Por Antonio Penteado Mendonça,
no jornal O Estado de S. Paulo
A Lei 9656/98 está completando 22
anos de idade. Conhecida como Lei dos Planos de Saúde Privados, é
das leis ruins que foram votadas no País, o que mostra a
competência dos brasileiros em se safar e dar a volta em enroscos
monumentais que são colocados no seu caminho.
Demagogia, culpa social, complexo
de inferioridade, incompetência, nepotismo, corrupção são razões
mais do que suficientes para nos colocarem regularmente diante de
desastres dessa natureza, os quais temos de ultrapassar para
permitir que o País continue caminhando com um mínimo de segurança
socioeconômica.
A Lei dos Planos de Saúde Privados
foi desengavetada e votada em 24 horas, depois de um longo sono,
perdida num escaninho do Congresso Nacional. Dizem as más línguas
que a operação tinha como meta ajudar a campanha de um determinado
candidato, mas o resultado foi tão ruim que nem o próprio candidato
assumiu a sua paternidade.
Ela chegou exatamente quando a
Susep (Superintendência de Seguros Privados) acabava de baixar
regras que tinham tudo para tornar socialmente viável o
funcionamento dos planos de saúde privados, criando o “Plano
Universal”, obrigatório para todas as operadoras, mas com preço
livre, e a possibilidade da redução das garantias de acordo com as
necessidades dos segurados, em contratos com rol de procedimentos
mais restritos.
O “Plano Universal” impunha
cobertura ampla, geral e irrestrita para os procedimentos de saúde.
Partindo dela, podia-se reduzir os procedimentos cobertos,
desenhando e precificando o plano de acordo com as necessidades de
cada um.
De repente, quando o quadro tinha
tudo para evoluir bem, a Lei 9656/98 foi votada e caiu como um
tijolo na cabeça do setor. O texto original era tão ruim que mais
de 80% de suas disposições foram modificadas por uma Medida
Provisória, baixada no dia seguinte. E durante perto de um ano, a
cada mês, o governo baixou uma nova Medida Provisória alterando a
anterior, até chegar no desenho atual, o qual tem potencial para,
em algum momento, dependendo da demagogia política, acabar com os
planos de saúde privados nacionais.
Mas esta lei ruim levantou um outro
lado extremamente positivo da capacidade gerencial do brasileiro.
Diante de um cenário francamente hostil, todos os envolvidos com os
planos de saúde privados, de uma forma ou de outra, conseguiram
evitar o pior e fazer com que o setor funcione, ainda que regulado
por uma lei com tudo para dar errado.
Ao longo de 22, todos, ANS (Agência
Nacional de Saúde Suplementar), operadoras, canais de distribuição,
hospitais, laboratórios, clínicas e prestadores de serviços em
geral deram sua contribuição para o setor avançar e atender, dentro
de suas possibilidades e limitações, os seus segurados.
Ao contrário do que alguns ainda
insistem em dizer, os planos de saúde privados brasileiros
funcionam e funcionam bem, tanto que são o terceiro sonho de
consumo da população. Se eles não funcionassem, com certeza não
estariam nesta posição.
Se ainda existe alguma dúvida a
respeito, basta ver o que aconteceu com a chegada da pandemia do
coronavírus ao Brasil. Ninguém ouviu falar das operadoras de planos
de saúde privados negarem atendimento aos seus segurados. E, se
aconteceu algum caso, foi a exceção.
Atualmente, os planos de saúde
privados respondem por mais de 60% do total de recursos investidos
na saúde no Brasil. São mais de R$ 200 bilhões por ano, o que é
dinheiro em qualquer lugar do mundo.
Entre secos e molhados, a Lei dos
Planos de Saúde Privados completa 22 anos com o sistema em
funcionamento e isto é muito bom. O dado triste é que, se
atualmente os planos de saúde privados atendem perto de 47 milhões
de pessoas, este número deve cair até o final do ano.
Afetadas pela crise, mais pessoas
perderão seus planos, mais cidadãos terão de recorrer ao SUS e o
governo, já acossado pela pandemia, ainda vai ter de assumir os
custos de saúde de mais alguns milhões de brasileiros.