Bruno Garfinkel destinou R$ 45
milhões ao programa Meu Porto Seguro para criar 10 mil vagas
temporárias na pandemia
Retomar a vida normal tornou-se o maior desejo da humanidade desde
que o coronavírus nos jogou na cara a
dimensão de nossa fragilidade. A ilusão de segurança que nos
confortava e nos animava a seguir adiante de peito estufado e
queixo erguido foi abalada em múltiplos aspectos: físico, mental,
profissional, financeiro, conjugal, familiar, social… O foco agora
é a busca por formas mais seguras, mais protegidas de voltar ao que
éramos tão pouco tempo atrás.
Sintomaticamente, um dos setores que sofreram um impacto
relativamente pequeno na crise foi o de seguros:
3,5% de queda no acumulado do primeiro semestre, sendo o mês de
junho um significativo ponto de inflexão ao registrar crescimento
de 33%, segundo dados da Confederação Nacional das Seguradoras.
Também diz muito sobre as lições da pandemia o fato de duas das
modalidades mais procuradas nestes tempos serem o seguro
de vida e os planos de previdência
privada. A expectativa é que, quando essa nova consciência
se encontrar com a retomada econômica pós-Covid, o brasileiro
finalmente passe a ser um grande consumidor de seguros.
Foi
com esse contexto em mente que conversei com Bruno
Garfinkel, presidente do Conselho de
Administração da Porto Seguro. Bruno fez questão de incluir
na teleconferência Roberto Santos, que está há
quase 40 anos na empresa (quando Bruno ainda era um bebê) e que
desde março de 2018 ocupa o cargo de CEO.
A
empresa fundada por diretores e acionistas do Bradesco em 1945 com
o nome de Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais, e que em 1972
teve seu controle acionário assumido por Abrahão
Garfinkel (avô de Bruno) hoje é um grupo formado por 27
empresas que registrou em 2019 um lucro líquido de R$ 1,38
bilhão.
“Tomei a liberdade de convidar o Roberto para esta entrevista por
um bom motivo”, disse Bruno. “Ele foi meu primeiro chefe na Porto
Seguro: quando eu entrei, em 2003, foi pra ser trainee dele. Temos
uma história juntos e juntos fazemos parte da ‘cara’ do novo
momento da empresa”, justificou. “Melhor ainda”, respondi. “Assim
ele conta tudo o que você fazia de errado, todos os seus podres”,
brinquei. “Ih, tem muita história pra contar”, emendou Roberto,
rindo.
No
dia a dia da companhia, essa dupla deixou de contar com a
experiência e o talento empresarial de Jayme
Garfinkel, pai de Bruno, em maio de 2019, quando Jayme
decidiu se dedicar a projetos pessoais e passou definitivamente o
bastão para o filho (que desde então tem a companhia da irmã Ana
Luiza no Conselho de Administração). Em 2020, no momento mais
crítico da pandemia, no entanto, Jayme ligou para o filho: “Agora
você é o presidente do Conselho. O que vocês vão fazer para ajudar
a sociedade?” Bruno e Roberto criaram então o
programa Meu Porto Seguro, oferecendo capacitação
e trabalho para 10 mil pessoas que queiram atuar como corretoras da
empresa – ganhando R$ 1.500 durante três meses.
Victor Affaro
Bruno Garfinkel e Roberto Santos na sede do grupo na região central
de São Paulo, onde, em tempos normais, trabalham 7 mil pessoas
Acompanhe a seguir os principais
trechos da nossa conversa no dia 9 de outubro.
Forbes: Onde você nasceu e
cresceu?
Bruno
Garfinkel: Em São Paulo. Morava no bairro dos
Jardins.
F: Quais eram suas principais
diversões na infância?
BG: Brincar de
Comandos em Ação e de carrinhos Matchbox. Eu também gostava de
andar de skate, mas o bairro ali era muito movimentado.
F: Lembra de algum fato
marcante daquela época?
BG: Quando eu tinha 8 anos, meu pai me levou para
a Disney pela primeira vez. Depois demos uma esticada até Nova York
para ele visitar uma seguradora que tinha implementado por lá a
brake light, a terceira luz de freios nos carros. Ele queria fazer
o mesmo no Brasil. E fez. Foi uma inovação importante na indústria
automobilística brasileira porque reduziu as colisões traseiras.
Para mim isso foi um grande aprendizado. Hoje, quando viajo a
lazer, sempre tento conectar a diversão com algum aprendizado
ligado ao trabalho.
F: Já que estamos falando de
seguros, diga qual foi a coisa mais insegura que você já fez na
vida.
BG: Ainda faço! Gosto muito de surfar e agora,
depois dos 40, retomei uma coisa que eu fazia na adolescência:
correr de carro [em campeonatos como a Porsche GT3 Cup].
Imagine, corrida é uma coisa que não tem nada a ver com a Porto
Seguro. Isso sempre foi um conflito em casa.
F: E como foi sua entrada nos
negócios da família? Era isso que você queria ou tinha outros
sonhos?
BG: Sempre olhei com muita admiração para o
trabalho que meu pai fazia com tanto prazer. Aprendi a ver aquilo
como uma coisa divertida. Quando eu estava cursando o MBA [em
gestão na Boston University, em 2001], pedi para ele me
indicar para alguma empresa fora do Brasil para eu fazer o summer
job. Ele conseguiu que eu fosse para uma resseguradora em Londres,
que é o berço do mercado de seguros no mundo. Fiquei lá os três
meses previstos e voltei aos Estados Unidos para continuar meu
curso. Um dia meu pai me liga e diz: “Bruno, você pediu essa
aproximação com o mercado segurador – eu pensei que você gostasse
mais de bancos –, então, se você quer mesmo entrar nos negócios da
família, acho que temos uma boa oportunidade para você. A Porto
Seguro está fazendo a aquisição de uma pequena seguradora no Rio,
chamada AXA, e lá você pode tocar sua vida sem a pecha de ser
herdeiro, essas coisas. Você vai conhecer o Roberto e trabalhar com
ele”. Peguei o avião para o Brasil e fui lá conversar. O Roberto
desenhou para mim um plano de trainee – o único programa de trainee
que eu vi dar certo até hoje [risos]…
Roberto Santos: Eu era da AXA quando o Jayme fez
a aquisição e me colocou como responsável pela operação como parte
do Grupo Porto Seguro. Ele me chamou e disse que tinha um filho que
estava estudando e tal e queria saber se eu podia colocar o rapaz
lá como trainee [o ano era 2003; Bruno estava com 26
anos]. “Só vou te pedir uma coisa”, Jayme disse. “Não quero
que você dê mole para ele. Fique em cima dele com horário, faz um
roteiro para ele seguir… Vai ter que pegar no pesado.” Foi o que eu
fiz.
BG: Depois de me apresentarem para as pessoas lá
dentro, me apresentaram a P.A. “P.A.?”, perguntei. “Isso mesmo:
Posição de Atendimento.” Aí me deram um headset e assim eu comecei
na empresa – como atendente da Central de Sinistros.
RS: Não foi um
dia só, não. Ele ficou lá uns três meses.
F: E na juventude, algum ato
de rebeldia?
BG: Não, nunca dei trabalho. Meu pai sempre nos
incentivou a trabalhar, ele dizia que a melhor escola era o
trabalho. Por isso, desde o primeiro dia da faculdade
[administração de empresas no Mackenzie], eu já fazia
estágio.
F: Imagino que você tenha
atendido algumas chamadas estranhas, não?
BG: Lembro de um segurado que estava chateado
porque as coisas não estavam saindo como ele queria. Só que o que
ele queria é que, além dos consertos do acidente em si, a gente
fizesse uma reforma completa no carro. Eu estava explicando que o
seguro não funciona assim e ele perguntou, bravo: “O que você é
aí?” “Sou estagiário.” “Então vou te dar uma sugestão. Pede as
contas porque essa empresa vai quebrar.”
Não deu vontade de dar uma
carteirada?
BG: Não, jamais.
Só respondi “Tomara que não”.
RS: Em outra fase do estágio, ele foi fazer
sindicância – a sindicância é necessária quando tem alguma coisa
esquisita ligada a alguma reclamação, a possibilidade de não ter
acontecido da forma como está sendo descrita. Infelizmente, uma
parcela significativa das reclamações não é verdadeira ou tem
alguma coisa que não se encaixa. Então mandamos alguém para o local
analisar, procurar testemunhas etc. Um dia, o Bruno foi para a rua
acompanhar esse procedimento com o sindicante.
BG: A história do segurado é que tinham roubado o
carro na porta da casa dele. Fomos lá conversar. Ele foi
supergentil, nós também. Mas no dia seguinte recebemos uma
denúncia: ele dizia que tinha sido assediado por dois caras
mal-encarados da companhia de seguros. Ele era lutador de
jiu-jítsu, nos atendeu de quimono e tudo, e eu lá com meu “físico”
de 70 quilos era o mal-encarado. Faça-me o favor
[risos].
F: Vamos trazer a linha do
tempo mais para o presente.
BG: A AXA acabou
se tornando a primeira seguradora low cost do Brasil, com o nome de
Azul Seguros. Essa estratégia foi desenhada no nosso primeiro ano
juntos, eu e o Roberto. Nossa sintonia começou lá. No processo de
transição do meu pai, os olhares se voltaram todos sobre mim e
sobre o Roberto. É difícil você assumir como CEO e chairman de um
negócio que está dando certo. Nós ficamos numa situação parecida
com a de técnico da seleção
brasileira: se ganhar, não faz mais que a obrigação; se perder: “Tá
vendo? É um incompetente”. Então, quando fui presidir a primeira
reunião do Conselho, a família me pediu: “Vai lá, mas não fala
nada. As coisas estão funcionando”.
F: Que animador,
não?
BG: Pois é. Mas
eu entendo, porque realmente tudo funciona bem lá. Então, na
primeira reunião eu entrei mudo e saí calado. Na segunda, a mesma
coisa. Aí procurei o Roberto e falei: “Você me conhece. Eu não vou
conseguir ficar mais 30 anos à frente do negócio sem falar nada. O
que a gente faz?” Então, um ano atrás, no nosso ritual de tomar
vinho juntos uma vez por mês, começamos a sonhar: será que não
conseguimos dobrar o número de clientes?
F: De quantos para
quantos?
BG: De 8 milhões
para 16 milhões. Seguro no Brasil ainda é visto como uma coisa
elitista. Para fazer um seguro de um carro, você precisa ter um
carro; para fazer o de uma casa, precisa ter uma casa. Começamos a
bolar formas de baixar essa régua.
RS: Somos mais conhecidos como uma seguradora de
automóveis, mas hoje somos muito mais que isso. Temos três pilares:
seguros, produtos financeiros (cartão de crédito, consórcio,
financiamento de veículos) e serviços. Nesse último, criamos a
Porto Faz para atender segurados e não segurados para reparos
avulsos (um conserto de geladeira, por exemplo); depois, há menos
de um ano, lançamos a Reppara, que faz esses serviços por uma
assinatura de R$ 19,90; e há duas semanas foi a vez do Porto Cuida,
uma assinatura para serviços de saúde – também por R$ 19,90 por
mês, até quatro pessoas de uma mesma família passam a ter acesso à
rede de serviços da Porto Saúde, pagando pelas consultas e exames o
mesmo preço que nós negociamos com os fornecedores (a consulta mais
cara é de R$ 100). Outra coisa: fomos a primeira empresa no Brasil
a criar o carro por assinatura – por um determinado valor por mês,
que varia conforme o modelo, a única preocupação do usuário é
colocar combustível. Temos também o nosso plano de saúde para pets.
Somos líderes de mercado em seguro aluguel (também chamado de
seguro fiança), e durante a pandemia lançamos uma versão mais
enxuta, quase 40% mais barata. E vem mais coisa por aí…
BG: Têm surgido oportunidades que algum tempo
atrás nem passavam por nossa cabeça. Às vezes, é só questão de
fazer alguns ajustes em um produto que já existia, mas que por
algum motivo não deslanchava.
Pacato, mas nem tanto: para aflição da família, o herdeiro
da Porto Seguro gosta de acelerar em pistas de corrida – como no
último dia 12 de outubro, quando venceu a categoria amador da GT
Sprint Race, em Curitiba
Foto: Marcelo Navarro
F: O brasileiro tem a fama de
não ser um grande consumidor de seguros, de não colocar isso entre
suas prioridades. Por quê? É pelo preço?
RS: Tem a questão do bolso, mas principalmente
tem a questão cultural. Países grandes consumidores de seguros são
aqueles que passaram por guerras. Já o brasileiro não acha que
precisa se proteger. E aí entra um ponto positivo decorrente da
pandemia. A sensação do risco ficou muito mais próxima das pessoas,
e, em vez de achar que nunca iam adoecer e que viveriam para
sempre, elas começaram a pensar mais no futuro. A procura por
seguros de vida, por exemplo, aumentou muito.
F: Em termos de disrupção, o que pode revolucionar o setor de
seguros? Uma repentina pulverização de microfornecedores como a que
deve ocorrer no setor elétrico, por exemplo? O que assusta
vocês?
BG: Eu estudo inovação há muito tempo. Acho que
estamos um pouco longe de uma fragmentação que altere o mercado
atual. No ano passado, estive na China e vi que para a implantação
do carro autônomo, por exemplo, é preciso ter uma rede 5G em pleno
funcionamento em todo o território. Nossa realidade está longe
disso. Ao mesmo tempo, estamos nos inspirando em empresas pelo
mundo que conseguiram dar uma cara mais ágil e mais amigável a seus
produtos. Hoje o consumidor compara o seu produto ou o seu serviço
não mais com um similar, um concorrente, mas sim com toda
experiência que ele tem com qualquer produto ou qualquer serviço. A
base de comparação e a busca pelas melhores referências não se
restringem mais a um só mercado.
RS: As pessoas não querem perder tempo. Quanto
mais digital e menos analógica a experiência, melhor. Hoje 30% dos
pedidos de guincho feitos pelos segurados são por WhatsApp. Você
fala com o bot, ele pede o seu localizador e conclui a operação
rapidamente. Dia desses fomos elogiados por uma cliente que estava
em um lugar muito ermo, uma estrada sem nenhum ponto de referência,
e o robô mandou o guincho para o lugar certo, na hora
combinada.
BG: Está na moda dizer isso hoje, mas de fato o
cliente tem que estar no centro da estratégia. Internamente,
queremos crescer para que todos os que estão conosco cresçam junto.
Queremos cada vez mais ser um porto seguro na vida de todas essas
pessoas. Essa é nossa essência, é o que vai nos jogar para o
futuro.