O Extra
(RJ) relata que a vulnerabilidade do consumidor idoso foi
um dos pontos principais do debate sobre os limites para o reajuste
por faixa etária de planos de saúde em contratos coletivos durante
audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizada
nesta segunda-feira (dia 10). As discussões devem subsidiar o
julgamento dos recursos repetitivos pela segunda seção do
tribunal.
Segundo dados do Banco Nacional de
Demandas Repetitivas, pelo menos duas mil ações estão suspensas em
todo o país, aguardando a fixação da tese a partir do julgamento do
mérito.
O avanço da idade e a viabilidade
econômica do mercado de operadoras de saúde também foram temas
debatidos no STJ.
O procurador da República Fabiano
Morais lembrou que lei de planos de saúde, de 1998, organizou os
parâmetros do setor, além de fixar que o contrato inicial deve ter
uma previsão específica de faixas etárias e percentuais de
reajuste. Morais destacou ainda que a falta de previsão de limites
entre as faixas etárias — já que a lei só determinou o limite
máximo entre a primeira e a última — resultou em aumentos
concentrados nas últimas faixas, o que inviabilizou a permanência
de muitos idosos nos seguros de saúde.
— Algumas pessoas tiveram um
aumento de 100% ao completar 60 anos, permaneceram no plano e,
quando fizeram 70 anos, veio um aumento de 200%, o que obrigou
esses idosos a desistirem do plano de saúde — declarou o
procurador.
Aumento da judicialização
Em seguida, o defensor público
Edson Rodrigues Marques ressaltou o aumento no número de processos
relacionados a reajustes e coberturas dos planos de saúde. Para
Marques, apesar de a negociação das operadoras ser, por vezes, com
as empresas, o consumidor idoso continua figurando como a parte
hipossuficiente, ou seja, mais frágil da relação de consumo, devido
às suas fragilidades física, psicológica e financeira.
— Nós temos um pacto de gerações,
não podemos pensar no idoso apenas como alguém que dá prejuízo ao
plano de saúde. Não é uma análise puramente financeira e econômica.
Eles trabalharam a vida toda para contribuir com o país e com a
sociedade, não podem ser tratados como clientes indesejados pelas
operadoras, que é o que ocorre — avaliou Marques.
Uso por avanço da idade
Já a diretora do Instituto
Brasileiro de Atuária, Raquel Marimon, ao explicar como funciona a
precificação de plano de saúde, apresentou um estudo de caso
realizado com nove operadoras de diferentes regiões do Brasil. Ela
disse que, a partir dos 85 anos, as demandas em relação à saúde
aumentam.
— O preço do plano de saúde é uma
função que está diretamente relacionada a esse consumo, a essa
demanda de assistência à saúde e, portanto, o plano vai custar mais
— comentou.
O representante do Grupo de Atuação
Estratégica da Defensoria Pública do Colégio Nacional de Defensores
Públicos Gerais, Rafael Muneratti, argumentou que os mecanismos
utilizados por operadoras que não levam em consideração o tempo
durante o qual o usuário utiliza o plano e deixam o consumidor sem
assistência devido aos aumentos abusivos ao longo do tempo.
Rafael Muneratti mencionou que
muitas operadoras se utilizam de um mecanismo de seleção de risco
preferencial, sistema que seleciona como clientes pessoas que dão
menos risco à empresa. Assim, os jovens acabam pagando menos, pois
utilizam menos o plano de saúde; por outro lado, existe a exclusão
do grupo com mais idade.
— Muitas vezes, os cálculos são
muito frios, a matemática não espelha a realidade da pessoa, não
leva em consideração a pessoa que necessita daquele atendimento,
que precisa daquele plano e se vê surpreendida com muitos aumentos
desproporcionais ao que ela vinha pagando — explicou Muneratti.
Ameaça à sustentabilidade das
operadoras
Para a economista Luciana Yeung, do
Instituto Insper, o aumento nos custos pode significar o fim da
rentabilidade das operações dos planos de saúde. Ao mesmo tempo, a
pesquisadora também lembrou que tem havido a crescente saída de
usuários dos planos em direção ao SUS, o que gera um impacto
sistêmico.
Segundo Yeung, o controle de
reajuste de preços em determinadas faixas etárias teria diversas
consequências, como o aumento nos valores pagos pelos segurados das
demais faixas, a ameaça à sustentabilidade das empresas de saúde
privadas e a elevação “intolerável” dos planos para as pessoas mais
jovens.
Ana Carolina Navarrete,
representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec), destacou a necessidade de se considerar a vulnerabilidade
do consumidor idoso no âmbito dos planos de saúde. Ela considerou
que as pessoas com 59 anos ou mais representam o segundo maior
público do mercado de 47 milhões de pessoas, atrás apenas da faixa
etária entre 0 e 18 anos.
De acordo com a representante do
Idec, o mercado de planos de saúde apresenta barreiras à entrada de
novos usuários já idosos, além da dificuldade de portabilidade do
benefício.
— É possível cobrar valores
distintos de mensalidade para diferentes grupos etários, desde que
os índices não tenham sido estipulados de forma desproporcional ou
aleatória — apontou Navarrete.
Já o advogado Bruno Miragem,
representante do Instituto Brasileiro de Política e Direito do
Consumidor (Brasilcon), ressaltou que nos contratos de consumo de
longa duração — a exemplo dos planos de saúde —, há a necessidade
de que a cláusula de reajuste seja prévia e adequadamente
informada.