Três operadoras de planos de saúde de Caxias
do Sul terão de devolver valores cobrados de
gestantes indevidamente, segundo a Justiça. A chamada taxa de
disponibilidade – praticada por médicos para estarem presentes e
realizarem partos – foi considerada ilegal pela juíza Cláudia Rosa
Brugger, da 4ª Vara Cível de Caxias, que condenou as empresas
Unimed Nordeste, Círculo Operário Caxiense e Pró-Salute Serviços
para a Saúde a restituir o dinheiro corrigido às mulheres que
tenham sido lesadas. Duas das três operadoras disseram que não irão
recorrer da decisão.
O caso veio a público pelo jornal
Pioneiro em março de 2015. À época, a reportagem
apurou que profissionais chegavam a cobrar de R$ 700 a R$ 3 mil por
paciente. Em maio daquele mesmo ano, a então vereadora Daiane Mello
(hoje MDB, antigo PMDB), grávida de quatro meses, usou a tribuna
para tornar pública a cobrança de taxa adicional por parte de seu
médico para a realização do parto. Ela não pagou, trocou de
obstetra e levou o fato ao conhecimento do Ministério Público
(MP). Conforme Daiane, o profissional lhe cobraria R$ 5
mil para fazer o parto normal e R$ 1,6 mil para a cesárea, além do
que cobria o plano de saúde. Havia ainda uma pressão psicológica
para que a gestante aceitasse o pagamento, segundo ela. Diante do
pedido de um recibo, o médico, cujo nome não foi divulgado, teria
dito que não poderia fornecer. Na tarde desta terça-feira (12), com
a filha Yasmin, de dois anos, a ex-vereadora comemorou a
decisão.
— Acho que foi uma decisão acertada da Justiça, porque a Agência
Nacional de Saúde já considerava ilegal, mas ela existia, e os
planos de saúde sabiam e não faziam nada para que ela não
ocorresse. Espero que as pessoas busquem o ressarcimento — disse
Daiane.
Na ação civil pública, o MP, com base nos relatos de pacientes,
sustentou que, além de ilegal, a exigência do pagamento é "abusiva,
uma vez que explora a vulnerabilidade da paciente e, em especial, o
contrato com o plano, que prevê cobertura integral de gestação e
parto". A 2ª Promotoria Especializada pediu a condenação das
rés.
— É importante que as pessoas saibam que têm direito, porque o
contrato delas é com o plano de saúde, que não tem essa previsão de
cobrança de taxa de disponibilidade, e não com o médico. Isso vai
prevenir novos casos — defendeu a promotora Adriana Karina Diesel
Chesani, da 5ª Promotoria de Justiça Especializada de
Caxias.
Como a decisão é recente, as operadoras não têm informações
sobre pedidos de restituições.
Justiça já havia proibido a cobrança
Durante o processo, por determinação da Justiça, os planos de
saúde já tinham sido proibidos de permitir a cobrança por parte de
seus médicos (credenciados ou cooperados) da taxa de
disponibilidade ou qualquer quantia, para partos, fora as
mensalidades previstas nos contratos. Eles também tiveram de
informar a todos os seus consumidores sobre a proibição.
Na decisão, proferida em abril, a juíza considerou que "os
contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa
do Consumidor, nos termos do artigo 35, da Lei 9.656 de 1998, pois
envolvem típica relação de consumo."
No processo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou
favorável à cobrança, alegando que ela "é ética e não configura
dupla cobrança o pagamento de honorário pela gestante referente ao
acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o
obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja
acordado com a gestante na primeira consulta". Da mesma forma e
também no processo, o Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul se
posicionou em favor das taxas de disponibilidade.
Porém, a Agência Nacional de Saúde (ANS) Suplementar a considera
ilegal, já que, por normativa, o plano hospitalar com obstetrícia
compreende "os procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência
ao parto e ao puerpério (até 45 dias após o parto), de
modo que as despesas referentes a honorários médicos necessários a
essas etapas, incluindo internação hospitalar para a assistência ao
parto, devem ser necessariamente cobertas pelas operadoras de
planos privados de assistência à saúde, garantindo integralidade
das ações em saúde". A ANS também reforçou que "poderá ser imputada
responsabilidade à operadora quando houver cobrança de honorários,
a qualquer título, diretamente aos beneficiários por parte de
profissionais de saúde contratados, cooperados, credenciados ou
referenciados, para procedimentos cobertos, cabendo apuração da
infração e eventual aplicação de penalidade à operadora" por parte
da agência.
COMO SE DESENVOLVIA A PRÁTICA
— As pacientes chegavam aos consultórios de seus
médicos obstetras para o pré-natal e eles as informavam da cobrança
de um valor extra.
— A justificativa do profissional era a de garantir que o médico
escolhido fizesse o parto, em vez de uma equipe de plantão.
— Em Caxias do Sul, a cobrança foi oficializada em 2014, em
assembleia geral. Em 2015, o valor variava entre R$ 700 e R$ 3 mil,
dependendo da "disponibilidade econômica da paciente", conforme o
Sindicato Médico da cidade. Na mesma época, o valor pago a cada
médico pelo plano de saúde, em média, era de R$ 500 a R$ 600 por
parto.
— O valor era exigido como compensação pelas horas em que os
médicos precisariam ficar disponíveis para realizar o parto,
inclusive desmarcando agendas em seus consultórios e, com isso,
perdendo dinheiro.
DENÚNCIAS
A Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) orienta que o consumidor relate a cobrança
irregular à sua operadora de plano de saúde, que terá de
ressarci-lo. Caso o plano não encaminhe a denúncia, o consumidor
poderá fazer uma reclamação na ANS, a operadora será notificada e
poderá, inclusive, ser multada, caso constatada a infração.
Denúncias podem ser feitas para a ANS pelo 0800-7019656.
CONTRAPONTOS
Fátima Saúde (operadora do
Pró-Salute)
"Mesmo desconhecendo qualquer solicitação de reembolso neste
sentido, as normas e diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional
de Saúde são cumpridas rigorosamente. Todos os beneficiários da
operadora recebem as coberturas contratuais previstas em seus
contratos e conforme legislação do setor. Em casos de realizações
de procedimentos superiores ao estabelecido em legislação, com
eventuais cobranças adicionais e, na hipótese de serem acordadas
diretamente entre os próprios prestadores e seus pacientes, o
Fátima Saúde não reconhece tais procedimentos. Todavia, tentativas
de cobranças, que já constam de previsão legal, a operadora de
saúde deverá ser acionada, antecipadamente à realização para que as
devidas providências sejam tomadas (...), pois tais atos são
considerados indevidos. Nestas situações, a orientação é de que o
beneficiário faça contato presencial, com a Ouvidoria ou Central de
Autorizações, na Avenida Júlio de Castilhos, 2.307, Centro. É
importante, nestes casos que o beneficiário apresente evidências
que comprovem a tentativa de prática indevida. Ressaltamos que,
mesmo sendo uma relação de natureza jurídica (...) o Fátima Saúde
preza as boas práticas e o pleno cumprimento das regras contratuais
estabelecidas com a sua rede de prestadores. A não observância
destes aspectos contratuais e legais não são admitidas."
Unimed Nordeste-RS
"A Unimed Nordeste-RS nunca compactuou com qualquer cobrança
direta do médico cooperado, à beneficiária de plano de saúde
Unimed, a título de disposição obstétrica. Se receber alguma
denúncia, a cooperativa vai apurar os fatos e abrir processo
administrativo. Lembrando que a Unimed não compactua com qualquer
cobrança que não esteja prevista nos contratos de planos de saúde.
Sempre que um beneficiário ficar com qualquer dúvida em relação ao
seu plano, é possível entrar em contato com o SAC Unimed, pelo
0800-512100."
Círculo Saúde
O Círculo preferiu não se manifestar sobre o assunto.