de servidores do ministério.
Mas, diante de tudo o que vivi, passei a não compreender mais. Por
que me impediram de continuar o que começou tão bem? Gostaria de
entender melhor.
O senhor tem ligação com algum
político ou algum partido?
Não. Após o convite recebido e aceito, mergulhei, conforme
combinado, no processo de recuperação da Geap. Fazer levantamentos
e diagnósticos foi a minha rotina e a da minha equipe por longos 20
dias. Importante citar que não tínhamos briefing e outras
informações sobre interesses e participações de políticos naquele
ambiente. E isso se deu porque não tenho qualquer vínculo ou
padrinho político. Sequer fui entrevistado por um parlamentar para
ali estar.
O senhor recebeu indicações de
políticos para preencher cargos na Geap? Quem são os
políticos?
Tomamos conhecimento, ao longo do mês de abril, que há “territórios
políticos” na Geap. Não imaginava é que seria monitorado, gravado e
derrubado antes mesmo de fazer as mudanças estruturais na
organização. Recebi, sim, várias indicações e recomendações para
que não fossem feitas mudanças. Porém, imposições vieram mesmo do
conselheiro Manoel Messias. Ele me perturbou durante dias para
empregar sete pessoas sem a devida qualificação e com salários a
partir de R$ 10 mil, mesmo sabendo que há um excedente de mais de
280 colaboradores.
A Geap virou um cabide de
empregos?
Infelizmente. Certamente é possível e necessário profissionalizar a
gestão da Geap. O que explica, em parte, o atual quadro da empresa.
Em poucos dias retomamos a discussão sobre um novo plano de cargos
e salários, bem como a implantação de Compliance e o desenho de um
planejamento estratégico para o período de 5 anos (2018/2022).
Imagina uma fundação do tamanho da Geap não ter qualquer desses
instrumentos de gestão e controle devidamente implementados na sua
governança? As sucessivas gestões fizeram “inchar” o quadro de
colaboradores e mantiveram pessoas com muita deficiência técnica e
de motivações duvidosas em postos estratégicos.
Vocês identificaram
irregularidades na folha de pagamento?
Soube que empregados com as mesmas atribuições tinham salários
desiguais. Confesso que me tocaram muito os problemas de RH. Sou
especialista nisso. Já havia mapeado uma série de distorções, mas
não houve tempo hábil de corrigi-las. A questão das diferenças
salariais para atribuições semelhantes deve ser corrigida
imediatamente, pois a Geap paga um preço muito alto em processos
judiciais (indenizações). Há, sim, dezenas de profissionais
remunerados acima dos valores adequados para seus cargos. Gozam de
enquadramentos que excedem as regras previstas no plano atual.
Assessor ganhando mais que assessor. Diretor ganhando mais que
diretor executivo. Soma-se a isso “a estabilidade” de pessoas que,
a rigor, não tem respaldo jurídico, comprometendo ainda mais a
gestão da operadora.
A sua demissão foi ilegal, na
sua avaliação?
Sim. Feriu todas as regras estatutárias. Admissões e demissões
fazem parte do mundo corporativo, entretanto, da forma como foi
realizada a demissão coletiva, para nós, caracterizou imaturidade e
irresponsabilidade do conselheiro Manoel Messias O papel do
Conselho de Administração não é fazer gestão, mas pensar os rumos
institucionais e garantir a transparência e a credibilidade aos
beneficiários da operadora. Da mesma forma, a demissão autocrática
da gerente de auditoria da empresa que, havia anos, prestava esse
serviço à Geap nos mesmos moldes, revela outra irresponsabilidade
deste conselheiro.
Há indícios de contratos
superfaturados ou desnecessários, como o IBBCA, Benner, entre
outros? Que irregularidades os senhores identificaram nos 41 dias
de trabalho?
A Geap não estaria passando por essas dificuldades se fosse
administrada de maneira séria. Essa minha afirmativa não desmerece
centenas de excelentes profissionais que, há anos, cuidam da Geap,
profissionais alocados na diretoria executiva e nas gerências
regionais. O problema central é de comando, com certeza. Quanto aos
contratos citados, como o IBBCA, procurem esclarecer com a diretora
Luciana Carvalho. Ela sabe de tudo, a começar pela contratação das
empresas que prestam serviços. Ela foi uma grande aliada no repasse
de algumas informações. Quando tentamos notificar e cancelar alguns
contratos, verificamos o grau de dificuldade. Se essas providências
forem mantidas, vão gerar economia de milhões de reais já 2018.
O senhor sabe dizer quantos
contratos nocivos à Geap foram notificados?
As análises estavam sendo levadas a efeito por uma equipe técnica.
Quantos são nocivos, não sei dizer. Mesmo porque nos limitamos a
trabalhar inicialmente nos contratos administrativos da diretoria
executiva, que correspondem a 150 documentos aproximadamente. Um
percentual muito pequeno comparado às gerências regionais, com
outros tantos. Alerto aos membros do Conselho Fiscal, pessoas
experientes e responsáveis, que tenham a diligência em verificar se
há verdade nisso, e de forma urgente. Caso isso seja confirmado, as
suas perguntas anteriores terão uma resposta mais assertiva quanto
a continuidade de contratos nocivos à Geap.
O senhor acha que foi demitido
por contrariar interesses políticos e de empresas que prestam
serviço à Geap?
Não tive qualquer oportunidade de diálogo, de expressão, de
interação para a construção do processo de continuidade. Sequer
participei da reunião extraordinária dos conselheiros e nem da
reunião Ordinária, que ocorreu na mesma data de minha destituição,
pois fui desarticulado antes pela arbitrariedade do conselheiro
Manoel Messias. E endosso: o nosso maior propósito junto a minha
equipe sempre foi o de cuidar dos beneficiários. Ponto.
Soube por um conselheiro que a
auditora ligada ao conselho de administração teria sido demitida
por se recusar a alterar um relatório. Isso, de fato,
ocorreu?
Olha, eu não tive contato com ela depois que saí. Antes, sim. A
profissional em questão demonstrou seriedade na discussão dos
trabalhos afetos à sua equipe e fez com que eu me identificasse com
a sua postura séria e profissional. Combinava com o modelo de nossa
gestão: apuração, correção, ação transparente. O papel dos
conselhos é o de governabilidade, e essa atitude individualizada
não condiz com a sua responsabilidade.
A Geap tem solução? É possível
equilibrar as contas da operadora?
Acreditávamos que sim. Afinal, juntamente comigo, vários
profissionais especializados, somados a um grupo de bons
colaboradores pratas da casa, fariam, certamente um grande
trabalho. Tendo saído, se não houver uma recomposição a altura, sem
falsa modéstia, não terá solução. Se a gestão temerária continuar,
a Geap vai quebrar. A quem interessa isso? Por que mantê-la nessas
condições administrativas tão precárias? Isso eu não consigo
responder.
Qual sua opinião sobre uma
eventual intervenção da ANS na Geap?
Talvez seja a solução, mas deve ser avaliada dentro da Lei. Por
outro lado, fazer intervenção e não oxigenar a carteira (com novos
clientes corporativos) dará o mesmo resultado: faltará recurso para
sanar os compromissos. Finalmente, se não for pra Geap ser
efetivamente dos beneficiários, que ela honre seus compromissos e
que não seja de mais ninguém. Os beneficiários da Geap, em sua
maioria com idades avançadas, merecem respeito.