É surpreendente que nem Richard
Branson nem Jeff Bezos se preocuparam em contratar seguros para
proteger suas viagens ao espaço
Os
recentes voos espaciais dos bilionários Richard Branson e Jeff
Bezos, respectivamente controladores do grupo britânico Virgin e da
norte-americana Amazon, além de tudo de lúdico, mágico e
tecnológico envolvido, abrem uma nova área para o setor de
seguros.
Imaginar que, em plena pandemia do coronavírus, o ser humano
conseguiria dar uma demonstração indiscutível de sua capacidade de
superação era algo pouco provável até pouco tempo atrás. Não era
segredo que ambos estavam firmemente dispostos a abrir um novo
capítulo na história da humanidade, oferecendo voos espaciais
privados para, mediante o pagamento de uma pequena fortuna, levar
os ricos que pudessem comprar a passagem para um voo de alguns
minutos, além dos limites do planeta, entrando no espaço para ver a
Terra de uma perspectiva inédita para a imensa maioria das
pessoas.
Até agora, o planeta visto de fora
era exclusividade dos astronautas das missões oficiais, bancadas
por governos dispostos a explorar o cosmos, seguindo a longa
tradição das viagens de descobrimento iniciadas pelos portugueses
no século 14.
Desde Yuri Gagarin, todos os
astronautas que viajaram para o espaço o fizeram em naves e
cápsulas diretamente controladas pelos governos dos países mais
desenvolvidos e com tecnologia e recursos suficientes para se
lançarem à empreitada.
Bezos viajou para o espaço com uma tripulação de
quatro pessoas nesta terça-feira, 20 Foto: Blue Origin via AP
Com
os dois voos em que tomaram parte dois dos homens mais ricos do
planeta, este capítulo da história chega ao seu fim. A partir de
agora, a iniciativa privada entra na corrida e isto tem de ser
visto como um avanço extremamente importante, porque a iniciativa
privada é mais ágil, menos burocratizada e, normalmente, mais
eficiente do que a burocracia governamental.
É
verdade que a iniciativa privada já participava da corrida
espacial. A Space X, empresa do bilionário Elon Musk, fornece
regularmente seus foguetes para a Nasa transportar e colocar em
órbita diferentes tipos de equipamentos. O que mudou é que a partir
de agora a iniciativa privada também é capaz de levar ao espaço
seres humanos, tripulando seus objetos voadores de última
geração.
O
que é surpreendente, de acordo com matéria publicada pelo New York
Times, que me foi enviada pelo jornalista Fernão Mesquita, é que
nem Richard Branson, nem Jeff Bezos se preocuparam em contratar
seguros para proteger suas viagens. Ao contrário, ao que parece,
nenhuma delas tinha apólice garantindo o eventual insucesso da
missão.
Não
deixa de ser um risco calculado. Os dois têm fortuna capaz de
suportar um acidente e fazer frente aos custos de um desastre que
atinja seus foguetes tripulados em suas primeiras viagens para o
espaço. Mas, com o aumento da frequência das viagens, tripuladas ou
não, esse risco passa a ganhar outra dimensão e, evidentemente, em
breve será segurado.
Seguros para garantir lançamentos de satélites não são novidade.
Quer dizer, o assunto não é desconhecido das seguradoras, apenas os
novos riscos, decorrentes dos dois voos recém realizados, nunca
foram objetos de análise antes. E isto abre uma avenida de novas
possibilidades para o setor de seguros expandir sua área de
atuação.
A
gama de variáveis envolvidas na operação, desde a fabricação dos
foguetes e cápsulas espaciais até o retorno da missão em segurança
para a Terra, é significativa e, mais uma vez, ressalta a
importância e o potencial de danos dos riscos de responsabilidade
civil.
Imagine um acidente com vítimas fatais em função de um problema num
parafuso defeituoso instalado no foguete. A operadora do foguete
responde em primeiro lugar pelas indenizações em função do
acidente, sejam danos corporais, morais ou patrimoniais, mas ela
tem direito de regresso contra o responsável pelo acidente, que é a
fabricante do parafuso defeituoso.
Como
as seguradoras já estão se debruçando sobre o assunto, em breve
todos terão seguros e essa discussão será transferida para as
seguradoras da operação do foguete e do fabricante do parafuso,
desonerando e permitindo a continuidade das operações das empresas
envolvidas.
*SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E
SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS