O jornalista norte-americano Henry
Louis Mencken cunhou uma frase que se aplica com perfeição ao setor
de saúde no Brasil: “Para todo problema complexo sempre há uma
solução clara, simples, e errada”. Em diversos países, os custos da
saúde têm aumentado sistematicamente acima dos demais custos da
economia. Esse fenômeno tem diversas causas e representa um desafio
para a sustentabilidade desse importante e complexo setor, decisivo
para o bem-estar e a longevidade da população.
Conforme previsto na máxima
enunciada acima, medidas simplistas têm sido usadas para atacar o
problema e algumas já se mostram contraproducentes. A que mais
chama a atenção é o controle de preços em alguns segmentos da
indústria de planos de saúde. No de planos individuais, há controle
dos reajustes anuais pelo órgão regulador, a Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS), desde 1999. Diante da persistência do
aumento do custo de prover o serviço, essa medida teve como
consequência inexorável uma redução dramática na oferta dos planos,
em prejuízo de quem não tem acesso a seguros em grupo (como
trabalhadores autônomos).
Tal prática intervencionista foi
estendida aos planos coletivos empresariais com menos de 30
beneficiários, em 2012, com consequências similares: planos
coletivos por adesão, que na grande maioria não sofrem a mesma
intervenção, pois normalmente têm mais de 30 beneficiários,
absorveram parte do mercado, em detrimento dos planos empresariais
para pequenas e médias empresas, tornando o controle de preços
novamente instrumento de redução da oferta.
Medidas dessa natureza, ao não
atacarem as causas fundamentais da inflação da saúde, não geram
efeitos positivos sustentáveis. Criam distorções. Uma vez que o
fenômeno tem origem em fatores diversos, são necessárias ações
estruturais para sua correção. Dentre as causas temos o aumento da
expectativa de vida da população, decorrente da maior prosperidade
material e do avanço da medicina. Doenças associadas a pacientes
mais idosos, assim, tornam-se mais comuns e os tratamentos, mais
complexos e caros.
Parte do avanço na medicina decorre
da introdução de novas tecnologias em equipamentos e remédios,
algumas decisivas para o sucesso de tratamentos. Outras, no
entanto, apesar do alto custo, apresentam pequeno incremento em
relação a alternativas existentes. A adoção indiscriminada de novas
tecnologias pelos provedores e sua inclusão na lista de tratamentos
do SUS ou no rol de procedimentos de cobertura obrigatória pelos
planos de saúde – outra intervenção do governo no setor –
constituem uma das causas da inflação na saúde. Faz-se necessária,
para preservar a modicidade de preço e a efetividade dos
tratamentos, a criação de metodologias rigorosas para mensurar a
relação custo/benefício da introdução de novas tecnologias nos
procedimentos cobertos.
Outro fenômeno subjacente é a
judicialização de questões relacionadas à saúde. Os tribunais têm
sido favoráveis a pleitos de beneficiários para que os planos de
saúde cubram condições não previstas nas listas de procedimentos.
Em muitos casos, trata-se de procedimentos caros, para os quais há
tratamentos alternativos com grau de efetividade semelhante. Tal
prática necessariamente encarece o valor dos planos, cujo princípio
é o do mutualismo: despesas são cobertas pela contribuição dos
segurados e gastos extraordinários resultarão necessariamente em
prestações maiores para todos os participantes.
Também pode ser observado algum
desalinhamento de incentivos entre os participantes da cadeia
(planos, hospitais, médicos e segurados), uma vez que na maioria
dos planos disponíveis no mercado não há nenhum tipo de
coparticipação do beneficiário. Por perceber que não há custo nos
procedimentos, há uma tendência à sua sobreutilização, encarecendo
os planos. A adoção de franquias ou copagamento, usuais em outros
tipos de seguro, poderia atenuar essa distorção.
Nessa mesma linha, o modelo de
“conta aberta”, pelo qual hospitais e médicos são remunerados pelos
serviços prestados aos beneficiários dos planos, também enseja
distorções. Uma vez que os prestadores recebem segundo os
procedimentos realizados, quanto mais procedimentos e materiais
consumidos, maior é a sua remuneração.
Desse modo há um claro estímulo à
realização do maior número possível de procedimentos, mesmo que o
benefício para o paciente seja reduzido. A alternativa defendida
por especialistas, e já adotada com sucesso em outros países, prevê
uma remuneração fixa ao prestador segundo grupos de diagnósticos. A
remuneração, neste caso, não aumentaria de acordo com o número de
procedimentos, dependendo somente da enfermidade a ser tratada.
Esse arranjo, quando complementado por outros estímulos – por
exemplo, premiação por outros indicadores de desempenho do
prestador, como a não reincidência da enfermidade –, pode ser
decisivo para tornar o sistema mais econômico e acessível para a
população.
Por fim, existem desafios ligados à
maneira como a informação no setor de saúde é disseminada. Há pouco
compartilhamento de dados sobre o sistema, dificultando avaliações
acerca da qualidade de médicos e prestadores de serviço. Mesmo
quando há informações sobre um paciente, barreiras impedem o acesso
e seu uso, se isso vier a ser necessário. A adoção de rankings de
hospitais, o monitoramento de remuneração de médicos por
fornecedores de dispositivos e materiais e a adoção do prontuário
eletrônico contribuiriam para reduzir essas assimetrias de
informações.
Este momento de crise é propício à
discussão de ideias para aperfeiçoar o funcionamento dos mercados
como o de saúde suplementar. Só o combate efetivo às causas dos
problemas resultará em soluções sustentáveis e permanentes. Saídas
simples, que miram os efeitos, tendem apenas a aprofundar
desequilíbrios e a tornar o sistema insustentável.