A forma de calcular o reajuste
dos planos de saúde individuais e familiares, usados por 9,1
milhões de brasileiros ou 20% do total de usuários no país, vai
mudar. Entre terça (24) e esta quarta (25), a Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) realizou uma audiência pública para
discutir o assunto – não por livre espontânea vontade, mas porque
vem sendo cobrada a esclarecer a questão pelo Ministério da Fazenda
e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Entre os documentos disponíveis para
orientar a discussão, a agência propôs – em linguagem técnica
demais, diga-se de passagem – uma nova conta, que exclui totalmente
os planos coletivos e inclui outras três variáveis. O cálculo que
será realmente aplicado, portanto, ainda é um mistério, já que, até
por pressão política, a ANS terá de absorver sugestões da sociedade
civil sobre o tema.
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colocam ANS em xeque
No último mês de abril, o TCU
determinou, em acórdão, que a agência reavalie a metodologia usada
para o reajuste e envie à Corte uma proposta que permita “a efetiva
aferição da fidedignidade e a análise crítica das informações
econômico-financeiras comunicadas à autarquia pelas operadoras de
planos de saúde”. A agência tem 180 dias para cumprir o pedido.
Logo depois, em junho, o Ministério da
Fazenda, responsável todos os anos por dar o aval ao índice
proposto pela ANS, disse, em nota técnica, haver erros conceituais
no cálculo da agência. O órgão também disse que a conta da ANS
acaba por permitir que o ônus de eventuais falhas de eficiência das
operadoras seja repassado ao cliente final, já que o cálculo não
leva em consideração nenhum dado de qualidade do serviço
prestado.
Mesmo com essas ressalvas, o órgão
autorizou o teto de reajuste de 10% proposto pela ANS para este
ano. Na esfera judicial, ainda no mês de junho, o Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) chegou a conseguir uma
liminar para limitar o reajuste em 5,72%, variação mais
próxima à inflação de 2,76% medida pelo IPCA entre maio de 2017 a
abril de 2018. Dez dias depois, porém, uma nova decisão do Tribunal Regional Federal da
3.ª Região, atendendo a um recurso da ANS, suspendeu a liminar
dada pela primeira instância da justiça federal.
No recurso, a agência relatou que o
cálculo do reajuste é feito com base na média ponderada dos
aumentos aplicados aos planos coletivos – aqueles empresariais ou
por adesão e que não tem limite determinado pela ANS. Desde 2015,
inclusive, são considerados apenas os planos coletivos com mais de
30 beneficiários para esse cálculo.
Ainda que o teto proposto seja,
geralmente, menor que os reajustes aplicados pelos planos coletivos
(a média deste ano foi de 19%), hoje é impossível para alguém de
fora da agência, sem acesso aos dados da ANS, entender e aplicar o
cálculo dos planos individuais e familiares de forma clara. Isso
ocorre, principalmente, porque os contratos coletivos estão cada
vez mais pulverizados e seus reajustes não são públicos – ainda que
um parecer de uma comissão da própria agência já tenha recomendado
que isso seja modificado.
Os novos
fatores de reajuste propostos pela ANS
No lugar da média ponderada dos
reajustes dos planos coletivos, a agência propôs uma nova fórmula
que leva em conta, principalmente, três fatores:
- os custos médico-hospitalares dos
planos individuais, VCMHind (índice medido a partir das despesas
per capita que as operadoras têm com consultas, exames, terapias e
internações e também a partir da frequência de utilização de todos
esses itens);
- a faixa etária dos beneficiários,
com especial atenção para aqueles que mudaram de faixa e terão, em
tese, um peso maior no plano em razão do avanço da idade;
- e um índice de produtividade do
setor em comparação à produtividade da economia em geral, vinculado
também a uma indicador de qualidade das operadoras.
O custo médico-hospitalar costuma
subir em ritmo bem maior que a inflação. Enquanto nos estudos para
a audiência, o VCMH dos planos individuais em 2017 foi de pouco
mais de 10%, o IPCA no mesmo ano ficou em 2,94%. Segundo
especialistas ligados à área da economia da saúde, porém, é natural
que as despesas da saúde suplementar subam bem acima da inflação,
principalmente devido a fatores como a introdução de novas
tecnologias e o envelhecimento da população.
Em relação ao fator faixa etária, ele
se mostrou relevante para uma nova forma de calcular o reajuste dos
planos individuais, segundo a ANS, porque esses planos têm mais
idosos e mulheres em idade fértil do que o universo geral de
planos. São dois tipos de públicos que tem a usar mais serviços ou
serviços mais dispendiosos que o público em geral.
Já o índice de produtividade surge
como um indicativo de qualidade do serviço prestado, algo até então
deixado de fora da conta do reajuste do plano de saúde.
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crescem e miram cidades do interior
Ideia não é
ruim, mas falta transparência até na hora de discuti-la
Especialistas que participaram da
audiência e com quem a reportagem conversou disseram que “apenas
especialistas em cálculos atuariais devem ter entendido a fórmula
proposta” pela ANS no evento. Entre os cerca de 180 participantes
da audiência pública, havia consultores atuariais, membros de
operadoras e entidades que as representam em seus diversos tipos de
atuação, especialistas e representantes de organizações de defesa
do consumidor, entre outros.
“Só como exemplo, a agência ‘irmã’ da
ANS, a Anvisa, acaba de dar andamento à consulta pública sobre
rotulagem nutricional que soube explorar os diferentes atores do
processo, com perguntas específicas, por exemplo, para fabricantes
e designers de embalagem. A ANS precisa traduzir e trazer a
discussão a termos simples para que funcione”, observou a
pesquisadora e representante do Instituto de Defesa do Consumidor
(Idec), Ana Carolina Navarrete.
Em texto enviado pela assessoria de
imprensa, a ANS se refere ao que foi apresentado na audiência como
uma reunião de “estudos”, mas pela forma como o assunto foi
apresentado ficou parecendo que a agência buscava apenas uma
validação da proposta, observou outra fonte especializada em
direito do consumidor que participou das discussões.
Ainda assim, vale lembrar, a agência
vem discutindo formalmente o reajuste, em comitês, desde 2010 e
essas discussões é que basearam a ideia de cálculo apresentada na
audiência.
A agência disse que todas as
contribuições recebidas na audiência serão consolidadas e
disponibilizadas no site da ANS. A autarquia também frisou que
“pretende apresentar com celeridade não somente o resultado da
audiência pública realizada, como também a continuidade da
discussão com a sociedade sobre toda a política de preços e
reajustes que envolve os planos de saúde.”