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Editorial: A sede dos planos de saúde

Fonte: Jornal do Brasil Data: 26 junho 2018 Nenhum comentário

Está na lembrança de todos, por mais que se queira rotular o país como desmemoriado: a criação dos planos de saúde teria se inspirado em duas premissas. A primeira daria à classe média melhores serviços médico-hospitalares, além de assistência não encontrada na Previdência. O segundo ponto estava na convicção de que, afastando do INSS os que podiam viver sem ele, os pobres teriam, como consequência, um acesso mais fácil aos consultórios e às salas de cirurgia. Pois os dois tiros saíram pelas culatras, e os serviços foram nivelados às avessas: os planos não alcançaram a eficiência prometida, passaram a aplicar reajustes na contramão dos índices inflacionários e esfolam os bolsos de milhões de brasileiros. Enfim, os objetivos prometidos caíram num monumental fracasso, porque os fugitivos da Previdência já não conseguem honrar caríssimas prestações mensais; e os pobres estão cada vez mais desassistidos. 

Com toda certeza cabe ao brasileiro traído indagar do governo, da Justiça, dos administradores desses planos em que gavetas esconderam a liminar que mandava limitar os reajustes a 5,72%, que, sem maiores explicações foi cassada por um desembargador. Era só uma liminar, na dependência de avaliar o mérito. O que significa que ficou aberto o caminho para o reajuste de 10% aprovado pela ANS. Em matéria de agressão à economia popular, essa constatação é mais que bastante para preocupar, considerando-se que os planos de saúde envolvem questão supersensível. Mexem com mais de 47 milhões de brasileiros, muitos dos quais como chefes de família, onde há três ou quatro dependentes. 

São números dos planos, administrados por quem pratica os reajustes que bem entendem. Cabe, antes de tudo, às empresas que os contratam, como benefício aos empregados, abrir negociações para cortar custos. Muitas vezes, o custo pesa tanto que se torna critério para reduções nas folhas salariais. 

Portanto, mais de 9,2 milhões de brasileiros (mesmo com as restrições de várias seguradoras, que fecharam adesão a planos individuais há alguns anos) fazem enorme sacrifício mensal para pagar um plano.

É um dado irretocável para prova que a saúde pública no Brasil, se já era uma lástima, conta com mais um ponto para se agravar: esse contingente de sofredores vai sofrer reajuste de 10%. Ora, se o governo cuida mal da saúde pública, devia, pelo menos, dar um mínimo de atenção à fixação de novos valores, sob a evidência de abuso.  

No caso presente é oportuno lembrar que há uma agência reguladora específica. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas, como todas as agências reguladoras, jamais exerce, na plenitude e com devida eficiência, a função de regular o mercado, aplainando arestas entre agentes do mercado e, principalmente, na proteção aos interesses dos consumidores. E mais: a ANS nunca foi aparelhada para examinar, a fundo, se as planilhas de custos apresentadas pelas operadoras e cooperativas de saúde condizem com a realidade. Elas sempre alegam, até com alguma razão, que a inflação da saúde cresce exponencialmente em todo o mundo, e fica ainda mais onerosa quando a população envelhece. Mas por isso mesmo é que há critérios mais claros e transparentes na fixação dos reajustes, embora falte maior capacitação técnica da parte da ANS para sancionar ou vetar os pedidos de reajuste.

Detalhe a considerar: a presidência da ANS está sendo exercida, cumulativamente, por um dos diretores, desde maio de 2017. Há mais de um ano, portanto. Outras duas diretorias também estão vagas por muito tempo. Uma delas, preenchida pela via de indicação política, de pessoa ligada às operadoras. 

A inflação oficial do IPCA, que mede os gastos das famílias com renda até 40 salários mínimos, não contempla a todos os módulos da sociedade nem a todos os segmentos setoriais. A atual diretoria bem que tentou introduzir discussões mais amplas sobre os reajustes e houve grande pressão dos planos de saúde. A agência está desaparelhada, com diretoria incompleta, sem o apoio das áreas técnicas do governo; e o Ministério da Fazenda, de onde se exigia  aval ao nível de reajuste proposto, acompanhou o caso à distância, em meio a trocas nos quadros da pasta, após a substituição de Henrique Meirelles pelo adjunto Eduardo Guardia. 

No fundo, o aumento de 10% proposto pelas operadoras e acolhido pela ANS repete a mesma praxe dos reajustes adotada para as passagens de ônibus. Os empresários do setor apresentam planilhas genéricas; e os municípios, desaparelhados e com funcionários sensíveis a aliciamentos, sancionam os termos solicitados. Vale dizer que o Tribunal de Contas da União criticou duramente o formato do cálculo e a falta de transparência dos fatores de custo dos reajustes dos planos de saúde. 

No caso da ANS, o reajuste que vai atingir os planos com aniversário a partir de maio, acumulado de duas faturas, foi menor que os 13,55% de 2017 e os 13,57% de 2016. Mas está muito, muito acima da inflação que gira abaixo de 3% ao ano. Ou da inflação do segmento de serviços, que oscila de 5% a 6% ao ano. A caixa preta dos planos de saúde precisa ganhar transparência e consistência técnica. Não pode continuar incompreensível, como eram as receitas médicas do passado, só decifráveis por especialistas em hieróglifos.

 

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