O Governo do Estado do Amazonas gastou
mais de R$ 4 milhões com planos de saúde para autoridades e
conhecidos no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A despesa foi
gasta entre os anos de 2012 a 2017. Em alguns meses, o pagamento de
despesas de um paciente foi maior do que gasto em uma unidade de
saúde. O caso é investigado pelo Ministério Público.
Em fevereiro de 2013, o governo
do Estado do Amazonas mandou R$ 250 mil para o Pronto-Atendimento
Médico da Codajás (PAM). No mesmo mês e ano, pagou a conta do
tratamento médico do ex-prefeito de Santa Isabel do Rio negro,
Mariolino Siqueira, no hospital Sírio Libanês. O valor pago foi de
mais de R$ 280 mil.
No mesmo período, as despesas
foram de R$ 30 mil a mais para o tratamento de uma pessoa, do que
gastou com uma única unidade de saúde.
Segundo os Ministérios Públicos
Estadual e Federal, o ex-prefeito, preso em 2016 por suspeita de
corrupção, e outras 20 pessoas tiveram as contas de tratamentos
particulares pagas pelo Governo do Amazonas. Entre 2012 e 2016, R$
4,5 milhões foram pagos ao Hospital Sírio-Libanês.
Na época em que as despesas
foram feitas, o Estado era governado pelo atual senador Omar Aziz e
por José Melo, que cumpre pena por suspeita de desvio de recursos
da saúde.
De acordo com a promotora de
Justiça Cláudia Maria Raposo da Câmara, não havia amparo legal e o
estado não tinha como justificar os pagamentos feitos. "Muitos aí,
esperando anos por uma cirurgia, e alguns poucos, uns amigos do
rei, se tratando num dos melhores hospitais do país, com o custo
elevadíssimo", disse.
O procurador da República do
Amazonas, Thiago Corrêa, informou que os tratamentos não foram
custeados a partir de uma política pública de saúde no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS). Para ele, o estado do Amazonas fez as
vezes de um plano de saúde particular, que foi utilizado em
benefício exclusivo desse seleto grupo de pessoas.
Tratamento de desembargadores e familiares
Em um ofício encaminhado pelo
Governo para o Hospital Sírio-Libanês, a Secretaria de Estado de
Saúde do Amazonas (Susam) informou que pagaria todos os gastos de
um tratamento do desembargador Domingos Chalub Pereira. A conta foi
de mais de R$ 230 mil.
Ainda conforme o Ministério
Público, o Governo do Amazonas também arcou com despesas de
parentes de outros desembargadores do Tribunal de Justiça do
Amazonas (TJAM). Entre os envolvidos, Maria da Graça Vieira, mãe do
Corregedor-Geral Lafayette Carneiro Vieira Junior, no valor de R$
130 mil, em julho de 2015. Dois meses depois, a Secretaria também
bancou R$ 24 mil do tratamento da mulher do Corregedor-Geral.
Entre fevereiro de 2013 a março
de 2014, outros R$ 345 mil foram gastos pelo Governo pelo
tratamento de Fabiano Figueiredo, sobrinho da desembargadora Graça
Figueiredo. De julho a dezembro de 2014, mais R$ 165 mil foram
gastos com Yara Simões, irmã do desembargador Yedo Simões, atual
presidente do TJAM.
O valor mais alto gasto foi para
o tratamento do colunista social Alex Deneriaz, morto em abril de
2015. De acordo com as notas fiscais emitidas em julho de 2015, os
gastos somam R$ 785 mil. Este valor é R$ 130 mil a mais do que o
Governo do Amazonas gastou em todo o Instituto de Saúde da Criança
do Estado, no mesmo mês.
Ainda conforme o procurador da
República Thiago Corrêa, foram colhidos depoimentos de dois
ex-secretários de saúde e nenhum deles conseguiu fornecer uma
explicação razoável para esse tipo de comportamento.
O ex-secretário Estadual de
Saúde, Pedro Elias, afirmou em depoimento que recebia ordens da
Casa Civil para fazer os pagamentos. O Ministério Público entrou
com uma Ação Civil Pública contra ele, outro ex-secretário Estadual
de Saúde, Wilson Alecrim e o Secretário Executivo da pasta nas duas
gestões, José Duarte.
"Nós estamos pedindo o
ressarcimento dos valores pagos, eles tem que voltar aos cofres
públicos. Nos estamos pedindo também que eles fiquem inelegíveis e
também estamos pedindo que eles fiquem proibidos de contratar com o
poder público", disse a promotora de Justiça, Cláudia Maria Raposo
da Câmara.
O que dizem os envolvidos
Procurado pela equipe do
Fantástico, Pedro Elias disse que não vai se manifestar sobre o
caso. Wilson Alecrim foi contatado por meio do advogado, mas também
optou por não se pronunciar. José Duarte passa por um tratamento
contra um câncer, mas não foi localizado. Ambos os ex-governadores
disseram desconhecer os fatos e a investigação.
O ex-prefeiro de Santa Isabel do
Rio negro, Mariolino Siqueira, em prisão domiciliar, confirmou por
telefone que o tratamento foi pago com o dinheiro do Estado. Apesar
disto, ele afirmou não saber que a prática era irregualar.
A família do colunista social
Alex Deneriaz informou por telefone que não sabe o quanto foi gasto
no tratamento e quem teria arcado com as despesas.
Entre os desembargadores que
tiveram as despesas médicas pagas, Domingos Chalub disse que apenas
a estadia no Hospital foi paga pelo Governo. Ele informou ainda que
procurou pessoalmente o Secretário de Saúde para devolver o
dinheiro, mas não teve resposta.
A desembargadora Graça
Figueiredo não respondeu à reportágem. Lafayette Carneiro negou que
as despesas da mãe e mulher foram pagas pelo Governo.
Yedo Simões informou que as
despesas da irmã foram feitas por "vias legais" e que havia um
convênio entre o Governo do Estado e Hospitais de outras regiões. A
informação foi negada pelo Ministério Público, segundo o procurador
da República Thiago Corrêa.
Por meio de nota, o Hospital
Sírio Libanês diz que recebeu pedido da Secretaria de Saúde do
Amazonas para prestação de assistência hospitalar e que fez os
serviços. O Hospital informou ainda que todas as informações sobre
os atendimentos foram encaminhadas ao Ministério Público.
A Secretaria de Saúde do Estado
do Amazonas informou que as acusações dizem respeito a gestões
anteriores. Apesar disto, afirmou que colabora com as
investigações.
"Para
mim, é como se ele tripudiasse em cima das dores das dificuldades
do cidadão como usuário do SUS. Eu não entendo como um estado pode
tratar os seus cidadãos como pessoas de duas categorias: para uns,
o melhor que existe, o melhor tratamento, medicina de ponta. Para
outros algumas vezes até a desasistência total", finalizou a
promotora de Justiça sobre o caso.