Um dos sinais de que o padrão
de vida do brasileiro melhorou nos últimos anos pode ser observado
nos planos de saúde. Uma a cada quatro pessoas no país conseguiu
realizar o sonho de ter um convênio médico. Mas não dá mais para
comemorar. Com a retração na economia, o aumento do desemprego e a
diminuição da renda, o império dos planos de saúde, este ano,
começa a ruir, atingindo toda a cadeia, ameaçando, inclusive, a
qualidade do atendimento prestado. Somente no primeiro semestre, as
operadoras perderam 190 mil beneficiários no país e estão tendo
mais custos do que receitas. Com isso, em Belo Horizonte, hospitais
particulares, preocupados com as contas que não têm sido pagas por
algumas operadoras, fazem dívidas para tapar o rombo. E o impacto
disso é conhecido: o cliente que continua ativo poderá pagar mais
caro e correr o risco de contar com um serviço inferior, com menos
médicos e enfermeiros para lhe atender.
O desemprego no país chegou a 8,3% no segundo trimestre,
maior taxa desde 2012, conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). O segmento empresarial é a força
motor dos planos de saúde. Mas, ao perder o emprego e ver seu poder
de consumo cada vez menor, a tendência de grande parte das pessoas
é deixar de investir em convênios particulares. “Tivemos sempre uma
curva ascendente ao longo da história. Diferentemente de outros
setores da economia, não havia uma variação no número de clientes
de acordo com a época do ano. A gente não sofria perdas. Agora, com
o aumento do desemprego e a diminuição da renda, perdemos quase 200
mil beneficiados”, comenta o diretor-executivo da Associação
Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Antônio Carlos
Abbatepaolo.
Maior operadora em Belo
Horizonte, a Unimed-BH hoje atende cerca de 1 milhão de pessoas na
capital e na Grande BH e informa ter sentido o impacto da crise. De
acordo com o superintendente comercial e de Marketing da empresa,
Marcelo Coury Abrahão, a operadora tem cerca de 80% de sua carteira
de clientes em planos corporativos. “Com o cenário econômico
desafiador, que levou a reduções significativas nos investimentos e
nos níveis de renda e empregos formais, a cooperativa, a exemplo
das demais operadoras de planos de saúde do país, também sentiu o
reflexo em sua carteira de clientes”, comenta. A carteira da
Unimed-BH apresenta queda de 3,5% nos primeiros seis meses do ano,
ou seja, cerca de 35 mil beneficiados deixaram de ter o convênio.
“Os nossos compromissos estão em dia. Fechamos o primeiro semestre
de maneira estável e temos mantido os custos sob controle”,
garante.
De acordo com Abbatepaolo, hoje, 80% dos planos no país são
empresariais. “Não tem tido uma crise no nosso setor. A crise é da
economia, e, com isso, o nosso segmento está em estado de atenção
máxima”, define Abbatepaolo. Ele destaca que, depois da casa
própria e de uma educação de qualidade, o sonho do brasileiro é ter
plano de saúde. “Por isso, muitas pessoas, mesmo desempregadas,
tendem a manter o convênio, o que justifica o número de vagas
fechadas com carteira assinada no país, que são 345 mil, de janeiro
a junho, não ser o mesmo de beneficiários que deixaram de ser
usuários da rede suplementar”, explica. Representante da medicina
de grupo, ele diz que, na Abramge, já foi registrado que as
empresas tiveram um faturamento, neste primeiro semestre, abaixo de
1%. “As operadoras lidam com uma série de exigências da Agência
Nacional de Saúde (ANS), o que as tem deixado em situação muito
difícil, já que os preços que estão cobrando já está no limite”,
avisa.
REFLEXOS É provável que o cerco aperte
ainda mais para os usuários ativos, já que reajustes virão e,
possivelmente, acima da inflação. Isso porque, segundo dados
divulgados pela Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FenaSaúde), a despesa do setor de saúde suplementar totalizou R$
139,3 bilhões e cresceu 14,7% nos 12 meses terminados em junho, em
comparação ao mesmo período de 2014. Enquanto isso, as receitas de
contraprestações somaram R$ 138,7 bilhões, um aumento de 13,7% na
mesma base comparação. Dessa forma, o resultado operacional foi
negativo, de R$ 600 milhões nos 12 meses terminados em
junho.
“Esse cenário vem sendo intensificado pela crise econômica
pela qual passa o país. O setor tinha se recuperado no ano passado,
mas voltamos a ter um resultado global negativo”, avalia o
diretor-executivo da FenaSaúde, José Cechin. Segundo ele, as contas
no vermelho podem significar um reajuste nos valores dos planos
individuais e também nos coletivos. “É preciso levar em conta o
aumento dos custos, e, no caso dos convênios individuais, o
reajuste tende a ser maior que a inflação. Já para os coletivos, há
uma negociação intensa entre as operadoras e os contratantes para
achar um índice de reajuste, mas deve ser, também, acima da
inflação”, revela Cechin, dizendo que, anualmente os aumentos são
feitos de acordo com as previsões para os 12 meses seguintes.
“Vimos que, com a crise, o que foi decidido no ano passado, foi
insuficiente”, diz.
Além da retração na economia, Cechin também destaca que os
valores de dispostivos médicos ficaram mais caros. “Os medicamentos
também tiveram reajustes de preço. Não somos contra aos
procedimentos mais caros, desde que deem resultados”, afirma. Ele
não acredita que a saída de quase 200 mil usuários tenha afetado
tanto os planos. “O desemprego ainda não chegou totalmente às
cooperativas. Aqueles que foram demitidos, se usaram uma clínica ou
hospital um dia antes da demissão, foi atendido e a fatura ainda
está na unidade de saúde”, explica.
Mas, nos hospitais, a situação é mais preocupante, conforme
comenta o presidente da Central dos Hospitais de Minas Gerais,
Castinaldo Bastos Santos. “Os prestadores de serviços, como os
hospitais, clínicas, laboratórios, representam um elo enfraquecido
nessa história”, diz. Segundo ele, na última semana, um hospital de
médio porte na cidade enviou a fatura a um plano de saúde e só
recebeu 70% do que cabia à operadora a pagar. “Os planos estão sem
caixa para suprir e toda a cadeia está insatisfeita. Os hospitais
que não estão recebendo o valor que lhe devem estão recorrendo aos
bancos e pagando juros altos por empréstimos. É um cenário de
terror”, afirma Abbatepaolo.