Na casa do metalúrgico aposentado Luiz Carlos Baiano, 64, de São Paulo, é só sua esposa quem tem plano de saúde. Diabética, com problemas cardíacos e recém-operada, ela foi a prioridade nas contas do casal, sustentadas apenas com a aposentadoria que Baiano recebe do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). "Pagar para os dois seria 40% do meu salário; a prioridade foi ela", disse.
Tiyoko Sookabe, 80, também de São Paulo, vive sozinha, mas já rebaixou seu convênio da opção com acomodação em apartamento, mais cara, para enfermaria, para que o benefício pudesse continuar cabendo em sua conta.
Em comum, eles são aposentados e têm nos pagamentos do INSS a principal fonte de renda. Eles formam um dos grupos que mais sofrem com a escalada contínua nos preços dos planos de saúde: de um lado, estão na faixa etária que já paga os maiores preços dos convênios (acima dos 59 anos de idade). De outro, contam apenas com os reajustes da Previdência para recompor os gastos.
Só neste ano, os planos de saúde devem subir 10%, pelo reajuste liberado aos planos individuais pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), enquanto o aumento máximo das pensões e aposentadorias do INSS para 2018 foi de apenas 2,07%, o menor desde o início do Plano Real, em 1994.
O resultado são famílias que estão se desdobrando para manter o convênio dos mais velhos, quando não desistindo de vez do suporte privado e partindo para a rede pública. Veja algumas histórias a seguir:
"A prioridade foi ela"
Foi a saúde mais frágil da esposa o que levou Luiz Carlos Baiano a decidir abrir mão de ter plano de saúde para se manter pagando o dela. "Meus filhos já têm o deles, e eu não tenho", disse. "Seria um percentual muito alto pagar para nós dois com o meu salário de aposentado, seriam mais ou menos 40% do meu salário."
Metalúrgico aposentado em São Paulo, Baiano tem em seu pagamento do INSS a única fonte de renda para sustentar o casal. Depois de um empréstimo consignado, que desconta R$ 800 direto de sua aposentadoria, o convênio da esposa, de R$ 600, é a maior conta da casa.
Ele, que faz suas consultas e tratamentos pela rede pública, agradece por não ter até hoje tido nenhum grande problema de saúde. "Seria difícil para mim, eu estaria em um patamar bem difícil, mas graças a Deus tenho bastante saúde", disse. A esposa tem diabetes, colesterol alto e passou recentemente por uma cirurgia na cabeça. "A prioridade foi ela."
Comprar coisas mais baratas e fazer compras menores estão entre as medidas da casa para driblar os aumentos do plano ano a ano. E por que não trocam por outro mais barato? "Existe carência, e, como a minha esposa está há muito tempo no plano [atual], há várias vantagens", declarou.
E cancelar? "A gente nem cogita. A gente quer continuar, devido à minha esposa. Veja os benefícios que traz para ela", afirmou, mencionando a cirurgia recente e uma série de consultas e exames de acompanhamento já agendados para os próximos dias.
"Convênio, condomínio e remédios"
São esses os principais gastos de Percília de Oliveira, 84, de São Paulo. Aposentada, ela vive com um salário mínimo de sua pensão e mais outros dois de seu marido, falecido. O salário mínimo, piso da Previdência, foi para R$ 954 em janeiro de 2018.
"Nem sei quanto foi o aumento. Já aumentou? Nem percebi", disse Percília, sobre a aposentadoria. O salário mínimo subiu de R$ 937 em 2017, aumento de 1,81%, ou R$ 17 a mais. O plano de Percília, que ela possui há mais de 30 anos e está hoje em R$ 485, aumentou em cerca de R$ 40 no reajuste mais recente.
"Eu ganho um salário, que são R$ 900 e pouco, mais dois do meu marido, quer dizer, não está dando. [Tem] convênio, condomínio do prédio e remédio, que eu compro muito", afirmou. Ela é infartada e precisa dos medicamentos para o tratamento. "Só nesta semana, comprei dois remédios e gastei R$ 250", disse.
Apesar das contas altas, também não cogita abrir mão do plano privado. "Cancelar não, porque eu preciso, eu estou sempre doente."
"Enfermaria, porque não dava para baixar mais que isso"
Para a ex-auxiliar de enfermagem Tiyoko Sookabe, a solução para não ficar sem o plano que paga há mais de 20 anos foi reduzir da modalidade apartamento, que dá direito a quarto privativo em casos de internação, para enfermaria.
"Eu comecei em plano ouro e fui baixando. Hoje estou em enfermaria, porque não dava para passar mais para baixo do que isso; em apartamento, era bem mais caro", disse ela. Aposentada há 15 anos, Tiyoko vive com o pouco menos de quatro salários mínimos (R$ 3.816) que ganha da aposentadoria no INSS. O plano de saúde custa R$ 814.
"Cada ano que passa fica mais difícil", afirmou. "No ano passado, o plano aumentou 13% e alguma coisa, neste ano [o reajuste] não veio ainda, mas deve ser mais de 10%, e a gente não ganhou isso, o nosso reajuste do INSS foi de 2%. Se continuar assim, Deus me livre, vou ter que parar de pagar."
Malabarismos para não perder o plano
Reduzir outros gastos, abandonar o plano de outras pessoas da família para manter o de alguém mais frágil e rebaixar os serviços do convênio para baratear a conta (como passar da opção de apartamento para enfermaria) estão entre os recursos mais comuns adotados pelo público da terceira idade para conseguir continuar pagando o plano de saúde.
Abrir mão da assistência, apesar de tudo, é ainda a última opção: segundo os dados oficiais da ANS, mesmo em um momento em que houve redução na base geral de clientes de planos privados no país, o número de beneficiários idosos seguiu crescendo.
Entre início de 2015 e março de 2018, dado mais recente, a base de clientes das operadoras no país caiu 6%, para 47 milhões de pessoas. Entre aqueles com 60 anos ou mais, porém, houve um aumento de 6,8% no mesmo período. Hoje, eles respondem por 6,3 milhões do total de contas.
Planos estão cada vez mais difíceis para idosos
"Os planos estão cada vez mais restritivos, e há uma série de dificuldades para o idoso conseguir contratá-los", disse o administrador de empresas aposentado Julio Quaresma Filho, diretor tesoureiro do Sindinap (Sindicato Nacional dos Aposentados). Os preços salgados, que podem passar dos R$ 1.000 para o idoso mesmo em opções básicas, são só uma parte da história.
Quaresma citou, por exemplo, a dificuldade de encontrar planos individuais, que não exigem vínculo a empresas ou sindicatos e são a principal opção para quem já parou de trabalhar.
Além disso, trocar para outra operadora mais barata ou começar a cotar um plano do zero implica também carências longas, preocupação especial daqueles que têm doenças preexistentes, como problema cardíaco ou insuficiência renal, entre outras.
"Mas a maior de todas as reclamações é conseguir continuar pagando. A correção do salário mínimo e do INSS tem sido na faixa dos 2%, enquanto os planos e remédios aumentam 10%, 12%. O aposentado não consegue acompanhar", afirmou Quaresma.
Os reajustes liberados para os planos de saúde individuais, regulados pela ANS, foram de 13,6% em 2017 e 10% em 2018. Os planos coletivos, por sua vez, que são contratados pelas empresas para seus funcionários ou por meio de sindicatos, seguem acordos próprios e, não raro, têm aumentos ainda maiores.
Na outra ponta, o aumento máximo das aposentadorias e pensões do INSS foi de 6,6% em 2017 e 2,1% em 2018, chegando ao atual teto de R$ 5.645,80.