Conquistas do SUS ainda esbarram em gargalos como
financiamento, qualificação dos profissionais e
gestão
A
qualidade dos serviços públicos em saúde foi colocada em xeque
pelos brasileiros durante as manifestações de junho de 2013. Às
vésperas da Copa das Confederações, evento realizado pela Federação
Internacional de Futebol (Fifa), os brasileiros foram às ruas
exibir cartazes pedindo “hospitais padrão Fifa” e mais recursos
para o setor. As reivindicações em relação à saúde foram uma das
principais bandeiras dos protestos populares que se estenderam até
meados deste ano.
Para especialistas ouvidos
pela Agência Brasil, apesar das grandes conquistas do
sistema universal de saúde consagrado na Constituição Federal de
1988, ainda há gargalos a serem resolvidos, entre eles, o
financiamento adequado do Sistema Único de Saúde (SUS), a
qualificação dos profissionais de acordo com as necessidades da
população e uma gestão mais ágil.
Na avaliação dos especialistas,
apesar do consenso de que os recursos necessários para o
financiamento da saúde pública não serão alcançados em um mandato
de 4 anos, a questão precisa ser enfrentada
imediatamente.
Para o presidente do Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio
Carlos Nardi, o projeto de lei de iniciativa popular, com 1,9
milhão de assinaturas, que destina 10% da receita corrente bruta da
União ao SUS precisa ser aprovado pelo Congresso. O projeto,
protocolado em agosto do ano passado, está na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados desde
o dia 3 de junho.
“O Movimento Saúde+10 teve uma grande
mobilização nacional e o projeto de lei está parado no Congresso,
não foi para frente. Hoje, já temos a obrigatoriedade do repasse
das receitas municipais para a saúde no percentual de 15% e das
receitas estaduais, de 12%. Para a União, ainda não temos a
garantia de um percentual fixo. Esses 10% acrescentariam R$ 40
bilhões para a saúde em 2014. O grande desafio é garantir
financiamento estável e solidário entre as três esferas de governo
para manter as condições mínimas do SUS de atendimento universal,
gratuito e integral.”
De acordo com o Ministério da Saúde,
os recursos destinados à rede pública devem chegar a R$ 91,6
bilhões este ano.
A advogada e doutora em saúde pública
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Lenir Santos,
reforça que o financiamento atual é insuficiente. “Qualquer país
com acesso universal à saúde vai aplicar um mínimo de 7% do PIB
[Produto Interno Bruto]. Nós aplicamos menos de 4%. Por aí a gente
vê que faltam recursos para se ter um sistema em quantidade e
qualidade suficientes.”
Segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), as despesas do governo com saúde
em 2007 e 2008 foram de 3,5% do PIB. Em 2009, esse percentual
chegou a 3,8%.
Outro problema apontado pelos
especialistas ouvidos pela Agência Brasil diz respeito à formação
dos profissionais que, cada vez mais, tem se distanciado das
características do SUS e das necessidades de saúde da população.
Coordenador da Rede de Direito Sanitário: Saúde e Cidadania, o
médico Neilton Araújo de Oliveira avalia que as universidades têm
formado profissionais que atendem mais às necessidades da
“indústria dos planos de saúde” do que a atenção integral voltada
para a população.
“Nos últimos anos, houve avanço na
atenção primária e na saúde da família. Setenta por cento dos
problemas de uma comunidade se resolvem na atenção primária, sem
grandes sofisticações tecnológicas, sem grandes especialistas.
Hoje, dos médicos formados, 70%, 80% são especialistas, quando a
gente precisa de pelo menos 60%, 70% de clínicos
gerais.”
O presidente do Conasems acredita que
as deficiências da falta de profissionais e da formação médica
começaram a ser supridas por meio da mudança curricular e do
aumento da oferta de vagas em cursos de medicina. Segundo
estimativa do governo federal, o Brasil tem um déficit de 50 mil
médicos.
“Nossas universidades não estavam
formando médicos para atender no SUS. Com a mudança curricular, nós
já estamos hoje nos aproximando das necessidades do sistema, para
fortalecer a atenção básica como a porta de entrada”, disse
Nardi.
Para ele, é preciso investir na
atenção básica por meio da consolidação do Programa Saúde da
Família e de programas de prevenção com a promoção da atividade
física, da alimentação saudável e do combate ao tabagismo para
diminuir a migração dos pacientes para unidades de média e alta
complexidade.
Para o primeiro secretário do
Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Callegari, além do
financiamento, outro gargalo é a falta de profissionalização e de
qualificação dos gestores na área. “Precisamos preparar melhor o
gestor na saúde, para que, com o dinheiro que tem, faça o máximo
que puder.” Ele aponta ainda a necessidade de conclusão de obras de
unidades básicas de saúde e prontos-socorros.
Lenir Santos defende uma urgente
reforma administrativa. “Há muitas amarras administrativas, que
encarecem o serviço público. A nossa administração pública não se
modernizou ao longo desses anos para quase todas as questões e
fundamentalmente para a saúde. E o SUS é extremamente complexo do
ponto de vista organizativo porque pressupõe interdependência dos
entes federativos.”
Apesar dos problemas, a política de
construção do SUS é considerada vitoriosa, segundo os
entrevistados. “Há muitos êxitos: a diminuição da mortalidade
materno-infantil, da desnutrição, o aumento da cobertura das
vacinações”, disse o presidente do Conasems. “Todo o debate que
fazemos é para defender, apoiar e ampliar o SUS, não para
combatê-lo O SUS é um sistema que tem salvado milhões de vidas no
Brasil”, destaca Neilton Araújo de Oliveira, um dos coordenadores
da Rede de Direito Sanitário.