O paciente sempre
teve o direito
à privacidade no sentido de
que informaçõessobre
sua saúde devem ser
reservadas. Os médicos, ao fazerem o juramento hipocrático,
comprometem-se a guardar silêncio sobre as informações de seus
pacientes “como um segredo religioso”. Essa privacidade é também
assegurada pela constituição federal e regida pelo código
penal.
O código de ética
médica, por sua vez, veda ao médico revelar fatos, salvo
por consentimento do paciente, dever legal ou motivo justo. A
privacidade é garantida inclusive pelo Código Civil, que atribui
proteção jurídica para os direitos da personalidade depois da morte
do titular.
Portanto, as informações médicas de um
determinado paciente estão em princípio sempre protegidas, algo que
tem uma função social importantíssima: manter a confiabilidade
da relação médico-paciente. Contudo, a
questão da privacidade ganhou novo dimensionamento nos últimos
anos.
Informações eletrônicas
Nos consultórios, os registros das
informações eram sempre realizados pelos médicos de modo manual,
algo que restringia sua duplicação e o acesso a outros indivíduos.
Nos tempos atuais, grande parte dos médicos registram suas
informações por via eletrônica e até mesmo empregando
as nuvens para guardar seus dados.
Nos hospitais, a
via eletrônica é cada vez mais a regra. Assim, nos dias atuais,
graças às novas tecnologias, as informações podem ser acessadas por
um grande número de pessoas, das mais variadas atividades, que
incluem outros médicos, profissionais de saúde comprometidos ou não
com o paciente, além de pessoal de TI, faturamento e
administrativo. Por outro lado, um paciente internado expõe-se a um
grande número de pessoas que trabalham no hospital e também a
outros pacientes e seus parentes.
Privacidade fragilizada
Em Los Angeles, calculou-se que cerca
de 150 pessoas de um hospital têm acesso ao prontuário eletrônico
de um paciente internado! Mais ainda, a rede de informações
amplia-se com reuniões científicas, teleconferências e whatsapp,
que podem expor expor informações em princípio sigilosas.
Adicionalmente, nos dias atuais, atua
um novo e poderoso componente, tanto no sistema público, quanto no
privado, que é o das fontes pagadoras. Estas, para controlar
custos, tendem a trabalhar com bancos de
dados alimentados por informações pertinentes ao
paciente, na mais ampla extensão.
Alguns planos são capazes de tabular
os casos tratados e as complicações dos diversos tipos de
tratamento por médico. Com o intuito de se controlar gastos,
existem hoje bancos de dados de pacientes compartilhados por todo o
sistema público de saúde, como ocorre em alguns países e até mesmo
no setor privado, como em Nova York, onde os planos de saúde e a
maioria dos hospitais são capazes de acessar o mesmo banco de
dados.
Por um lado, as modernas tecnologias
abrem brechas para que informações quanto à saúde dos pacientes
possam ser conhecidas, ou seja, a privacidade do indivíduo pode
ficar fragilizada, uma vez que existem informações que sem dúvida
muitos pacientes preferem preservar, como por exemplo a infecção
pelo vírus da aids, a presença de doenças sexualmente
transmissíveis ou, então, a depressão ou mesmo características
genéticas. Contudo, a comunidade ganha com bancos de dados
mais amplos e fidedignos que podem reverter para melhoria de
políticas públicas e investigação científica, fora a possibilidade
de se poder racionalizar atendimentos.
O fato é que vivemos a época do Big
Brother e a privacidade de cada indivíduo tende a ser cada vez
menor em todas as áreas. A internet, em última análise, alimenta os
algoritmos matemáticos que cada vez procuram reger nossos
comportamento. Portanto, é quase que natural que a saúde seja
incluída nessa nova dinâmica de vida atual.
Para finalizar, como procurar
assegurar o direito à privacidade da saúde de um determinado
paciente? No meu modo de ver, existem pelo
três mecanismos reguladores desse
sagrado direito: a postura ética de todos os envolvidos, para mim a
mais importante, a penalização de fato dos que o infringirem e o
emprego da tecnologia para criar códigos e barreiras que dificultem
relacionar dados clínicos com os indivíduos.
Texto de Raul Cutait, cirurgião.