A Segunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) promoveu nesta segunda-feira (9)
audiência pública para discutir a atualização monetária das
indenizações do seguro obrigatório, pago a vítimas de acidente de
trânsito. O debate serviu de subsídio para o julgamento de recurso
especial sob o rito dos repetitivos que vai definir a incidência ou
não da correção monetária nas indenizações do seguro DPVAT a partir
da edição da Medida Provisória 340/06, convertida na Lei
11.482/07.
Essas normas estabeleceram valores
fixos para as indenizações, que vão de R$ 13,5 mil (em caso de
morte) a R$ 2,7 mil (cobertura de despesa médica). Os valores
vigoram desde 2006, e não foi previsto nenhum índice de correção. O
que se discute no recurso é se o valor a ser pago ao beneficiário
deve ser corrigido desde a edição da MP 340 ou somente a partir da
data do acidente.
Painéis
A audiência foi dividida em seis
painéis, com a apresentação de 12 expositores. Cada painel foi
presidido por um ministro da Seção. Além do relator do recurso,
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, participaram os ministros João
Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão, Isabel Gallotti, Villas
Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro.
Ao abrir o primeiro painel, o
subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros
elogiou a iniciativa da Segunda Seção de debater com a sociedade a
solução de uma controvérsia com forte impacto para todos os
cidadãos. Ele colocou em debate a intenção do legislador ao
estabelecer valores fixos para as indenizações do seguro
obrigatório: a ausência de previsão de correção é uma lacuna ou um
silêncio eloquente que congela os valores?
Para Medeiros, se o STJ entender
que deve haver correção, que seja feita apenas a partir do
acidente. Mas ele opinou que essa questão deve ser levada ao
Legislativo para que promova a alteração da lei.
Danilo Cláudio da Silva,
representante da Superintendência de Seguros Privados (Susep),
manteve-se neutro sobre a incidência de correção monetária. Ele
apenas apontou a necessidade de se observar o fato de que o
pagamento de indenizações cresce de forma muito desproporcional ao
crescimento do pagamento do seguro pelos proprietários de veículos.
Citou o exemplo das motos. Em 2011, foram pagos R$ 65 milhões em
indenizações. Em 2013, esse valor saltou para R$ 331 milhões.
O primeiro painel da audiência
pública foi encerrado pelo representante da Defensoria Pública da
União (DPU), Sander Gomes Pereira Júnior. Ele defendeu a incidência
da correção monetária sobre as indenizações do DPVAT para manter
esses valores estáveis ao longo do tempo, por conta da inflação.
“Temos de preservar a finalidade da lei. Quanto mais o valor cair,
mais a lei perde seu sentido”, afirmou.
Partes no processo
No segundo painel, os debatedores
foram os advogados das partes envolvidas no processo escolhido como
representativo de controvérsia, que será julgado pela Seção. O
recurso é da Seguradora Líder, administradora do seguro DPVAT,
contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que
determinou o pagamento da indenização por morte ao pai de vítima
fatal, com correção monetária desde a edição da MP 340.
Márcio Vieira Souto Costa Ferreira,
advogado da seguradora, afirmou que a incidência de correção
monetária depende de previsão legal específica, o que não há no
caso. Se houver correção, ele insiste que seja a partir do
acidente.
Ferreira argumentou que a evolução
da frota de veículos é menor que a evolução dos sinistros. Apontou
também a forte inadimplência dos proprietários de moto no pagamento
do seguro anual obrigatório, que chega a 41%. Segundo ele, todos
esses fatores demonstram que a ausência de correção monetária não
acarreta enriquecimento ilícito da seguradora, que recebe 2% do
valor pago pelo seguro.
Bruno Fuga, advogado da
beneficiária do seguro, destacou a jurisprudência do STJ e do
Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de haver correção
monetária sobre qualquer crédito para impedir o enriquecimento sem
causa do devedor.
Fuga apontou que as indenizações
estão com valores estagnados desde 2006. Citou que, no caso de
motos, o valor pago como prêmio era de aproximadamente R$ 137 e
hoje é de R$ 296. Se o crescimento do valor do prêmio fosse
proporcional ao da indenização, esta deveria ser atualmente em
torno de R$ 26 mil para o caso de morte.
Catástrofe
Nos outros quatro painéis,
representantes de diversas entidades se posicionaram contra ou a
favor da correção das indenizações do seguro DPVAT. O economista
Bernardo Appy, da LCA Consultores, ressaltou que a aplicação da
correção monetária desde 2006 provocaria a insolvência do DPVAT e o
retorno da indexação da economia brasileira. Segundo ele, “a
indexação seria um retrocesso com consequências catastróficas”.
Os advogados Paulo Roque, da Caixa
Seguradora, e Gustavo Binenbojim, da OAB-RJ, compartilham da mesma
opinião. Para eles, a correção automática das indenizações pelo
índice de inflação é uma forma de indexação vedada pela legislação,
com respaldo do Supremo Tribunal Federal (STF). “A questão central
é se queremos ou não queremos a volta da indexação na economia”,
afirmaram.
Antonio Penteado Mendonça, da
OAB-SP, e Paulo Ferreira Pereira, do Instituto Brasileiro de
Atuária, destacaram a importância social do DPVAT e os perigos da
indexação dos valores pagos a título de indenização. Segundo Paulo
Pereira, a aplicação da correção monetária retroativa pode gerar um
impacto de R$ 6 bilhões no caixa do DPVAT.
Padrão econômico
Stepherson Vieira Lacerda, da
OAB-SP, defendeu a aplicação da correção monetária como uma medida
legal e “extremamente” justa para amparar as vítimas de acidentes
de trânsito e seus familiares. Para ele, o congelamento do valor da
indenização viola o direito do consumidor.
Alex Gonçalves de Jesus, da OAB-BA,
entende que a não aplicação da correção monetária está aniquilando
o valor das indenizações: “A correção não é reajuste, é
simplesmente a recomposição do padrão econômico.” Ele lembrou que
os Tribunais de Justiça de todo o país estão concedendo a correção
como forma de reduzir os efeitos da inflação.
Responsável pela convocação do
debate, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino enalteceu o “alto
nível” dos expositores e a importância dos aspectos sociais,
econômicos e jurídicos levantados por eles: “Saímos enriquecidos
desta audiência pública.” Ele afirmou que o recurso especial será
pautado para julgamento após o Ministério Público apresentar seu
parecer.