Hoje, sobrevida é de 80, 85
anos, e o perfil das doenças passou a ser
degenerativo
RIO — Presidente da Agência
Nacional de Saúde Suplmentar (ANS), José Carlos Abrahão, defende
planos de saúde acessíveis, mas mantendo direitos. Novos modelos
precisam rever remuneração dos serviços, discutir se é viável
incluir novas tecnologias e privilegiar a prevenção
Como o setor de saúde
suplementar vem enfrentando a crise?
Quando você tem um sistema
financeiro com dificuldade, diminuem os investimentos na saúde. E
na saúde, você não gasta, investe. Este é um conceito que temos que
ter. Perdemos 1,7 milhão de vidas, sem contar o downgrade nos
planos.
Os planos se queixam dos
custos.
A saúde tem custos dados pela
inovação tecnológica, de desenvolvimento de materiais,
medicamentos, processos que são acumulativos. Um exemplo são os
serviços de imagens: tem raios X, tomografia, ressonância, pet
scan, e um não substituiu o outro. E o custo não é só do exame, é
de equipamento e formação dos profissionais. Precisamos ter a
coragem de discutir essa inclusão de tecnologia. Temos ainda uma
ferida, que são as fraudes. Não só as de órteses e próteses, mas as
de uso inadequado do sistema.
Para reduzir custo, será
preciso rever o modelo de remuneração?
O modelo chamado fee for service
(pagamento por serviços) está desgastado. A gente vai ter que
trabalhar com remuneração pautada no resultado. E isso implica
trabalhar na formação do médico, das equipes multidisciplinares,
discutir protocolos e diretrizes clínicas.
Resultado em saúde se
traduz em qualidade, menos internação?
Existe um indicador importante
hoje, que é qualidade de vida. Em vez de tratar a doença, estimular
a atividade física, melhorar a alimentação, isso tudo vai
interferir na saúde. O Brasil é muito grande, e já há operadoras de
autogestão com usuários centenários. Nesse novo cenário, não
oferecem mais só assistência médica, mas um conjunto de ações de
prevenção, de promoção de saúde. A gestão é imprescindível e deve
acompanhar a demanda da sociedade.
O usuário está envelhecendo...
Quando a saúde suplementar teve
início no país, o brasileiro tinha uma sobrevida de, no máximo, 65
anos, num cenário de doença infectocontagiosa. Hoje, é de 80, 85
anos, e o perfil das doenças passou a ser degenerativo, um cuidado
mais caro. Estamos ficando mais velhos, e os serviços de saúde não
se prepararam.
É possível, neste cenário,
reduzir custos sem prejudicar o atendimento?
Sim. Há desperdício, muitas ações
em duplicidade. O sistema de saúde brasileiro deve integrar o
público e o privado. Isso poderia ser feito por registro
eletrônico, via cartão, com o qual se acessaria o histórico do
paciente, o prontuário com todos os exames e procedimentos que fez.
Essa ferramenta vai trazer grandes benefícios.
E a
privacidade?
Juridicamente, o prontuário
pertence à própria pessoa. E uma das funções dos conselhos médicos
é zelar pela integridade dos dados. Houve uma preocupação de que,
com essa troca de informações, pudessem ser quebrados os sigilos
médicos. Mas, em termos de controle epidemiológico, o Ministério da
Saúde e o órgão regulador têm que saber desses dados.
Há uma pressão para
desregulamentar o setor?
A missão do órgão regulador é dar
segurança jurídica para promover sustentabilidade, dar garantia de
perenidade, para que o consumidor tenha a segurança de receber o
que contratou. Acho que avançamos muito. Realizamos mais de 750
milhões de exames; mais de 200 milhões de consultas por ano. A
regulação tem que existir de forma equilibrada, ser dialogada e
construída com o setor. Não adianta impor. Mas, se você deixar o
setor sem regulação, o que vamos proporcionar de garantia? Como
médico, cidadão e paciente, acho que precisamos ainda evoluir
muito, para ter equilíbrio e segurança jurídica.
Há alto nível de
judicialização no setor. Qual a sua avaliação?
O Estado democrático de direito,
que permite ao consumidor ter a judicialização como defesa, é muito
importante. O que precisamos trabalhar é a judicialização que leva
a um desequilíbrio do sistema. O Ministério da Saúde está
mensurando os valores da judicialização, já se fala em mais de R$ 1
bilhão. Só se reduz a judicialização discutindo com os players para
entender o que leva a isso.
Os planos individuais, com
reajuste controlado, praticamente sumiram. O que a ANS pode
fazer?
O órgão tem feito várias ações para
estimular planos individuais. As operadoras falam que o problema é
o controle do reajuste, não é. Temos aperfeiçoado os cálculos para
torná-los mais realistas. As operadoras estão vendo que esse é um
nicho de mercado, e já há empresas trabalhando nisso.
Ainda sofremos com a crise
da Unimed-Rio, referência em planos individuais. Há
recuperação?
Não entrarei no braço político.
Recebi representantes de várias correntes da cooperativa, e disse a
eles que precisam se entender. Nenhuma empresa suporta uma briga
societária. Houve desenquadramento econômico-financeiro, e
implementamos a direção fiscal. A parte assistencial tem sido
acompanhada com lupa. Mas, nesse novo ciclo, eles saíram do
monitoramento, reduziram o número de demandas. Todos estão fazendo
um grande esforço, ninguém quer que quebre. Eles terão uma
assembleia na terça-feira, para a chamada de aporte econômico, que
será decisiva. Nossa esperança é que o conjunto de ações proposto
pela nova direção promova o reequilíbrio da empresa. A Unimed-Rio
tem dificuldades, mas é uma empresa viável. E importante, não só
para o sistema Unimed, mas para a saúde suplementar como um
todo.
E o projeto do plano popular?
Essa foi uma demanda trazida pelo
ministro da Saúde, preocupado com o momento econômico e a perda do
número de beneficiários da saúde suplementar. Ele gostaria que o
setor oferecesse um produto mais acessível. Já foi discutido o rol
de cobertura, o ministro sabe da judicialização, dos cuidados que
se deve ter. Qualquer diminuição de cobertura passaria por mudança
regulatória. Como cidadãos, gostaríamos de ter um plano mais
econômico, mas mantendo o direito adquirido. O fato é que todo
mundo está se sacudindo, procurando alternativas. Isso propicia às
empresas criatividade para promover produtos com custos
melhores.
Como vê o interesse de
empresas estrangeiras de investir no setor?
Em um mercado no qual há ingresso
de capital estrangeiro, mais recursos tornam-se disponíveis para
investimento e desenvolvimento, além de transferência de tecnologia
e experiência de gestão. A vinda de outras cabeças pode arejar a
gestão de algumas empresas.
Como o consumidor pode
ajudar na melhoria do sistema?
A razão da nossa existência é o
paciente. A definição dele pelo Código de Defesa do Consumidor é o
consumidor. Da mesma forma que ele tem de ser empoderado, é a
informação que ele nos encaminha que empodera a ANS. E temos
obrigação de garantir a ele o que contratou.