Visando flexibilizar a
criação de novos produtos, a Circular 667/22 desvinculou a
necessidade outrora exigida de padronização de
cláusulas
O seguro de Acidentes Pessoais,
Morte e Invalidez Permanente por Acidente tinha seu regramento
insculpido na Circular Susep nº 302/2005 e anteriormente na
Circular 029/1991, e se identificava desde que o sinistro ocorresse
dentro das características conceituais previstas de exterioridade,
subitaneidade, involuntariedade e causa específica oriunda de
acidente.
Havia inúmeras determinações de
possibilidades de exclusão de cobertura. Dizia a Circular 029/91
que estavam fora da abrangência: as doenças, quaisquer fossem suas
causas, mesmo que provocadas ou agravadas, direta ou indiretamente,
por algum acidente coberto. Nesse tópico, havia a ressalva de
ocorrências advindas de infecções, septicemias e embolias que se
originassem de ferimentos visíveis, que então, sim, teriam
respaldo.
Outrossim, excetuava ocorrências
havidas quando o segurado estivesse realizando exames, cirurgias ou
tratamentos clínicos, a não ser que sua necessidade de realização
fosse consequente de atendimento por acidente.
Mais ainda, havia uma longa lista
de exclusões, sendo bastante significativas e discutidas as
dirimentes de não obrigatoriedade de pagamento quando o sinistro
fosse consequência: “direta ou indireta de quaisquer alterações
mentais decorrentes do uso do álcool, de drogas, de entorpecentes
ou de substâncias tóxicas”. Além desse tópico, somava-se a exclusão
de: “ato reconhecidamente perigoso que não seja motivado por
necessidade justificada e a prática, por parte do segurado, de atos
ilícitos ou contrários à lei.”
Vale observar que a segunda
exclusão praticamente abrange a primeira, vez que a ingestão de
psicotrópicos caracteriza, em certa medida, um ilícito penal, ou,
ao menos, induz a uma alteração de conduta que indubitavelmente,
leva à agravação do risco. Esta agravação constitui uma quebra da
condição minimamente desejável e esperada do segurado: que se
conduza com sobriedade, no sentido literal da palavra. Que tenha
temperança no seu agir.
No âmbito jurídico, se argumenta
que as exclusões lastreadas nas Condições Gerais das apólices,
ditadas pela Superintendência de Seguros Privados, aditivadas a
artigos de Lei Federal, sobre a perda de direito em caso de
agravamento de risco e à impossibilidade de cobrir qualquer ato
ilícito praticado pelo segurado ou seus beneficiários, são categóricas, não deixando
laivo de dúvidas quanto à pertinência de não pagamento nesses
casos.
Porém, mesmo com tudo isso, ainda
persistiram entendimentos contrários, vide a questão polêmica da
cobertura concedida pelos Tribunais de sinistros com motoristas
embriagados, que foi julgada e gerou a Súmula 620 do STJ, “A
embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da
indenização prevista em contrato de seguro de vida.” Agora
novamente foi colocada em pauta (Resp 1.999.624/PR sub judice). O
mercado segurador aguarda o resultado com bastante expectativa.
Pois bem, em 1º de agosto deste ano
de 2022, passou a vigorar a Circular nº 667, revogando a Circular
302/2005 e inúmeras outras. Na esteira da nova tendência de
flexibilizar às Seguradoras a criação de novos produtos,
desvinculando a necessidade outrora exigida de padronização de
cláusulas, começou por autorizar ser “opcional a estruturação de
planos de seguros com condições especiais.” – § 1º do Artigo
2º.
Logo após, no Art. 3º, repassa às
Sociedades Seguradoras a responsabilidade pelas cláusulas
constantes em seus produtos, desde que em consonância com a
lei.
Impõe uma série de exigências que
não poderão faltar no produto ofertado, elementos mínimos das
condições contratuais, sua forma de apresentação, compliance,
etc.
Aí chegamos no ponto aqui abordado:
há um capítulo que trata exclusivamente dos Riscos Excluídos no
Seguro de Pessoas, que é o objeto da Circular 667/22. Vamos tratar
do que diz respeito somente à cobertura de Acidentes Pessoais.
O primeiro item trazido diz com o
dever de especificar e precisar eventuais exclusões no seguro, não
sendo aceitas aquelas que sejam dúbias quanto a que fatos e
situações concretas se aplicam. Digamos que, tratando de cirurgia
plástica, inclua-se nos riscos como coberta aquela oriunda de uma
necessidade de restauração de função pós acidente, mas não seja
identificada que está excluída aquela com finalidade puramente
estética volitiva. Nesse caso, todas se presumiriam cobertas, pois
faltaria a perfeita delimitação sobre o que a seguradora estaria
assumindo, com a correspondente ciência ao segurado.
O segundo tópico, artigo 25, veda a
exclusão de qualquer evento “relacionado ao estado de saúde ou à
integridade física do segurado que tenha sido causado por acidente
pessoal coberto.”
Aqui aparece um aspecto importante,
e que pode modificar a inclusão outrora acatada, acima mencionada,
de excluir da cobertura as doenças ainda que provocadas ou
agravadas, mesmo que de forma direta, por um acidente.
Pelo que se depreende do texto, se
a doença tiver início após um acidente e algum nexo causal com
este, terá cobertura mesmo sem a perda de uma função, órgão ou
membro.
Essa vedação tem repercussão num
alargamento de abrangência de ocorrências que estarão suscetíveis
de receber pagamento de capitais segurados, o que refletirá em
majoração de prêmios do seguro, caso seja comprovado atuarialmente
que é significativo o aumento de sinistros.
Todavia, considerando que está
diametralmente oposta ao conceito de acidente pessoal, cujas
consequências hão de ser unicamente e exclusivamente a morte ou a
perda de órgão, membro ou função, poderá gerar argumentação quando
for compelida a Seguradora a pagar indenização por doença causada
por acidente.
Outra mudança impactante e que
colide frontalmente com a lei federal e afasta a possibilidade da
exclusão, relativa a itens ilegais ou em que o segurado se encontra
fora de suas faculdades mentais, é o artigo 26. Declara ser “vedado
constar no rol de riscos excluídos do seguro eventos decorrentes de
atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de
embriaguez ou sob efeito de substâncias tóxicas.”!
Vejam que na própria definição do
Seguro, o Código Civil pontifica que a garantia do risco se dá
quanto a interesse legítimo do segurado, o que está expresso no
Artigo 757.
Mais adiante, não deixando nenhuma
dúvida, a lei substantiva repete que é nulo o contrato caso o risco
seja proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de
um de seus representantes. É o Artigo 762.
Então a Susep veda a exclusão, mas a lei declara que não
é coberta a prática de ato ilícito. Há que se pontuar que o ato
praticado em estado de insanidade, embriaguez ou drogadição,
certamente estará agravando o risco assumido; todavia, trata-se de
outra questão, que, certamente, trará à baila argumentos quanto à
existência de nexo causal com o sinistro, que retiram a
objetividade própria de uma cláusula excludente.
Por tais considerações, se verifica
este como um aspecto que deve ser analisado para que se encontrem
contornos a demonstrar que estes dispositivos não parecem se
coadunar com os lídimos fins do pacto securitário.
Nestes termos, se vê que a Circular
667/2022, em que pese seus inegáveis avanços, em especial, a
liberdade de clausulado, pecou no que tange à exclusão de riscos,
particularmente por ir de encontro ao disposto no Código Civil.
* Por Laura Agrifoglio Vianna,
sócia e fundadora do Agrifoglio Vianna Advogados
Associados