As discordâncias e os conflitos
entre operadoras de planos de saúde e seus clientes têm parado cada
vez mais nas mãos do Poder Judiciário. Em dois anos, o valor gasto
pelos convênios médicos para atender a demandas judiciais dobrou,
alcançando a marca de R$ 1,2 bilhão no ano passado, segundo
estimativa feita pela Associação Brasileira de Planos de Saúde
(Abramge) e obtida pelo Estado. Em 2013, esse gasto havia sido de
R$ 558 milhões.
Segundo a associação, o crescente
número de processos que pedem tratamentos ou medicamentos não
cobertos pelos planos desequilibra o setor e acaba prejudicando os
próprios clientes, por meio do reajuste das mensalidades. Já os
pacientes acusam as empresas de dificultar o acesso a terapias e
dizem encontrar na Justiça o caminho para ter acesso aos
procedimentos necessários.
Balanço da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) mostra que pelo menos R$ 320 milhões do R$
1,2 bilhão gasto pelas empresas com demandas judiciais foram gastos
com procedimentos não cobertos em contrato.
Para Pedro Ramos, diretor da
Abramge, há clientes que entram na Justiça porque a operadora negou
a cobertura de um procedimento que, de fato, deveria ser oferecido,
mas há também muitos beneficiários que solicitam judicialmente uma
terapia que não faz parte do rol de cobertura mínima dos planos ou
um tratamento nem sequer disponível no país.
"Na maioria dos pedidos de liminar,
o cliente nem procurou a operadora antes de entrar na Justiça. O
rol é claro e os contratos são claros. Os preços dos planos são
formatados pelo que está na lei. Quando vem uma decisão obrigando o
plano a custear algo fora da lei, aumenta o custo e não tem como
ele não ser repassado."
Ramos cita como exemplos de ações
"indevidas" as que pedem a cobertura de medicamentos sem registro
na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou
procedimentos não previstos em contrato. "Tem gente que já pediu
estada em spa", afirma.
Os consumidores, por sua vez,
reúnem exemplos de dificuldades no trato com os convênios médicos.
Um mês depois de contratar um dos mais completos planos de saúde do
país, em agosto do ano passado, o empresário Tauan Henrique do
Nascimento Oliveira, de 23 anos, foi duplamente surpreendido.
Primeiro, com um repentino problema
na aorta que o levou para uma cirurgia cardíaca de urgência. Depois
do diagnóstico, veio o segundo susto: o plano não autorizaria o
tratamento, alegando que ainda vigorava a carência de seis meses
para internação.
"No contrato falava de carência
para internação, mas dizia que o plano cobriria toda a parte de
emergência e aquilo era uma emergência. O médico disse que, se meu
marido não operasse imediatamente, ele poderia ter uma hemorragia
interna e aí não haveria muito mais o que fazer", conta a
empresária Maria Aline Serafim de Santana Oliveira, de 24 anos,
responsável pela negociação com o plano.
Oliveira teve de ficar internado
por mais de um mês após a cirurgia, se recuperou, mas a conta do
hospital fechou em R$ 520 mil. "Não tinha de onde tirar esse
dinheiro. Se meu psicológico já estava abalado com o problema de
saúde dele, a cobrança da conta do hospital deixou tudo ainda mais
complicado", diz Maria Aline, que decidiu, então, entrar na Justiça
para obrigar o plano a arcar com a despesa.
A Justiça entendeu que, por
tratar-se de um procedimento de urgência, não cabia carência para
internação e deferiu a liminar a favor do casal.
Principais causas
De acordo com a Abramge, os
principais pedidos feitos em ações judiciais são de procedimentos
ausentes no rol, de medicamentos experimentais ou revisão de
reajustes de mensalidade de acordo com as normas da ANS. Para
Renata Vilhena, advogada especializada em direito à saúde, falta
transparência na relação entre consumidor e a operadora, o que
aumenta a judicialização.
Ela ressalta que a Justiça tem
entendido que procedimentos não elencados no rol devem ser
oferecidos pela operadora, se forem avaliados como necessários pelo
médico. "Os juízes têm considerado o rol como um documento
exemplificativo, e não taxativo. A gente se baseia acima de tudo no
Código de Defesa do Consumidor, que contesta os atos que tirem a
chance de um contrato atingir sua finalidade - nesse caso, um
tratamento necessário." As informações são do jornal O
Estado de S. Paulo.