Projeções a longo prazo costumam
preconizar problemas que, no fim, só serão sentidos por gerações
futuras e, por isso, costumam ser empurrados com a barriga.
Na área
de saúde, porém, instalou-se uma
bomba-relógio que, se não for desarmada agora, vai estourar logo
ali, no colo de todos.
Nos próximos 15 anos, os gastos das
empresas privadas de saúde vão quase triplicar, passando de cerca
de R$ 106 bilhões por ano para R$ 283 bilhões - com impactos para
todo o sistema de saúde suplementar, incluindo sobre os cerca de 54
milhões de beneficiários.
Segundo projeções do Instituto de
Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o gatilho para um salto tão
expressivo em um prazo tão curto é a mudança na demografia: o
brasileiro não só está ficando mais velho, como vive mais e sente
os contratempos que a longevidade costuma acarretar sobre a
saúde.
Luiz Augusto Carneiro, superintendente do IESS, projeta um cenário
"preocupante". "Nossas projeções mostram que os custos vão crescer
muito e rapidamente. As empresas e os beneficiários precisam se
preparar desde já para as mudanças", diz ele.
Carneiro destaca que será uma tarefa coletiva. As empresas terão de
rever a gestão, buscar ganhos de eficiência e até repensar o tipo
de serviço. Os beneficiários, por sua vez, terão de pensar a vida -
e os cuidados com a saúde no longo prazo. Entender a matemática
financeira da demografia, avalia ele, dá algumas pistas sobre o que
fazer.
A premissa é que não há como deter o passar do tempo: os gastos com
saúde avançam com o envelhecimento. Segundo o estudo, beneficiários
de planos privados no Brasil com menos
de 18 anos custam cerca de R$ 1 mil - por ano. A conta com idosos
acima de 80 passa de R$ 1 mil - por mês.
O avanço da idade provoca uma verdadeira escalada nos custos. Um
adulto entre os 30 e 50 anos gera uma despesa média anual de R$ 2,5
mil. Ao entrar na terceira idade, ele passa a representar um gasto
de mais de R$ 4 mil. Aos 75 anos, a conta anual vai a R$ 9 mil.
Assim, quanto mais velho um país se torna, maior é sua conta com a
saúde.
Virada
Entre 1950 e 2010, por exemplo, a proporção de idosos com 65 anos
no Brasil aumentou de 2,4% para 7,4%. No mesmo período, porém, a
proporção de gastos, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), foi
de 1% para 9%. Nos próximos anos, os múltiplos serão ainda
maiores.
Apesar de o Brasil prevalecer no imaginário nacional como um país
eternamente jovem, nas tabelas de custos das empresas de saúde ele
tateia pela terceira idade desde março de 2013, quando o
crescimento no número de usuários com 60 anos ou mais tornou-se
sistematicamente superior ao de faixas mais jovens. Essa virada vai
se acentuar nos próximos anos.
Hoje, por exemplo, menos de um
terço dos beneficiários dos planos privados é formado por idosos.
Em 2030, vão representar mais da metade, 54% do total. O topo da
pirâmide de gastos, os idosos com mais de 80 anos, vão dobrar:
passarão de 11% para 23% do total.
Reestruturação
Na avaliação de Mario Scheffer, especialista em sistemas de saúde e
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP), o setor terá "um grande desafio" para enfrentar o
envelhecimento do brasileiro. "A maioria dos planos não só foi
montada para jovens como expulsa o idoso", diz.
A lista de ineficiências do sistema é longa, segundo ele. As redes
credenciadas não têm profissionais e serviços adequados para a
terceira idade, as mensalidades encarecem muito à medida que o
beneficiário ganha idade, não há sistemas de bônus e preços
diferenciados pelo perfil dos usuários, a maioria das empresas não
tem nem sequer programas de prevenção.
O estudo do IESS mostra que o perfil da demanda já está mudando. O
aumento de idosos, por exemplo, já está transformando o perfil das
doenças mais frequentes, com impactos sobre os custos.
À medida que as pessoas envelhecem,
crescem as chances de elas sofrerem de diabete, artrite, problemas
de coluna, doenças crônicas, em geral, que exigem tratamentos mais
caros.
Para se ter uma ideia, apenas 3%
dos brasileiros entre 18 e 29 anos sofrem de hipertensão arterial.
A doença acomete 55% da população com mais de 75 anos.
A mudança do perfil é acompanhada por duas agravantes. A primeira é
que doenças crônicas não vêm sozinhas. Há poucos estudos no Brasil
sobre o tema, mas levantamentos feitos na Austrália indicaram que
8% da população com mais de 65 anos tem a propensão a quatro ou
mais doenças crônicas ao mesmo tempo.
O segundo problema é que doenças
crônicas não só exigem acompanhamento frequente, mas podem levar a
complicações que venham a exigir cuidados mais complexos.
Exemplo: a já citada hipertensão pode levar a um AVC, acidente
vascular cerebral, que, não raro, compromete a capacidade motora. O
paciente pode ter de fazer algum tipo de fisioterapia por meses ou,
em caso extremo, terminar internado por um longo período.
Hoje, as terapias representam menos de 6% dos custos. Estima-se que
em 2030 a demanda terá triplicado e corresponderá a 18% dos gastos.
O peso das internações - um dos atendimentos mais onerosos - tende
a passar dos atuais 58% para 64% em 15 anos.
Cenário conservador
Para calcular que a despesa da saúde privada chegaria a R$ 283
bilhões até 2030, o IESS incluiu na conta a variação dos custos
médico-hospitalares e da taxa de cobertura dos planos ao longo do
tempo.
Mesmo assim, a autora do estudo, a pesquisadora Amanda Reis,
considerou o cenário "conservador", pois não foram incluídos nas
projeções dois dados que podem encarecer ainda mais as despesas: a
adoção de novas tecnologias, que custam mais caro quando surgem, e
uma eventual piora nas condições de saúde da população.
O estudo também não estimou o impacto da alta dos custos do sistema
sobre o valor da contribuição dos beneficiários, pois os reajustes
são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).