O número de mulheres que entram na medicina no Brasil é maior
que o de homens desde 2009, revela uma pesquisa da Faculdade de
Medicina da USP (FMUSP), descrita em artigo da revista Bioética
disponível na internet. O trabalho do professor Mário Scheffer e do
pós-graduando Alex Jones Flores Cassenote aponta que as mulheres já
são maioria entre os profissionais com menos de 29 anos de idade e
estima um equilíbrio entre o número de homens e mulheres exercendo
a medicina no País até 2028.
A pesquisa mostra também que o sexo feminino é maioria em
especialidades ligadas à atenção básica à saúde, como a clínica
médica, pediatria e ginecologia e obstetrícia. O estudo faz parte
das pequisas sobre demografia médica no Brasil, desenvolvidas há
três anos pelo professor Scheffer, do Departamento de Medicina
Preventiva da FMUSP.
“Os estudos utilizam todos os registros disponíveis sobre médicos,
em especial os registros nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs)
e, no caso das especialidades, os títulos de especialistas
concedidos pelas sociedades médicas e os certificados da Comissão
Nacional de Residência Médica”, conta. “Também são utilizadas
informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre outros
órgãos”.
Scheffer afirma que conforme os registros nos CRMs, as mulheres
médicas representam 39,9% entre aproximadamente 400 mil
profissionais registrados no País. “Desde 2009, o número de
mulheres que entram na medicina superou o de homens. Em 2010, por
exemplo, ingressaram na profissão 7.634 mulheres e 6.917 homens”,
diz. Cassenote ressalta que entre os médicos com menos de 29 anos,
havia 53,31% de mulheres em 2012. “Conforme a pirâmide etária dos
médicos vai se aproximando dos 60 anos, o número de homens é bem
maior, reflexo da formação de um maior contingente masculino entre
1970 e 2000”, enfatiza. “Entretanto, conforme os profissionais mais
velhos vão deixando a profissão, a tendência é que haja um
equilíbrio na estrutura populacional entre homens e mulheres, que
deve ser atingido por volta de 2028”, calcula.
O professor ressalta que a entrada de mulheres na medicina com
maior velocidade e o equilíbrio com relação ao número de homens na
profissão é uma tendência verificada em estudos internacionais.
“Pesquisa realizada em 30 países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que a porcentagem de
mulheres médicas passou de 28%, em 1990, para 38% em 2005, situação
similar à verificada hoje no Brasil. Também é preciso lembrar que a
maior inserção das brasileiras no ensino superior e no mercado de
trabalho em geral é uma tendência verificada pelo IBGE”, compara.
“Nos Estados Unidos e Canadá, desde o ano 2000, as mulheres são
maioria nas escolas de medicina. A feminização acelerada também é
verificada em países como Inglaterra, Irlanda e Noruega.”
Atenção básica
A distribuição das mulheres pelas especialidades médicas foi
verificada a partir dos registros dos títulos de especialistas e da
conclusão de programas de residência. “Entre as 53 especialidades
reconhecidas no Brasil, em 13 existe predomínio de mulheres. Elas
são maioria em cinco das seis especialidades consideradas básicas,
como pediatria (70%), medicina de família e comunidade (54,2%),
clínica médica (54,2%) e ginecologia e obstetrícia (51,5%)”, relata
o professor. “A presença feminina é bem menor na área de cirurgia.
Por exemplo, na cirurgia cardiovascular há 90% de homens, na
neurocirurgia são 91,8%, na ortopedia 95% e na urologia 98,8%.”
De acordo com Scheffer, o Brasil passa por mudanças demográficas e
epidemiológicas, com uma forte tendência de envelhecimento da
população e aumento na prevalência de doenças crônicas não
transmissíveis. “Isso exigirá um reordenamento dos serviços de
saúde a partir da atenção primária, onde estão as especialidades em
que existe maior presença de mulheres”, diz. “Outros estudos
mostram que, apesar de cumprir jornadas de trabalho menores e ter
número menor de vínculos, devido as atividades familiares, a mulher
médica consegue harmonizar melhor a relação com os pacientes, além
de possuir maior capacidade para atuar em equipes
multidisciplinares”.
O professor lembra que existe no Brasil uma carência de médicos
para contratação junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) nos pequenos
municípios, nas periferias dos grandes centros e em determinadas
especialidades, como pediatria, anestesia e psiquiatria. “Há maior
necessidade de profissionais na atenção primária e em locais de
difícil provimento”, aponta. “Como há uma preferência das mulheres
pelas especialidades básicas, uma política oficial adequada para a
residência médica poderá estimular o preenchimento de vagas e a
interiorização dos profissionais”.
O artigo A feminização da medicina no Brasil será publicado na
edição de setembro da revista Bioética, editada pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM). O texto já está disponível online. Alex
Jones Flores Cassenote é doutorando do Programa de Pós-graduação em
Doenças Infecciosas e Parasitárias da FMUSP. A pesquisa é orientada
pelo professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade.