No mês passado, a Comissão de Justiça da Câmara belga aprovou o projeto de lei que estende, para menores, a lei de 2002 sobre eutanásia. Por este projeto, os menores, com comprovado discernimento, devem ter o direito de solicitar eutanásia quando estiverem com uma doença incurável e terminal e sofrimento físico insuportável.
A par da discussão sobre o ter “doença terminal”, que tratarei em post futuro, o projeto de lei prevê que apenas menores com comprovado sofrimento físico insuportável poderão se valer da eutanásia.
Sabe-se que a Bélgica é um dos países mais liberais do mundo no que diz respeito à eutanásia. A lei sobre o assunto, de 2002, permite que maiores de 18 anos optem pela eutanásia ainda que estejam em sofrimento apenas psicológico e que não tenham uma doença terminal. Percebe-se, portanto, que o projeto para estender para os menores o direito de solicitar eutanásia é mais restrito do que a eutanásia para maiores.
Mas, mesmo diante destas restrições, a proposta belga tem sido muito criticada por médicos e juristas. Isto porque, segundo o projeto, “o paciente precisa estar consciente da decisão e do significado da eutanásia”. Acontece que o projeto parece ignorar o fato de que o menor de idade é uma pessoa ainda em desenvolvimento e, portanto, tem uma capacidade de consentir limitada.
Não estamos aqui dizendo que somos contra o projeto, contudo, parece-nos temerário permitir a eutanásia para menores de forma tão subjetiva.
Após a aprovação pela Câmara, um grupo de 38 renomados pediatras belgas fez uma carta aberta sobre o tema com as seguintes ponderações:
- Não existe uma demanda real sobre o tema pois a maior parte das equipes médicas que cuidam de crianças com doenças terminais nunca enfrentaram um pedido de eutanásia espontâneo e voluntário. Ressaltam ainda que uma recente pesquisa realizada em dezenove países demonstra que cuidados paliativos adequados em crianças evitam qualquer pedido para morrer.
- A Bélgica é um dos países com maior recurso em cuidados paliativos e, portanto, possui aparato suficiente para evitar o sofrimento de pacientes com doenças incuráveis e terminais.
- O projeto de lei está sendo aprovado sem uma discussão ampla com a sociedade e os profissionais de saúde e todos os pedidos de audiência pública foram negados. Com isso, parece que o projeto é urgente, quando na verdade, não o é.
- Na proposta de lei o consentimento dos pais aparece como uma trava de segurança, que ocorre após o pedido expresso da criança, mas, na prática, o pedido do filho pode sofrer influência dos pais, que já estão em intenso sofrimento pelo quadro clínico do filho.
- Não existe nenhum método objetivo para determinar se um menor tem capacidade de discernimento e julgamento e, portanto, essa análise está sujeita à subjetividade e à influências externas. Ademais, veem incongruência na necessidade do consentimento dos pais mesmo após provado que o menor tem discernimento.
Parece-nos, enfim, que a questão da eutanásia de menores precisa ser melhor discutida e debatida e que as principais perguntas a serem respondidas são: Existe capacidade sem discernimento? Quais os critérios objetivos para avaliar se um menor possui discernimento?
Enquanto tais discussões não forem travadas, a aprovação de uma lei que permite a eutanásia em menores será tão somente uma decisão política, vazia de fundamentos jurídicos e médicos.