Diante dos graves problemas
financeiros e de gestão da Unimed-Rio, órgãos públicos tentam
fechar um acordo para garantir o atendimento aos clientes da
operadora de saúde na rede credenciada de hospitais e clínicas.
Participam deste esforço conjunto os Ministérios Públicos estadual
e federal, a Defensoria Pública do Estado do Rio e a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O objetivo é fazer com que
fornecedores, executivos e médicos cooperados se comprometam com o
pacto independentemente de quem estiver no comando da
operadora.
As negociações incluem aporte de
capital pelos cooperados e, segundo fontes, compromissos com
grandes grupos do setor, como a Rede D’Or. A meta é criar um
arranjo para evitar que se repita com a cooperativa carioca o que
aconteceu com a Unimed Paulistana, liquidada em fevereiro deste
ano.
Com cerca de 950 mil segurados e há
mais de um ano sob direção fiscal da ANS — regime em que a situação
econômico-financeira da operadora é acompanhada in loco por um
profissional indicado pelo órgão regulador —, a Unimed-Rio tem como
desafio superar o impasse político entre a atual diretoria e os
cooperados, para garantir a implementação do programa de saneamento
financeiro. Com 500 folhas e previsão de 36 meses de duração, o
programa foi entregue à ANS em abril.
Não bastassem os problemas de
caixa, há uma batalha em torno do comando da empresa. Além dos
grupos de oposição, o próprio conselho fiscal da cooperativa
defende a destituição da atual diretoria, que tem o mesmo
executivo, Celso Barros, no comando desde 1998. Foi convocada uma
assembleia, para o próximo dia 28, com este fim. Mas a Unimed-Rio
não descarta suspender a assembleia, como fez judicialmente em
junho, caso o rito para convocação não tenha sido cumprido à
risca.
— Os próximos dias serão decisivos.
O plano de reestruturação é viável, mas é preciso captar a
confiança da rede para manter o atendimento e acabar com a
discussão sobre quem vai assumir o comando — diz uma fonte próxima
à negociação.
Segundo Luiz Eduardo Perez,
assessor de Comunicação e Marketing da Unimed-Rio, a operadora tem
um plano de recuperação bem embasado. Ele destaca que a
sinistralidade (o percentual da receita usado para atendimento) é
de 79%, um patamar abaixo do vigente no mercado. Perez ressalta
ainda que a Unimed-Rio teve redução no número de reclamações e que
o programa exige que a operadora não tenha qualquer plano suspenso
no semestre. Para isso, ela precisa ter menos de 50 notificações de
investigação preliminar na ANS.
CONSUMIDORES ESTÃO EM
ALERTA
Mas a reestruturação da rede e as
informações sobre suspensão de atendimento por hospitais e clínicas
deixaram consumidores como Jorge Rodrigo Bertho, morador de
Jacarepaguá, apreensivos:
— Quando contratei o Plano Delta,
tinha à disposição uma ampla oferta de hospitais e clínicas, todos
de grande porte. Agora, a oferta deixa muito a desejar. Quando
reclamei, alegaram que há hospitais que não foram descredenciados,
mas deixaram de atender o meu plano.
O passivo da operadora é outro
ponto crítico, alvo de questionamento de cooperados. Pelos números
oficiais, são R$ 600 milhões, mas fontes do setor dizem que o
montante poderia chegar a R$ 2,5 bilhões, se consideradas dívidas
de longo prazo com bancos e outros compromissos.
Um primeiro alívio para o caixa da
operadora foi o início da cobrança de uma participação, de 20% a
35%, da produção mensal dos cerca de 5.400 médicos cooperados, para
pagamento de uma dívida tributária de Imposto Sobre Serviços (ISS).
A operadora, oitava maior do país, explicou que pagou os tributos
em nome dos sócios, de 2012 a 2015, e que foi aprovado em
assembleia o ressarcimento dos valores pelos cooperados até que o
montante seja equalizado.
— A situação no Rio é muito
diferente da de São Paulo devido ao envolvimento de entes públicos
e do interesse da rede credenciada na solução da crise. Mas a
contribuição do ISS não será suficiente. Os cooperados precisarão
fazer aporte. É importante que os clientes saibam que a cooperativa
não está na “bacia das almas” — disse outra fonte.
Um cooperado da oposição, que não
quis se identificar, diz que a questão é a confiabilidade:
— Sabemos que eventuais prejuízos,
como os lucros, devem ser partilhados. A questão é que, se aparece
no balanço que dois mais cinco é igual a sete, há dúvidas. Falta
credibilidade à atual diretoria.
O Conselho Empresarial de Medicina,
da Associação Comercial do Rio, convocou uma reunião para
quarta-feira para discutir o caso da Unimed-Rio.
— Os consumidores estão protegidos
pela portabilidade, mas uma eventual quebra da Unimed-Rio teria
grave consequência para a rede de hospitais, clínicas e
laboratórios do Rio. Há como negociar as dívidas, a questão é
garantir o que for pactuado. Eles precisam tomar juízo e resolver a
questão política — diz Josier Vilar, presidente do Conselho.
Fernando Antonio Boigues,
presidente do Sindicato dos Hospitais e Clínicas do Município do
Rio, faz avaliação similar:
— Se a Unimed-Rio deixasse o
mercado, o que ninguém quer que aconteça, haveria um efeito dominó.
Há pequenas clínicas e hospitais com até 60% do atendimento vindos
de clientes da cooperativa. O sindicato já se reuniu com a
diretoria da Unimed-Rio e também com a ANS para saber como ajudar —
afirma Boigues, acrescentando que a dívida com hospitais de todo o
Brasil poderia estar na casa do bilhão de reais, número negado pela
operadora.
MAIS DE 70% DAS
COOPERATIVAS EM BOA SITUAÇÃO
Na avaliação de Solange Beatriz
Palheiro Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde
Suplementar (FenaSaúde), há certa inércia da ANS. Ela critica a
autorização da compra da carteira individual da Golden Cross pela
cooperativa carioca, em 2013, o que, avalia, agravou a crise.
Fontes a par da situação alegam que
só seria possível uma ação mais contundente da agência na
cooperativa em caso de liquidação. A própria demora da agência para
iniciar a direção fiscal teria o objetivo de evitar que a
Unimed-Rio tentasse invalidá-la por meio de artifícios
jurídicos.
O sinal de alerta para a reguladora
foi a liberação judicial, às vésperas do Natal de 2014, da reserva
técnica de provisionamento (a Peona) de R$ 350 milhões — dinheiro
que fica recolhido na ANS como garantia de pagamento a fornecedores
de atendimentos ainda não registrados.
A advogada Juliana Bumachar,
especializada em recuperação judicial, explica que a direção fiscal
é crucial:
— Operadoras de saúde não estão
incluídas na Lei de Recuperação e Falências. A direção fiscal atua
com esse foco, de entender o que está errado na gestão financeira e
ajudar na implementação de um plano de reestruturação.
Elici Maria Checchin Bueno,
coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), diz ter recebido relatos de usuários da
Unimed-Rio, oriundos da carteira da Golden Cross, em São Paulo, que
não têm conseguido atendimento adequado:
— Desde que foi decretada a
alienação compulsória da carteira da Unimed Paulistana, os
consumidores da cooperativa carioca enfrentam problemas para ter
acesso aos serviços.
Claudia Nakano, advogada
especializada no direito à saúde, afirma que, numa liquidação, os
direitos dos consumidores, apesar da portabilidade, nunca são
plenamente contemplados:
— Muitas vezes, não se escolhe a
operadora e, na maioria dos casos, como no da Unimed Paulistana,
essa transferência significa mudança de rede e aumento da
mensalidade.
O comprometimento do sistema
Unimed, com uma eventual quebra da operadora carioca, é outra
questão que preocupa. Isto porque cooperativas do estado dependem
de repasse financeiro e da rede de atendimento para manter seus
serviços. A Unimed Leste Fluminense, por exemplo, com cerca de 203
mil usuários, tem 30% de seus atendimentos prestados a clientes da
Unimed-Rio. Em março, os pagamentos foram suspensos pela
cooperativa carioca, o que levou à interrupção da prestação do
serviço por médicos e pela rede credenciada à fluminense. A
situação, porém, já foi regularizada.
Valdmário Rodrigues Júnior, diretor
de Integração Cooperativista e Mercado da Unimed do Brasil, garante
que não há risco de contaminação. Com 31% do mercado nacional de
planos de saúde e a segunda maior rede hospitalar do país, o
sistema Unimed, diz ele, tem mais de 70% das suas cooperativas em
boa situação econômica.
— A gestão financeira e de rede é
autônoma — ressalta, informando que a Unimed Brasil ajudou a
elaborar o programa de saneamento e dá apoio técnico à
cooperativa.