Altos reajustes nas mensalidades
para quem tem a partir de 59 anos são a principal razão que leva
idosos de São Paulo a processar planos de saúde. E as decisões
judiciais têm sido majoritariamente favoráveis à revisão dos
valores.
A constatação é de um estudo do
Procon Paulistano, da prefeitura, que avaliou os 120 acórdãos
julgados no primeiro semestre deste ano pelo Tribunal de Justiça
—casos já na segunda instância.
Seis em cada dez ações (55%) de
idosos contra os planos na capital tiveram como motivo reajustes
abusivos pela faixa etária. E 93% de todos os processos tiveram
decisões total ou parcialmente a favor dos consumidores.
O Procon Paulistano diz que muitos
planos têm praticado reajustes excessivos para quem tem 59 anos, às
vezes acima do limite fixado pela ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar).
O Estatuto do Idoso, que entrou em
vigor em 2004, veta reajustes por mudança de faixa etária para
pessoas com 60 anos ou mais, por julgá-la discriminatória. Antes
dele, eram autorizados aumentos de até 500% entre a primeira (até
18 anos) e a última faixa etária (acima de 70 anos).
Uma decisão do STJ (Superior
Tribunal de Justiça) de 2010 referendou a proibição, estendendo-a
para contratos firmados antes de 2004.
Em acordo com os planos, a ANS
estabeleceu que os reajustes seriam diluídos nas faixas etárias
anteriores aos 60 anos, sendo que o valor da última (59 anos ou
mais) não poderia ultrapassar seis vezes o da primeira (até 18
anos).
“As pessoas já começam a ser
prejudicadas um ano antes de se tornarem oficialmente idosas,
justamente quando mais precisam de assistência”, afirma Ricardo
Ferrari, diretor do Procon Paulistano.
Foi o caso da secretária Claudete
Vieira, 62, que aos 59 anos viu o valor do plano ir de R$ 859 para
R$ 1.623. Na Justiça, conseguiu reverter o aumento e hoje paga R$
1.148. “Se não tivesse processado, já estaria mais de R$ 2.000. Tem
que brigar”, diz ela.
A empresária Deisy Fleck foi
surpreendida neste ano por dois reajustes: um por sinistralidade
(21%) e outro por idade (76%). Além dela, o plano beneficia o
marido, também com 59 anos, e a filha, de 11 anos. O valor saltou
de R$ 4.500 para R$ 9.900.
Uma liminar derrubou o reajuste, e
a mensalidade atualmente é de R$ 4.960.
“O plano é ainda caro, mas faço
tratamento de um melanoma. Migrar para outro plano seria complicado
por causa da doença pré existente.”
Mario Scheffer, professor da USP e
pesquisador sobre saúde suplementar, diz que tem havido alta de
ações judiciais entre “pré idosos”, pessoas acima de 50 anos.
“Os maiores aumentos têm ficado nas
últimas faixas etárias. Eles se sobrepõem aos reajustes por
sinistralidade, aplicados pelos planos de adesão. É um modelo
insustentável para uma população que está envelhecendo.”
Um estudo coordenado por Scheffer
mostra que os idosos respondem por 30% das ações contra planos de
saúde no Estado de São Paulo.
Em recente publicação da ANS, o
valor das mensalidades na última faixa etária tem ficado, em média,
5,7 vezes maior que o da primeira. Ou seja, dentro do que está
previsto na legislação.
De acordo com a advogada Renata
Vilhena, no STJ há precedentes favoráveis aos planos de saúde, que
consideram legítimo o reajuste na mudança de faixa etária, mas a
maioria das decisões é favorável ao consumidor.
Em razão do aumento das demandas
sobre esse assunto, em maio deste ano a Segunda Seção da Corte do
STJ decidiu suspendeu todas as sentenças até criar um
posicionamento único para as futuras decisões. CORTES DE CUSTOS
Entidades que representam os planos
de saúde dizem que os reajustes por mudança de faixa etária são
feitos dentro de limites estabelecidos pela ANS, com diluição entre
as faixas etárias mais jovens.
Segundo Solange Beatriz Mendes,
presidente da Fenasaúde, estudos apontam que os idosos chegam a
custar sete vezes mais do que os jovens em relação a itens como
exames e internações.
Por isso, não seria possível
estabelecer um aumento linear a todas as faixas etárias. “O idoso
paga mais, mas ele não paga o custo da sua faixa etária, parte é
paga pelos mais jovens. É o princípio do mutualismo. Se fosse um
preço único para todos, os jovens não adeririam ao plano. Por que
pagariam um valor alto se praticamente não vão usar?”
Ao mesmo tempo, afirma, se os mais
jovens saem dos planos, o produto se torna ainda mais caro e mais
pessoas seriam excluídas.
De acordo com Pedro Ramos, diretor
da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), essa
diluição do custo entre as faixas etárias tem prejudicado a adesão
dos mais jovens.
Nos últimos 12 meses, segundo ele,
grande parte dos 1,6 milhão de usuários que deixaram os planos de
saúde é formada por jovens que perderam seus empregos.
No mesmo período, o setor teve
adesão de mais de 100 mil idosos. “Não é possível que se tenha
tudo, a conta não fecha. Se você enche o carrinho no mercado, tem
que ter dinheiro para pagar.”
Para Ramos, a regra do Estatuto do
Idoso que veta reajustes dos planos dos mais velhos tem que ser
mudada. “Foi uma medida populista e impensada”, afirma.
Luiz Carneiro, superintendente do
IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), defende que sejam
criadas outras faixas de preços por idade. “Após os 60 anos, não
importa se o atendimento será para uma pessoa de 60 ou 80 anos, com
doenças crônicas ou comorbidades. O custo da mensalidade do plano
será o mesmo, corrigido anualmente conforme as cláusulas
contratuais.”
Para ele, a preocupação deve ser a
garantia de que os beneficiários tenham condições de continuar
arcando com o plano e que os reajustes reflitam, com equilíbrio, o
comportamento dos custos.
Os três defendem a necessidade de
um novo modelo de atenção aos idosos, com foco na prevenção e
promoção de saúde, como forma de conter os custos e melhorar a
qualidade do atendimento.
Em razão do envelhecimento
brasileiro, o total de internações de pessoas acima de 59 anos deve
crescer 105% nos próximos 15 anos, segundo projeção do IESS.
ENTENDA A
MUDANÇA
1. Como era Havia 7 faixas etárias,
e os planos podiam aplicar reajustes de até 6 vezes entre a
primeira (0 a 17 anos) e a última (70 anos ou mais)
2. Mudança Em 2004, o Estatuto do
Idoso vetou aumento nos preços dos planos para pessoas de 60 anos
ou mais, por considerar discriminação
3. Como ficou Resolução da ANS
manteve o reajuste de até 6 vezes, aumentou o número de faixas
etárias e diluiu esse custo entre elas
4. Polêmica Com aval da ANS,
empresas passaram a fazer reajustes em planos de pessoas com quase
60 anos, que têm sido derrubados na Justiça