Webinar discutiu as
consequências da judicialização no setor de saúde suplementar
brasileira
Não existe direito grátis. Na saúde
suplementar, por exemplo, uma decisão judicial a favor de um
indivíduo acabará, inevitavelmente, sendo paga por todo o conjunto
de beneficiários. As consequências são mensalidades mais caras e
até mesmo, no limite, a expulsão do sistema de quem não consegue
arcar com a alta de custos. Para agravar a situação, no atual
processo de judicialização que ocorre no país, as decisões da
justiça nem sempre estão de acordo com a lei 9.656/98, que regula
os planos de saúde.
Com esse pano de fundo, a FenaSaúde
promoveu nessa quinta-feira (6/8) o webinar “Judicialização no novo
normal” com especialistas no tema. Mediado pela diretora executiva
Vera Valente, teve a participação do desembargador Werson Rêgo, do
Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro; do juiz de direito
Luiz Mário Moutinho, titular da 1º Vara Cível do Recife; e da
doutora em direito político e econômico, Angélica Carlini.
Todos os participantes foram
unânimes no diagnóstico de que existe certo exagero na atuação de
alguns agentes do judiciário, principalmente com relação a decisões
sobre saúde. O fenômeno, entretanto, tem muitas causas, como a
própria complexidade da Constituição de 1988 e a facilidade de
acesso à justiça por milhões de pessoas. Estimula o ativismo
judicial. “O ativismo, ação de agentes políticos, provoca
externalidades no mundo, invade a esfera de atribuição de outros.
Isso tem efeito negativo muito ruim, não se avalia a consequência
das decisões no mercado que se pretende intervir”, afirmou o
desembargador Werson Rêgo.
O juiz Luiz Moutinho se mostrou
otimista no sentido de considerar que a pandemia deve tornar os
magistrados mais conscientes das consequências de suas decisões. “A
pandemia vai dar mais velocidade a algo que já vem ocorrendo: a
percepção de que a intervenção judicial deve se dar em termos mais
prudentes. Os magistrados com uma visão mais individual dos
litígios terão que ampliar sua perspectiva, para trazer o impacto
econômico de sua decisão. Quando vamos para o ambiente de saúde
suplementar, a percepção de segurança jurídica, de mais
estabilidade, de proteção sistêmica, será o novo normal”.
Segundo estudo, elaborado pelo Instituto de Ensino e
Pesquisa (Insper) para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ): entre
2008 e 2017 o setor de saúde foi responsável por mais de 498 mil
processos de primeira instância distribuídos em 17 tribunais de
justiça estaduais, e mais de 277 mil processos de segunda
instância, distribuídos entre 15 tribunais de justiça. Somando-se
os sistemas público e privado. O número de demandas judiciais
relativas à saúde aumentou 130% no período.
Frente a esse panorama, para
Angélica Carlini, as varas jurídicas precisam ser mais eficientes,
com metas e métricas. A advogada defendeu Núcleos de Apoio Técnicos
(NAT) aos magistrados para atendê-los em decisões mais técnicas.
“Seriam bancos de dados baseados em evidência para resolver casos
mais complexos a partir de um viés científico”.
Segundo o desembargador Werson
Rêgo, a solução também passa por buscar construir consensos antes
que os casos cheguem à justiça. “A busca pelo judiciário é ruim
para todos. Às vezes não há comprovação de que há razões para
provocar a estrutura estatal”, disse. O desembargador, inclusive,
defende que as ações do consumidor só devem andar depois que ficou
comprovado que, anteriormente, já houve alguma tentativa de buscar
solução para o conflito.
Luiz Moutinho insiste na
estabilidade. O juiz deve, antes de tudo, seguir as leis. “Toda vez
que um juiz intervém em um regulamento que está claro e decide
diferente da lei específica ele está desgovernando. O Estado está
agindo com pegadinha com o setor privado”. Werson Rêgo vai na
mesma direção: “Juiz não tem de achar que a lei é boa, tem de
cumpri-la. Quem tem mandato para fazer escolhas difíceis é o
legislador”.
Vera Valente considera que há um
profundo desconhecimento na maneira como o setor de saúde
suplementar funciona. “Não há almoço grátis, uma decisão que onera
muito uma carteira, seja para um indivíduo ou grupo, vai trazer
ônus para a carteira inteira e vai expulsar algumas pessoas da
saúde suplementar”, explicou.