De acordo com o Ministério da
Saúde, o Governo Federal deve pagar 7 bilhões de reais em
procedimentos médico-hospitalares determinados pela Justiça. Na
mesma linha, de acordo com a Secretaria da Saúde de São Paulo, o
Estado deve gastar 1,2 bilhões de reais para cumprir determinações
judiciais ordenando o atendimento de pessoas que ingressaram com
ações para terem suas necessidades atendidas.
Para dar uma noção da ordem dos
valores, com menos de 1,2 bilhões de reais de orçamento, a Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo, até alguns anos atrás, atendia
com qualidade mais de 3 milhões de pessoas anualmente.
Quantos foram beneficiados com os
1,2 bilhões de reais determinados pela Justiça paulista? E quantos
deixaram de ser atendidos, não só pela Santa Casa de São Paulo, mas
por toda a rede pública instalada no Estado, em função da crise e
da falta de recursos que afeta desde o Hospital das Clínicas até
pequenas unidades espalhadas pelo interior?
Esta é a questão que precisa ser
enfrentada. No mundo inteiro, o aumento da expectativa de vida
criou custos adicionais tremendos, que comprometem o desenho da
previdência social e da assistência médico-hospitalar pública. Nas
nações desenvolvidas os déficits gerados pelos sistemas vão sendo
cobertos pela sua credibilidade, que lhes permite tomar dinheiro
emitindo títulos de longo prazo, com taxas de juros muito baixas.
As nações em desenvolvimento não têm este mecanismo, o que agrava o
quadro e as deixa permanentemente diante do desafio de atender
muitos com muito pouco.
Um exemplo recorrente é o orçamento
da saúde norte-americano, de mais de 3 trilhões de dólares, para
atender 300 milhões de pessoas. Do outro lado, o Brasil destina
menos de 200 bilhões de dólares para atender 200 milhões de
pessoas. Com uma agravante: mais de 60% das verbas destinadas à
saúde no Brasil são responsabilidade dos planos de saúde privados,
que têm 50 milhões de segurados.
O melhor sistema público de saúde é
o da Grã-Bretanha. Lá ninguém discute que a finalidade da saúde
pública e da previdência social não é privilegiar o indivíduo, mas
atender da melhor forma possível a população.
Por conta disto, existe um rol
legal de procedimentos que é coberto pela saúde pública. O que não
integra o rol não é pago em hipótese alguma e ninguém entra com
ações judiciais, solicitando que o Estado seja obrigado a pagar
tratamentos fora dos elencados na lei.
A razão é simples: os recursos são
limitados e se destinam a dar o melhor atendimento possível para
todos. Tratamentos muito caros que beneficiam poucos, ainda que
tenham sucesso (o que nem sempre é o caso), comprometem o direito à
saúde de milhões de pessoas, que no futuro não terão acesso nem
mesmo às situações cobertas, porque os recursos destinados a todos
foram gastos no atendimento de um grupo privilegiado.
Não há dúvida que o direito à vida
e à dignidade humana são conceitos importantes. Justamente por
isso, as medidas que criam exceções devem ser vistas com enorme
cautela. Não existe almoço de graça. E a situação se torna crítica
quando se trata do custeio da saúde pública brasileira.
Quantos brasileiros que hoje veem
as cirurgias eletivas serem adiadas poderiam continuar a ter
qualidade de vida se os hospitais paulistas tivessem 1,2 bilhões de
reais a mais e pudessem realizá-las em prazos razoáveis? Esta é a
realidade de milhões de cidadãos que têm acesso precário à saúde
porque o SUS, os Estados e os Municípios não têm recursos para
atendê-los.
O quadro se repete no sistema de
saúde privado. Sem entrar na discussão de que algumas operadoras
deixam de atender procedimentos cobertos, cada vez que uma decisão
judicial, por mais humana que seja, determina um atendimento fora
do que é garantido, concomitantemente, quando do reajuste anual,
encarece os planos dos demais segurados ou, o que é pior, se isso
não for feito, os condena a ficarem sem atendimento, porque, na
hora que precisarem, a operadora não terá os recursos para fazer
frente sequer aos procedimentos cobertos.