Negociações escusas e preços
discrepantes das órteses, próteses e materiais especiais (OPME)
serão debatidos no 3º Fórum da Saúde Suplementar, em outubro
A “máfia das órteses, próteses e
materiais especiais (OPME)”, um dos maiores gargalos do sistema de
saúde no Brasil, será um dos tópicos do 3º Fórum da Saúde
Suplementar promovido pela Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FenaSaúde), em outubro próximo, na cidade de São Paulo. Nos
últimos anos, a entidade – que representa 18 grupos de operadoras
de planos privados de assistência à saúde – se empenha em promover
discussões que aprimorem a utilização desses materiais e garantam
transparência das informações e a sustentabilidade do financiamento
da saúde suplementar.
– A FenaSaúde busca combater fraudes
nas OPME (marca-passo, stent cardíaco, implante mamário de
silicone, hastes, pinos, e outros) com o objetivo de garantir mais
segurança ao beneficiário e mitigar irregularidades como incentivos
indevidos oferecidos pela indicação e utilização de materiais por
profissionais e hospitais e realização de intervenções sem real
necessidade, explica a presidente da Federação, Solange Beatriz
Palheiro Mendes.
O Fórum da FenaSaúde pretende promover
uma discussão sobre o que já foi feito em outros países, onde se
avançou e o que se pode compartilhar. – Vamos trazer especialistas,
entre eles Rick Munson, presidente do conselho da National Health
Care Anti-Fraud Association (NHCAA) dos Estados Unidos. Serão
relatadas as experiências com fraudes, abusos e a demonstração de
como eles lidam com a questão. Poderemos conhecer, por exemplo,
como o mercado americano se organizou para dar conta do cenário e
como as instituições cooperam globalmente para evitar e mitigar
essas questões. Conhecer quais as penalidades que são usadas e como
as empresas desenvolvem seus sistemas antifraudes. Assim, poderemos
ver o que pode ser aprimorado aqui, tanto nas operações quanto na
legislação, esclarece Solange Beatriz.
Fraudes, má indicações e abusos fora
do Brasil
Sandro Leal, superintendente de
Regulação da FenaSaúde, vem acompanhando os procedimentos que estão
sendo aplicados nos Estados Unidos, onde também a questão de
fraudes de OPME é recorrente. O superintendente destaca que os
americanos estão muito mais avançados no que diz respeito ao
estabelecimento e cumprimento de penalidades em comparação ao
Brasil, assim como na transparência e na troca de informações entre
as entidades para se chegar a resultados satisfatórios. – O mais
importante na comparação do que ocorre no Brasil e nos Estados
Unidos em relação a fraudes, é o fato de a nossa legislação não
criminalizar infrações. Nos Estados Unidos há lei específica
proibindo o pagamento de propina. A legislação é muito mais severa.
Eles coíbem fortemente sinistros falsos e os envolvidos vão
realmente para a cadeia, além de pagar valores elevados. Há
projetos de lei no Brasil que tentam avançar na matéria. É preciso
sentido de urgência já que as fraudes, más indicações e abusos
encarecem os custos da assistência médica e oneram todos os
beneficiários. E, principalmente, podem colocar em risco a vida do
paciente.
Discrepância nos preços de
implantes
A FenaSaúde chama atenção para a
discrepância de preços praticados em dispositivos para implantes no
país. A entidade informa que o custo de uma prótese de joelho, por
exemplo, pode ter seu valor ampliado em mais de oito vezes, saindo
do valor de R$ 2.096 até os R$ 18.362 pagos pelas operadoras,
segundo dados do relatório final do Grupo Técnico Interministerial
(GTI) de OPME. Desde que sai do fabricante, o valor do produto é
acrescido de custos de seguro, frete e desembaraço; comissão do
vendedor; margem do distribuidor; tributos sobre a venda para o
hospital; custos de instrumentos e instrumentador; comissão do
médico; margem do hospital e uma segunda tributação sobre a venda
do hospital para a operadora de plano de saúde.
O ortopedista Edmond Barras, chefe do
serviço de clínica e cirurgia vertebral do Hospital da Beneficência
Portuguesa de São Paulo, afirma que o problema das OPME é complexo
e não exclusivo no mercado brasileiro, com superfaturamentos e
fraudes. Ele cita que, nos Estados Unidos, um parafuso pedicular
para fixação vertebral, cujo custo de fabricação não passava de US$
100, chegou a ser vendido por até US$ 2000, destacando que, às
vezes, em uma única cirurgia são usados mais de uma dúzia deles. –
Em meados da década de 1990, as cirurgias de coluna vertebral com
implantes surgiram no Brasil. Não demorou muito para que se
repetisse aqui o “boom” de cirurgias de coluna, com uso excessivo
de implantes, e o que é mais grave, indicações desnecessárias que
chegam a 60%. Se partirmos da premissa que uma cirurgia mal
indicada terá sempre um mau resultado, por melhor que seja a
técnica, e que em 2015 foram realizadas no Brasil 27.000 cirurgias
de coluna com implantes, dá para se ter uma ideia do flagelo que
isso representa – mostra.
Fonte de renda irregular
Edmond Barras também ressalta que se
forem levados em conta os baixos honorários que médicos recebem por
uma cirurgia de coluna (pela tabela da AMB uma cirurgia de hérnia
de disco não chega a R$ 600,00) a porcentagem que recebem dos
fornecedores é de 30 a 40%:
– Esta comissão passou a ser a
principal fonte de renda dos cirurgiões. Mas não são somente os
médicos que se beneficiam dessa artimanha. Hospitais que adicionam
uma taxa de comercialização que pode chegar a 40% também se
beneficiam. Do mesmo modo fornecedores, distribuidores e
funcionários de algumas operadoras também são elos dessa corrente
fraudulenta de comercialização. Sem dúvida, a conta recai sobre as
operadoras que são as fontes pagadoras desses procedimentos. Porém,
o maior prejudicado será sempre o paciente para quem o prejuízo não
é somente financeiro, mas físico e moral.
As iniciativas que buscam promover
melhores práticas no mercado de dispositivos médicos implantáveis
vêm desde 2015, quando foi criado o Grupo Técnico Interministerial
(GTI) de OPME, do qual a FenaSaúde faz parte. O GTI foi criado por
meio de uma portaria assinada pelos ministérios da Saúde, Fazenda e
Justiça. Ao longo desse tempo, alguns resultados foram alcançados,
segundo a FenaSaúde, como a criação e divulgação de relatórios,
levantamentos sobre as discrepâncias do cenário, além de um guia
com orientações sobre o uso racional das OPME destinado às
operadoras.