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Quem são os brasileiros que deixaram o plano de saúde e como estão se cuidando?

Fonte: Bem Estar/G1 Data: 21 fevereiro 2017 Nenhum comentário

Planos de saúde são serviços almejados no Brasil. Segundo uma pesquisa de 2015 feita pelo Ibope a pedido do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 74% dos brasileiros que não possuem plano de saúde gostariam de ter. Não é difícil entender essa aspiração: apesar de os planos só atenderem um quarto da população, a disponibilidade de médicos no setor privado é três vezes maior do que no SUS, que também sofre com a falta de especialistas e longas esperas para atendimento, marcação de consultas e de exames.

Nos últimos dois anos, porém, o número de privilegiados com acesso aos planos de saúde no Brasil caiu em 2,8 milhões: de 50,4 milhões em dezembro de 2014 para 47,6 milhões em janeiro de 2017, segundo os dados mais recentes divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

“A contratação de plano de saúde está diretamente relacionada à empregabilidade formal e ao poder de compra do cidadão. Em um cenário econômico adverso, é natural que haja redução no número de beneficiários”, afirmou a agência, em nota.

"Em um cenário econômico adverso, é natural que haja redução no número de beneficiários"
ANS

Do total de usuários, cerca de 66% têm planos coletivos empresariais e 13% têm planos coletivos por adesão (ligados a associações profissionais ou sindicatos), enquanto menos de 20% têm planos individuais ou familiares. Por isso o aumento do desemprego tem impacto direto no setor. Além disso, alguns usuários alegam alta dos preços e insatisfação com a qualidade dos planos como motivo de cancelamento do serviço.

Como esses 2,8 milhões de brasileiros que perderam o plano de saúde estão cuidando da própria saúde?

Uma parcela, composta por jovens saudáveis, simplesmente não deve precisar recorrer a serviços de saúde tão cedo. Há os que buscam readquirir o serviço imediatamente, mas encontram obstáculos na busca de planos individuais. Alguns decidem usar apenas serviços particulares e outros recorrem aos serviços públicos de saúde.

Neste contexto, surgiram novos modelos de negócio em saúde, como clínicas que cobram preços populares por atendimentos, além de serviços que conectam pacientes e médicos (apelidados de “Uber da saúde”). Paralelamente, o Ministério da Saúde anunciou seu projeto de “planos de saúde populares” – serviços que estariam disponíveis a preços mais baixos, mas com uma cobertura menor do que é exigida hoje pela ANS.

O G1 conversou com pessoas que estão nessa situação para entender como suas vidas mudaram diante e como isso levou a mudanças nos serviços de saúde.

 

Plano individual é categoria em extinção

Para quem se vê de repente sem plano de saúde por perda de emprego ou aumento repentino do preço, mas faz questão de manter a segurança do plano, está cada vez mais difícil contratar um plano individual, desvinculado de empresas, associações profissionais ou sindicatos.

É o caso da professora de inglês Gabriela Miranda, de 30 anos, que precisou cancelar seu plano devido a um reajuste no preço que fez a mensalidade pesar no bolso. Logo em seguida, passou a procurar uma alternativa com preço mais acessível, mas levou alguns meses até encontrar uma solução viável. “A gente fica de mãos atadas: ou acaba cedendo a uma rede de atendimento inferior ou o preço aumenta demais.”

O medo de Gabriela era que sua filha ficasse doente no período em que não estivesse coberta pelo plano. Hoje, ela contratou um novo plano em caráter temporário. Mas a ideia é que, no futuro, sua família consiga obter um plano de mais qualidade e preço mais acessível. Isso só será possível, segundo Gabriela, se a família aderir a um plano empresarial – não individual – vinculado ao cadastro de Microempreendedor Individual (MEI) de sua mãe.

“A gente fica de mãos atadas: ou acaba cedendo a uma rede de atendimento inferior ou o preço aumenta demais.”
Gabriela Miranda, professora de inglês

A relações públicas Flavia Medici, de 28 anos, também decidiu cancelar seu plano depois de um aumento repentino da mensalidade. “Fui refletir sobre o assunto e o que contribuiu para a decisão foi que eu já não considerava a cobertura do plano boa.” Nesse período, ela pesquisou a fundo sobre outras opções de planos, fez planilhas de custo e teve de lidar com a dificuldade adicional: “Não dá mais para se filiar a um plano como pessoa física, tem que se vincular a uma associação”, conta. Como ela e o namorado já planejavam estabelecer uma união estável, resolveram formalizar a decisão e Flavia acabou tendo acesso ao plano de saúde dele.

Por que isso acontece?

Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Antonio Carlos Abbatepaolo, as operadoras de saúde têm pouco interesse na criação de planos individuais, pois estes são submetidos a regras mais rígidas pela ANS, que determina o valor do reajuste dos planos. “O reajuste é menor do que seria necessário para equilibrar a carteira. O último reajuste foi de 13,57%. É um reajuste acima da inflação, mas a inflação médica bateu 19%”, diz Abbatepaolo.

“As empresas estavam perdendo dinheiro, tendo prejuízo. A reação natural da operadora é cancelar o serviço. Se fosse em qualquer empresa – uma linha de produto achocolatado, por exemplo – se está dando prejuízo, não faz mais.” Hoje, menos de 20% dos usuários de plano de saúde têm planos individuais.

“As empresas estavam perdendo dinheiro, tendo prejuízo. A reação natural da operadora é cancelar o serviço. Se fosse em qualquer empresa – uma linha de produto achocolatado, por exemplo – se está dando prejuízo, não faz mais.” 
Antonio Carlos Abbatepaolo, diretor da Abramge

Por causa dessas dificuldades, muitas pessoas têm optado por criar microempresas de fachada para ter um CNPJ que permita a adesão a um plano coletivo empresarial ou têm se filiado a associações profissionais que não representam sua profissão real para conseguir um plano coletivo por adesão.

Para o professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Mário Scheffer, isso coloca o consumidor em uma posição extremamente frágil diante dos planos. “Isso é uma arapuca, uma armadilha porque os planos coletivos e empresariais não são alcançados pela lei mais rigorosa aplicada aos planos individuais, que limita reajuste de preço e estabelece regras sobre rescisão de contrato.”

No caso de uma família de cinco pessoas que tem um plano empresarial ligado a uma microempresa, por exemplo, se um dos membros for acometido por um problema grave de saúde, a operadora poderá rescindir o contrato no ano seguinte ou aumentar a mensalidade em 500%, por exemplo. “Começa com um valor atraente, mas podem reajustar ou rescindir a qualquer momento”, diz Scheffer.

Segundo a ANS, uma operadora de saúde não é obrigada a oferecer plano individual. “Essa é uma decisão estratégica de cada empresa. Entretanto, caso a operadora tenha planos individuais com comercialização ativa registrados na ANS, ela não poderá negar a venda aos consumidores”, explica.

Abbatepaolo reconhece que a prática de abertura de empresas de fachada somente para adesão a plano empresarial existe, mas afirma que as operadoras de saúde não têm responsabilidade sobre isso. “Esse mercado não pode ser penalizado por causa desse tipo de fraude. Se há fraude, tem que ser combatido pelos órgãos competentes. Secretarias da Fazenda e juntas comerciais têm que averiguar.”

 

Poupando o dinheiro do plano

Em meio à insatisfação com os serviços oferecidos pelo plano de saúde, alguns optam por guardar o dinheiro da mensalidade do plano e usá-lo para pagar atendimentos em clínicas particulares. É o caso da empresária Rute Pogan Marquardt, de 33 anos.

Rute pagava plano de saúde para a família havia vários anos. Quando ficou grávida, fez todo o acompanhamento pré-natal pelo plano. Ela queria um ter parto humanizado e acabou optando por um hospital público de Joinville, cidade onde mora, por ser uma instituição reconhecida por realizar um bom trabalho na área. “Fui bem atendida e atendeu às expectativas. Pedi para fazer o parto sem analgesia e eles atenderam certinho o pedido”, conta.

"(No hospital público) fui bem atendida e atendeu às expectativas. Pedi para fazer o parto sem analgesia e eles atenderam certinho o pedido"
Rute Marquardt, empresária

O atendimento pediátrico à sua filha também foi feito pelo SUS durante o primeiro ano de idade. “O atendimento foi muito bom. Tinha plano, mas fazia por lá porque gostava mais.”

A empresária já sentia que o investimento no plano de saúde não compensava. Mas a gota d’água foi quando precisou com urgência de um dermatologista para tratar uma coceira e o plano só tinha consultas disponíveis para três meses depois. Foi assim que Rute decidiu cancelar o plano e investir o valor no tesouro direto. Assim, ela guarda R$ 800 por mês. Sempre que precisa de atendimento médico, ou recorre ao SUS ou paga uma consulta particular e desconta o valor que usou da quantia que será aplicada no mês seguinte.

 

SUS é opção universal

Assim como Rute, a esteticista Regiane Medrado, de 36 anos, também considera o serviço do SUS superior ao privado em certos setores, como no atendimento às gestantes. “Mesmo quando tinha convênio do meu esposo, fiz todo o acompanhamento da gestação pelo SUS. Na parte de cuidado e prevenção para a mulher, o SUS tem uma qualidade muito boa, às vezes superior ao convênio.”

Regiane teve de cancelar seu plano de saúde por causa do preço acima do que poderia pagar. “Hoje estou 100% dependente do SUS. No caso do meu filho, que é criança, procuro fazer todo o acompanhamento no posto de saúde, manter as vacinas em dia, os exames de rotina. Minha preocupação maior é se ocorrer alguma emergência, aí existe uma deficiência muito grande.”

Mário Scheffer, da USP, observa que, atualmente, muitas pessoas que têm planos de saúde já procuram o SUS para vários tipos de atendimento, como para tratar HIV, câncer, fazer hemodiálise, transplante, cirurgias cardíacas de alta complexidade, entre outros. Com uma rede ainda mais limitada de atendimento pelo plano de saúde, como pode ocorrer no plano popular, a situação deve se intensificar.

“Se houver uma política de incentivo ao crescimento do mercado privado que entrega pouco, com cobertura insuficiente, conjugado com a retração de financiamento do SUS nos próximos 20 anos, certamente vamos ter a maior crise sanitária do sistema de saúde desde que o SUS foi criado. É um caminho preocupante”, alerta Scheffer.

 

Clínicas de preço popular e “Uber da saúde” se expandem

Clínicas que oferecem atendimento médico a preços populares têm tido um crescimento expressivo nos últimos anos e empresários do setor afirmam que grande parte da clientela é composta por pessoas que deixaram de ter plano de saúde.

Thomaz Srougi, CEO e fundador da rede de centros médicos Dr. Consulta afirma que 80% dos clientes da rede não têm planos de saúde. “A gente está recebendo pessoas que perderam o plano porque nossos centros concentram muitos recursos de saúde: não só consulta, mas também exames de laboratório, de imagem e procedimento de baixa complexidade”, diz.

Srougi diz que uma das missões da rede é “aliviar a insegurança emocional” de estar desprotegido, sem o amparo de um plano de saúde. Inaugurada em 2011 com uma única unidade em Heliópolis, a clínica hoje tem 28 unidades e fez cerca de 90 mil atendimentos em dezembro. Ele afirma que a ideia é que o paciente seja acompanhado de perto pelos profissionais da clínica “como se fosse o acompanhamento que o médico da família dava aos nossos pais antigamente”.

A rede de clinicas Dr. Agora também tem recebido pessoas que ficaram órfãs do plano de saúde e esse público específico tem crescido cerca de 30% a cada mês, de acordo com Guilherme Berardo, CEO da rede.

As clínicas têm perfis diferentes: enquanto o Dr. Consulta oferece consultas agendadas com especialistas, além de exames e procedimentos simples, o Dr. Agora oferece consultas sem agendamento apenas com clínicos gerais.

A jornalista Gabriela Fernandes, de 30 anos, experimentou o atendimento do Dr. Consulta pela primeira vez no ano passado. Sem plano de saúde há bastante tempo, ela costuma recorrer ao SUS para tratamentos, mas estava cansada das longas esperas para agendar consultas. Passou em frente a uma clínica e resolveu fazer um agendamento já para o dia seguinte. “Passei tudo para a médica e ela realmente teve a preocupação de entender o que eu tinha. A consulta demorou 40 minutos e ela pediu os exames necessários.”

Gabriela teve de pagar pelos exames em um serviço particular, mas considera que a agilidade no atendimento valeu a pena. “É algo que estou indicando para pessoas que tem uma urgência e não têm como esperar pelo SUS. O preço é bom, o atendimento é rápido e tive boas referências. ”

Agendamento popular

Outros serviços que têm surgido recentemente são aqueles que conectam pacientes com médicos para consultas a preços populares, que vêm sendo chamados de “Uber da saúde”. É o caso do SOS Consulta. Trata-se de uma plataforma online em que clínicas particulares previamente cadastradas disponibilizam horários para consultas e exames a preços mais baixos. O paciente faz o agendamento online e paga diretamente pelo site ou por boleto bancário.

Segundo o empresário Rogerio Aleixo, CEO do SOS Consulta, as clínicas passam por uma avaliação prévia antes de serem cadastradas, o que deve garantir uma qualidade de atendimento. Só em São Paulo, já existem mais de 100 clínicas cadastradas.

“O pessoal que perdeu o plano de saúde está tendo que migrar para outras alternativas. É um sistema seguro. Controlamos tudo. Se alguém perdeu o plano e quer uma consulta, nós somos uma opção acessível”, afirm Aleixo.

Limitações

O que esses serviços têm em comum é que ambos se posicionam como uma alternativa ao plano de saúde em atendimentos de baixa e média complexidade. Porém os serviços não conseguiram resolver de forma satisfatória um problema: como fazer a transição desses pacientes para outros serviços quando eles necessitam de um tratamento de alta complexidade.

Pacientes diagnosticados em um desses serviços que pretendam continuar o tratamento no SUS têm de “voltar ao início da fila”: ou seja, passar por atendimento em uma unidade básica de saúde para ser encaminhado para um especialista, agendar consulta e só então ter acesso a um serviço especializado.

 

"Como essas clínicas não encaminham para nenhum serviço, a pessoa vai ter dificuldade e vai voltar a peregrinar pelo SUS ou procurar um plano de saúde" 
Prof. Mario Scheffer, FMUSP

 

“Atualmente não é possível formalizar uma parceria com o sistema público. O que acaba acontecendo é que, quando o paciente já chega no sistema público com um diagnóstico, ele pode conseguir alcançar o tratamento de forma mais rápida, ainda que isso não seja formalizado”, diz Srougi. Berardo afirma que isso é realmente um problema e que a ambição do Dr. Agora é poder referenciar pacientes para o SUS.

Outra limitação desses modelos de clínicas é que elas não atendem urgências e emergências.

Para Scheffer, esse é um modelo de negócio que cresce muito atualmente, pois preenche uma lacuna importante do SUS que é o atendimento de especialidades. “Mas preenche com muita limitação, pois o paciente não vai ter condição de arcar com o seguimento daquele problema de saúde” caso o problema seja de alta complexidade. “Como essas clínicas não encaminham para nenhum serviço, a pessoa vai ter dificuldade e vai voltar a peregrinar pelo SUS ou procurar um plano de saúde.”

 

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