Palavra bem conhecida e presente no dia a dia dos consumidores, o endividamento cresceu ainda mais nos últimos meses. Enquanto em dezembro passado o número de brasileiros com as contas no vermelho chegava a 58,3 milhões, no primeiro trimestre deste ano saltou para 59,2 milhões, de acordo com o indicador do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
A inadimplência, entretanto, preocupa não só as pessoas físicas, mas também as empresas. Outros dados divulgados pelas duas instituições indicam que o volume de companhias com contas em atraso cresceu 4,05% em junho, frente igual mês de 2016. Na comparação como mês de maio, a variação foi positiva em 0,42%, após queda de 0,16% observada no levantamento passado.
Toda empresa que vende produtos ou serviços a prazo corre o risco de deter algum prejuízo com o possível não pagamento por parte dos clientes, o que se agrava ainda mais em tempos de crise econômica. Para evitar esse tipo de situação, o ideal é que as companhias contem com um seguro de crédito, que indeniza o segurado (empresa que vendeu) em caso de não pagamento pelo cliente (empresa que comprou). “A cobertura pode ser bastante ampla, cobrindo todas as vendas,ou restrita a um ou poucos compradores que representem um risco de crédito maior para o vendedor. Pode incluir até o efeito da mora prolongada por parte do devedor”, explica Marcos Galantier D’Agostini, diretor geral da TSB Global Consultoria de Riscos e Seguros.
Indústrias em geral, especialmente multinacionais, são as principais contratantes do produto, que também se mostra interessante a prestadores de serviços,investidores e instituições financeiras. Segundo D’Agostini, securitizações recentes no mercado de capitais têm contado com o seguro de crédito para os investidores naquilo que se relaciona aos recebíveis cedidos para a carteira securitizada – isso reduz a taxa de juros exigida e oferece proteção ampla contra a perda por inadimplência dos recebíveis, por exemplo –, assim como as empresas do comércio exterior – tanto os exportadores, abrindo e mantendo mercados não-tradicionais, como os importadores,que podem economizar recursos substanciais ao substituir as cartas de crédito. Também estão na lista os exportadores e importadores de máquinas e equipamentos, que exigem prazos mais longos de pagamento, tomando limites de crédito muitas vezes escassos das suas instituições financiadoras.
Apesar deste tipo de seguro cobriras vendas apenas para pessoas jurídicas, existe cobertura para o empreendedor individual, desde que possua um CNPJ válido. Em geral, não há diferenças nas coberturas para as empresas individuais.
“Quando se fala de cobertura para todas as vendas, é possível incluir as vendas para compradores pessoas físicas. Exemplo disso é encontrado no agronegócio, onde muitos produtores rurais são pessoas físicas e tomadores de crédito em volumes bastante acentuados”, afirma D’Agostini. Segundo ele, com poucas exceções, é difícil encontrar algum fornecedor de insumos para o agronegócio que venda integralmente à vista, sendo o prazo safra o melhor para o produtor. “Afora o aspecto mercantil das vendas, financiadores da safra que adiantaram recursos aos produtores, tradings que estão interessadas na entrega física dos produtos, instituições financeiras de maneira geral e investidores nos diversos instrumentos de financiamento ao setor do agronegócio são todos, sem exceção, interessados e compradores de seguro de crédito.”
Pontos fortes
São vários os critérios avaliados para aprovar ou renovar uma apólice de seguro de crédito e todos eles dependem da aceitação de riscos de cada seguradora. Mas, de maneira geral, são analisados individualmente todos os clientes para os quais o segurado venda a prazo. É verificado também o setor de atividade do segurado, o prazo de vendas praticado para cada cliente e os atrasos e perdas registradas nos últimos anos. Todas levam em consideração, principalmente,o histórico de inadimplência e perdas contabilizadas, além das faixas de limite de crédito concedidos e de prazos para pagamento praticados.
“Essas informações servem de base para o cálculo do prêmio do seguro. Outras variáveis podem ser consideradas dependendo do critério de cada seguradora”, lembra Cristina Salazar, vice-presidente da Comissão de Riscos de Crédito e Garantia da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), acrescentando que a solução pode evitar uma inadimplência em cadeia e manter o fluxo de caixa das empresas, principalmente em épocas de grave crise econômica.
A facilidade na busca de novos negócios é uma das vantagens adicionais, visto que não depende da empresa decidir se o potencial cliente pagará em dia. Caso aprove o valor solicitado, a seguradora concederá cobertura para as vendas a prazo, mesmo que o segurado não tenha histórico de relacionamento com o cliente. No caso do seguro de crédito à exportação, essa vantagem é ainda mais perceptível, pois é mais difícil conhecer e decidir sobre valores de vendas a prazo para clientes em outros países. “Como seguro fica bem mais fácil exportar com garantia de recebimento”, garante a executiva.
Outro benefício é o custo de cobrança, principalmente no exterior. A empresa que contrata o seguro não terá que se preocupar em cobrar as dívidas vencidas e incorrer em custos com recuperações e advogados: será função da seguradora realizar as gestões de cobrança dos créditos em atraso.
Com ou sem crise
O aumento da inadimplência, agravada pelo crescimento do número de recuperações judiciais e falências, contribuem para o maior interesse no seguro de crédito. “O cenário atual pede aos gestores planejamento, assertividade e impõem um painel de extrema eficiência para os negócios. A mudança nesta postura é confirmada pelo aumento do consumo do seguro de crédito interno, que cresceu aproximadamente 55% em três anos”, declara o CEO da Galcorr, Gustavo Tozo, que vê uma atuação mais criativa por parte do mercado segurador em geral e se mostra otimista com relação às mudanças deste setor no Brasil. “O segmento tem crescido e se tornado mais sólido e conhecido, impulsionado pelo efeito da crise. As seguradoras desenvolvem produtos e serviços cada vez mais próximos às necessidades das empresas e clientes.”
Quem também encara o futuro do mercado com bons olhos é Edmur de Almeida, coordenador da Comissão de Crédito, Garantia & Fiança do Sindicato dos Corretores de Seguros no Estado de São Paulo (Sincor-SP). Ele não só destaca o potencial para o crescimento da venda desse seguro no país – atualmente o produto não soma 500 apólices emitidas – como afirma que o corretor exerce um papel importante nesse processo, trazendo maior proteção às empresas, fidelizando clientes, diversificando carteira e aumentando sua renda.
“É um ciclo virtuoso”, diz ele, que apesar da demanda aumentar naturalmente nos momentos de instabilidade econômica lembra que o seguro é importante em qualquer época, com ou sem crise. “O ‘contas a receber’ é um ativo tão importante quanto os demais para a empresa. Caso esse ativo não se converta em receita, dependendo do volume, a companhia pode quebrar”, declara Almeida, que espera um aumento gradativo do número de apólices compradas a partir da divulgação maior do produto e da conscientização dos empresários de que o seguro é importante em qualquer época.
Frequentemente difundido no mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, o seguro de crédito ainda é pouco contratado no Brasil, embora esteja crescendo por aqui. Há a falta de informação de que ele existe, e, ao mesmo tempo, falta de cultura das empresas brasileiras. Muitas delas, inclusive, ainda concedem créditos elevados. Com análises, cadastram ou solicitam uma carta de fiança pessoal dos sócios das companhias e algumas solicitam garantias hipotecárias, que correm o risco de nunca serem executadas. Poucas exigem fiança bancária,com taxas proibitivas.
“É comum as empresas contratarem apólices patrimoniais para prédios e instalações e seguro de vida para os funcionários, e se esquecem dos recebíveis”, declara Luiz Mauricio Janela, diretor da Global Opsi Corretora de Seguros. “Como tempo e os solavancos da economia, isso vai mudar e os produtos vão crescer quando descobrirem o seguro de crédito. Ainda há um vasto mercado para ser explorado. Isso significa muitas oportunidades para os corretores de seguros que queiram se especializar e para empresas que queiram gerir melhor os seus riscos”, acredita.
Uma apólice deste tipo pode representar um diferencial competitivo para a empresa, pois ao conceder prazo a seus clientes a exposição ao risco de não recebimento é alta. “É uma importante proteção da saúde financeira”, finaliza.
Seguro de crédito x carta de crédito
Embora os nomes sejam parecidos, o seguro de crédito e a carta de crédito são instrumentos diferentes dentro de uma ação comercial e, em princípio, produtos concorrentes.
A carta de crédito é solicitada pelo exportador ao importador no exterior como garantia de um possível inadimplemento e o custo é pago pelo importador. Já o seguro de crédito é contratado pelo exportador (segurado da apólice), que paga o prêmio e solicita cobertura aos seus importadores. Caso a seguradora conceda a cobertura, ele não necessita mais solicitar carta de crédito para seus clientes (importadores). Apesar de no caso do seguro o custo ser pago pelo segurado, ele fica com maior flexibilidade para vender, pois não necessita esperar que o importador consiga a carta de crédito.
No caso do seguro de crédito o exportador pode vender o valor que desejar, desde que a seguradora aprove o valor, e não dependerá do valor de uma carta de crédito que lhe concede um terceiro. Dependendo do caso, o segurado consegue repassar o custo do seguro no preço da mercadoria vendida ao importador.