A TV Anhanguera teve acesso com
exclusividade a novos detalhes dessa investigação, que
ganhou repercussão no Fantástico, na noite deste domingo
(4).
Uma conversa entre dois
vendedores da empresa fornecedora de materiais de cirurgias
cardíacas revela uma taxa que era cobrada pelo hospital Dom Orione,
em Araguaína.
Sebastião: "Vim entregar o material
aqui no hospital Dom Orione para fazer o procedimento às 3 horas da
tarde, que é o horário que o médico chega. Aí o hospital se negou a
receber o material porque o paciente já pagou o material, já pagou
as diárias do hospital, mais não sei mais o quê e o diretor do
hospital falou assim, que para a gente colocar o material para esse
exame hoje tem que pagar 24%".
Procurado, o hospital ainda não
se posicionou sobre o caso. Para o delegado da Polícia Federal do
Tocantins, Júlio Fujiki, essa taxa de comercialização “é altamente
ilegal, é corrupção”.
As investigações revelam que
quem pagou os 24% para que a cirurgia fosse feita, foi o próprio
paciente, que é do interior do Pará. O hospital Dom Orione é um dos
principais da região norte do país, atende pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), planos de saúde e pela rede particular.
Por causa da suspeita de pedidos
de propina às empresas, os dois diretores do hospital foram presos
em dezembro do ano passado, na segunda fase da operação
Marcapasso.
Na primeira fase, realizada em
novembro, 11 médicos, a maioria cardiologistas, foram presos. As
investigações começaram em 2016, quando a polícia descobriu a
reutilização de materiais descartáveis, no Hospital Geral de
Palmas.
“A Polícia Federal fez um
flagrante num hospital público de Palmas. Produtos já vencidos
estavam sendo remarcados e utilizados em cirurgias cardíacas no
hospital de Palmas”, disse o superintendente da Polícia Federal no
Tocantins, Arcelino Vieira.
Foram presos os donos da empresa
Cardiomed, que distribui próteses, órteses e produtos especiais.
Eles fizeram colaboração premiada e delataram o golpe de
superfaturamento de produtos comprados pelo SUS e pelo plano de
saúde dos servidores do estado. A diferença entre o preço de
mercado e o superfaturado era para pagar a propina dos médicos. O
esquema envolveu 16 empresas.
“Sete empresas que foram
investigadas pagaram na ordem de R$ 7 milhões ao longo de 2008 a
2016, R$ 7 milhões de reais de propina pra determinados médicos”,
revelou Arcelino.
Segundo o procurador da
República, Paulo Marques, "há médicos que chegaram a receber R$ 800
mil de propina somente da Cardiomed".
O esquema também fraudava
licitações para médicos que indicavam produtos para a Secretaria de
Saúde. "Os médicos contactava as empresas que forneciam OPME
["Órteses, próteses e materiais especiais] e combinavam o
recebimento de propina para quem indicasse para o setor de
licitação do Governo do Estado especificações de produtos que
somente aqiuela empresa detinha", explicou o procurador.
Ele ainda revelou que
estratégias usadas pela empresa. "A Cardiomed quando ia receber o
dinheiro do Estado encontrava dificuldades, obstáculos que eram
colocados. Aquela história de plantar dificuldades para vender
facilidades".
O procurador disse que o
ex-secretário de saúde do Governo, Márcio Carvalho, pode estar
envolvido. "O que ficou claro foi a participação de um
ex-secretário de Saúde do governo que se encerrou em 2014 que teria
recebido propina pra realizar pagamentos em favor da cardiomed.
Carvalho ficou só 15 dias no
cargo, na época, e teria levado R$ 160 mil para que a Cardiomed
recebesse pagamentos atrasados por materiais fornecidos aos
hospitais públicos do Tocantins.
Em nota, ele afirma que a
"acusação é infundada", que não fez "nenhum acordo ilícito", nem
"nenhum pagamento à empresa Cardiomed" e que deu todos os
"esclarecimentos necessários à Polícia Federal".
A polícia analisa as notas
fiscais e planilhas da Cardiomed que contém os nomes dos pacientes
e quanto os médicos teriam recebido de propina em cada
procedimento. No total, 16 prisões, 45 mandados de condução
coercitiva e 91 mandados de busca e apreensão foram efetuados em
nove estados.
A dona de casa Ana Maria
Fernandes foi surpreendida ao saber que o médico da mãe tinha sido
preso. Dona Isaurina morreu três semanas depois da primeira fase da
operação. Segundo as investigações, ela foi submetida a cinco
cateterismos em um ano. A PF investiga se o médico recebeu dinheiro
ilegal nestes procedimentos. O nome de dona Isaurina consta nas
tabelas entregues pelos delatores, e que seriam de propinas.
"Fiquei muito supresa e
revoltada porque se realmente ele fez isso, a gente quer Justiça",
disse Ana Maria.
Segundo o delegado da PF Júlio
Fujiki, o que impressa é a quantidade de procedimentos. "Existe a
possibilidade dos médicos terem faturado produtos não utilizados
nas cirurgias, assim como a realização de procedimentos
desnecessários, principalmente de cateterismo. Isso saltou aos
olhos da polícia pela quantidade de procedimentos e valores
envolvidos".
Segundo o Ministro da Saúde, uma
das brechas para o superfaturamento e a corrupção é a grande
variação de preços de um mesmo tipo de produto. No caso do
marcapasso, pode chegar a 900%. O ministério decidiu então um
sistema de referência de preços: os editais de atas de registro de
preços.
"Com esses editais de atas de
registro nacional de preços, nós podemos referenciar o preço dessas
órteses e próteses para todos os consumidores, para todos os
hospitais, profissionais médicos que desejam utilizar".
Secretário de saúde
do Tocantins fala sobre esquema de fraude envolvendo médicos (Foto:
Reprodução/TV Anhanguera)
Em entrevista nesta
segunda-feira (5), o secretário estadual de Saúde, Marcos Musafir,
disse que em 2016 o contrato com a Cardiomed, empresa investigada
foi suspenso.
"Quando nós recebemos a denúncia
interna da mudança da etiqueta nós levamos isso ao Ministério
Público Federal, à Polícia Federal porque o recurso era do SUS,
então é um dinheiro do governo federal. E a partir daí a polícia
fez as investigações, imediatamente nós suspendemos o contrato com
essa empresa, tiramos todos os materiais dessa empresa que estavam
lá no HGP, onde fazem o cateterismo e fizemos uma nova licitação
para comprar novos materiais".
Musafir disse também que na
época todos os pacientes que tinham sido submetidos ao cateterismo
foram chamados, mas nenhum precisou fazer novo procedimento.
Segundo o secretário, apesar de
todo o esquema de fraude, além de outras investigações, a saúde
pública do Tocantins é confiável.
"É
excelente, ótimos profissionais, só neste sábado foram feitas 22
cirurgias de emergência no HGP, convocamos os neurocirurgiões,
ortopedistas, clínicos, cirugiões gerais, anestesistas para atender
a população. Então pode confiar, temos materiais, temos
equipamentos, nada é ideal na saúde, sempre precisamos de mais
coisas, mas posso tranquilizar a população de atender o que é
necessário na área pública do estado ".