São Paulo
— Poucas empresas parecem ligar tão
pouco para a opinião do mercado de capitais quanto o Fleury, o que
não é necessariamente uma má notícia. No ano passado, a rede de
laboratórios lançou uma plataforma inédita — sem nem sequer emitir
um comunicado. O CEO da empresa se orgulha de nunca ter mudado “um
milímetro” em seu discurso para o mercado e diz frases que parecem
saídas de uma startup da nova economia: “A gente entrega o que
a gente é e o que a gente acredita” ou ainda “Eu entrego, eu não
prometo”. Em vez de se ocupar do mercado, a maior preocupação de um
fleuryano-raiz é cuidar da reputação do laboratório, construída ao
longo de 92 anos pelas famílias dos 29 médicos que ainda detêm uma
fatia importante da empresa. A combinação é perfeita para
investidores que gostam de CEOs que respiram o negócio e veem o
preço da ação apenas como consequência. Ainda assim, muitos
investidores parecem ter abandonado a ação, que estacionou em maio
do ano passado. Nenhum fundo, brasileiro ou internacional, tem hoje
5% da companhia. Há seis meses, a Advent — um acionista de
referência — vendeu sua posição a R$ 28,60. A ação hoje é negociada
a R$ 26.
O mercado parece estar esperando os resultados de um plano de
expansão que prevê a abertura de 73 a 90 unidades até 2021,
aumentando em até 60% a base atual de 157 pontos de atendimento.
Investidores dizem que, ao preço certo, os médicos são vendedores,
e muitos analistas acreditam que uma fusão com o Hermes Pardini, já
tentada pela Gávea Investimentos em 2014, é algo inexorável, dadas
as sinergias e complementariedade geográfica. Na entrevista a
seguir, o CEO Carlos Marinelli — 41 anos de idade, 13 de casa e no
comando desde setembro de 2014 — não quis falar sobre o assunto.
Ele diz que a empresa continuará a fazer aquisições de marcas
regionais para ganhar escala e que o Fleury, em vez de competir em
preço, está investindo num modelo de diagnóstico completo e
integrado capaz de reduzir custos para os planos de saúde. O
exemplo mais cintilante: a plataforma de genômica que o Fleury
lançou em outubro, com painéis genéticos que conseguem identificar
o melhor tratamento para alguns tumores e evitar quimioterapias e
internações desnecessárias. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
Com a saída da Advent, o Fleury
ficou com dois acionistas: a Bradesco Saúde e a Integritas, holding
de um grupo de médicos. Qual é o seu objetivo à frente da
companhia? Prepará-la para uma eventual saída desses
acionistas?
Sou um cara que está passando por
aqui e quero deixar minha marca para os próximos 90 anos do Fleury.
Isso não é uma empresa que está num momento “eu quero ser vendida”,
“eu quero enfeitar a noiva”. Tem uma questão de propósito, de gerar
saúde e bem-estar. Vários sócios da Integritas estão mais ativos
que eu, com bastante saúde, e são pessoas que passaram essa visão
de propósito para a gente. Veja a Advent: ela entrou aqui e nunca
questionou o custo do médico, ou por que compramos esse material e
não aquele, absolutamente nada. Tenho certeza de que eles viram,
com o olho de private equity, o nosso propósito de valor
intrínseco.
Vocês compraram recentemente o Instituto de Radiologia de Natal por
R$ 90 milhões, e a Serdil, no Sul do país, por R$ 27 milhões. Ainda
há espaço para aquisições?
Sim, o mercado ainda é bastante pulverizado, principalmente
se você vai para fora do eixo Rio-São Paulo. No nosso setor, a
gente não tem uma Nielsen, mas, mesmo no eixo Rio-São Paulo, o A+
(marca da empresa) tem uma participação que não é nem 10% no
segmento de atuação dele, que é o intermediário alto. Tem bastante
coisa para a gente procurar. No segmento premium, o Fleury é um
líder inconteste.
Neste momento, o mercado está mais ou menos propenso a fusões
e aquisições?
Mais propenso. Nesse setor tem uma pressão muito grande das
operadoras por questões de eficiência, preço e custo. E se você não
consegue ter um tamanho que ano após ano gera sinergias, não
consegue passar para a operadora uma parte desse ganho de
eficiência e começa a se ver numa situação complicada. Nossa área
técnica em São Paulo processa alguma coisa como 25 milhões de
exames por ano. O que eu faço num dia tem empresa que não faz em um
ano por aí. Mesmo empresas que estão muito bem, sólidas
financeiramente, já começam a olhar para o futuro e dizem: “Talvez
seja melhor eu me associar, talvez seja melhor eu vender do que
continuar nessa luta sozinho.”
A estratégia é seguir comprando players regionais?
Sim, esse é um business regional. Em São Paulo, a gente
acabou de abrir a unidade A de Guarulhos. Não existe mais a Unimed
Paulistana, mas tem uma Unimed em Guarulhos. E aí você tem que
credenciar a A na Unimed de lá. Quando abro uma unidade nova, não é
porque sou credenciado em determinados convênios em outras unidades
que ganho o credenciamento automático. Tem toda uma negociação. Já
quando você compra uma empresa, o credenciamento vem
junto.
Há espaço para compras de negócios mais de nicho, nos moldes
de uma Oncoclínicas, por exemplo?
O Fleury está
ajudando esse mercado mais “nichado” com diagnóstico, mas não
necessariamente vejo como um mercado em que a gente deva entrar. O
mais óbvio para mim é continuar comprando players com o mesmo
perfil que o meu, porque assim vou gerar sinergias mais
facilmente.
A conversa de que o sistema tem que se integrar mais, ser
mais preventivo e usar mais dados vem de longa data. O que mudou
agora?
Com o crescimento do país, do emprego formal
e dos planos de saúde, isso não fazia uma pressão tão grande.
Agora, esse problema do custo veio para dentro de casa e está
batendo à porta. Se não tomarmos uma atitude, provavelmente vamos
ver cada vez mais o sistema se autocorroendo. Você chega para mim
com vários exames relacionados à cardiologia, um eco com doppler,
tomografia de coronária. O que acontece quando bate aqui? Temos
algoritmos que entendem que o seu médico está investigando uma
cardiopatia ou determinado grupo de cardiopatias. Eu agrupo esse
resultado e dou para o médico um relatório integrado que vai falar
de toda a parte cardiológica do paciente.
Em que outras inovações o Fleury
aposta?
Quando você fecha um diagnóstico de forma
adequada, você tem uma influência muito positiva em toda a cadeia
de saúde. Gosto de citar o oncotype, que é um teste que nós
fazemos. Numa paciente que tem câncer de mama, você faz o oncotype
e ele dá a probabilidade de recidiva e o perfil de
agressividade do tumor. Muitas vezes não precisa fazer químio.
Então, quando você faz o “health economics” disso, descobre que, ao
incorporar o oncotype, que é um teste genômico e tem um custo
relativamente alto, você consegue reduzir o custo na cadeia, porque
evita a quimio. Em outubro passado, lançamos uma plataforma bem
ampla de genômica.
O que é essa plataforma?
É uma maneira de expor tudo o que a gente vinha desenvolvendo
em P&D em testes genômicos, com equipe específica de
cientistas, junto com bioinformática e parcerias. Isso é informação
nova, mesmo para médicos gabaritados. E lançamos uma plataforma de
e-commerce: qualquer pessoa pode entrar, fazer upload da receita e
vai receber uma ligação entendendo melhor a indicação do teste. A
depender do teste, mandamos um kit para coleta de saliva, que é
enviada pelos Correios, vem para nossa área técnica e a gente
processa. Não são todos os testes que a gente pode fazer por
saliva, mas já tem um painel muito grande. No caso de um tumor, por
exemplo, é claro que você precisa de um pedaço do tumor para fazer
a avaliação.
Continua depois da
publicidade
Prestar serviços a outros laboratórios, o “lab to lab”, gerou
crescimento para outras empresas. Vocês pretendem entrar nesse
segmento?
A gente está na Beneficência Portuguesa,
que tem o SUS no portfólio deles e que são hospitais de referência,
com corpo clínico diferenciado. Preciso ter diagnóstico benfeito.
Isso ajuda na dinâmica do hospital, mesmo pagando mais pelo
diagnóstico. O propósito move a gente. Não penso: “Nossa, esse
mercado é legal, tem um volume enorme, então vamos fazer um negócio
ultra low cost porque quero atender a esse mercado”. Nossa
orientação é outra: “Deixa eu ver o que ajuda o médico, o que faz a
diferença”. Sempre pensamos pelo lado da inovação, da excelência
técnica, da qualidade. E a gente enxerga uma competição por preço
acirrada. Entrar numa briga de foice nesse mercado não é minha
proposta de valor.
Vamos falar sobre a sua ação. O que o mercado não está vendo
em vocês?
O nosso principal diferencial é o
propósito. Gosto de ganhar meu salário, ter meu PLR (Participação
nos Lucros e Resultados), mas eu não fico querendo fazer
malabarismo para trazer um Ebitda maior neste trimestre e mostrar
que, com isso ou aquilo, vou ter um Ebitda maior no trimestre que
vem. Não é só. A gente tem propósito e consistência. O investidor
lá fora quer conhecer sua empresa, sua história, como você chegou
até aqui.
Quando você fala com o investidor, o que diz a ele que o
mercado não está vendo?
Estou há quatro anos
falando com investidor e não movi um milímetro no meu discurso para
tentar fazer a ação subir ou o entendimento dele mudar. A gente
entrega o que a gente é e o que a gente acredita. E tem uma coisa
no nosso comportamento que é diferente do que o mercado
faz: eu entrego, eu não prometo.
Qual é a margem de vocês?
Nossa margem Ebitda no ano passado foi 26%, sem ajuste, sem
nada, crescimento de 8 pontos percentuais sobre 2014 (início da
gestão Marinelli). Desde o primeiro semestre de 2015, a gente não
divulga número ajustado. Meu Ebitda é meu Ebitda.