Para
muitos, o 8 de Março é apenas um dia para dar flores e fazer
homenagens às mulheres. Mas diferentemente de diversas outras datas
comemorativas, esta não foi criada pelo comércio.
Oficializado pela Organização das
Nações Unidas em 1975, o chamado Dia Internacional da Mulher era
celebrado muito tempo antes, desde o início do século 20. E se hoje
a data é lembrada como um pedido de igualdade de gênero e com
protestos ao redor do mundo, no passado nasceu principalmente de
uma raiz trabalhista.
Foram as mulheres das fábricas nos
Estados Unidos e em alguns países da Europa que começaram uma
campanha dentro do movimento socialista para reivindicar seus
direitos - as condições de trabalho delas eram ainda piores do que
as dos homens à época.
A origem da data escolhida para
celebrar as mulheres tem algumas explicações históricas. No Brasil,
é muito comum relacioná-la ao incêndio ocorrido em 25 de março de
1911 na Companhia de Blusas Triangle, quando 146 trabalhadores
morreram, sendo 125 mulheres e 21 homens (a maioria judeus).
No entanto, há registros anteriores a
essa data que trazem referências à reivindicação de mulheres para
que houvesse um momento dedicado às suas causas dentro do movimento
de trabalhadores.
As
origens
Se fosse possível fazer uma linha do
tempo dos primeiros "dias das mulheres" que surgiram no mundo, ela
começaria possivelmente com a grande passeata das mulheres em 26 de
fevereiro de 1909, em Nova York.
Naquele dia, cerca de 15 mil mulheres
marcharam nas ruas da cidade por melhores condições de trabalho -
na época, as jornadas para elas poderiam chegar a 16h por dia, seis
dias por semana e, não raro, incluíam também os domingos. Ali teria
sido celebrado pela primeira vez o "Dia Nacional da Mulher".
Enquanto isso, na Europa também
crescia o movimento nas fábricas. Em agosto de 1910, a alemã Clara
Zetkin propôs em reunião da Segunda Conferência Internacional das
Mulheres Socialistas a criação de uma jornada de manifestações.
"Não era uma questão de data
específica. Ela fez declarações na Internacional Socialista com uma
proposta para que houvesse um momento do movimento sindical e
socialista dedicado à questão das mulheres", explicou à BBC Brasil
a socióloga Eva Blay, uma das pioneiras nos estudos sobre os
direitos das mulheres no país.
"A situação da mulher era muito
diferente e pior do que a dos homens nas questões trabalhistas
daquela época", disse ela, que é coordenadora da USP Mulheres.
A proposta de Zetkin, segundo os
registros que se têm hoje, propunha uma jornada anual de
manifestações das mulheres pela igualdade de direitos, sem
exatamente determinar uma data. O primeiro dia oficial da mulher
seria celebrado, então, em 19 de março de 1911.
Em 1917, houve um marco ainda mais
forte daquele que viria a ser o 8 de Março. Naquele dia, um grupo
de operárias saiu às ruas para se manifestar contra a fome e a
Primeira Guerra Mundial, movimento que seria o pontapé inicial da
Revolução Russa.
O protesto aconteceu em 23 de
fevereiro pelo antigo calendário russo - 8 de março no calendário
gregoriano, que os soviéticos adotariam em 1918 e é utilizado pela
maioria dos países do mundo hoje.
Após a revolução bolchevique, a data
foi oficializada entre os soviéticos como celebração da "mulher
heroica e trabalhadora".
Oficialização
O chamado "Dia Internacional da
Mulher" só foi oficializado em 1975, ano que a ONU intitulou de
"Ano Internacional da Mulher" para lembrar suas conquistas
políticas e sociais.
"Esse dia tem uma importância
histórica porque levantou um problema que não foi resolvido até
hoje. A desigualdade de gênero permanece até hoje. As condições de
trabalho ainda são piores para as mulheres", pontuou Eva Blay.
"Já faz mais de cem anos que isso foi
levantado e é bom a gente continuar reclamando, porque os problemas
persistem. Historicamente, isso é fundamental."
No mundo inteiro, a data ainda é
comemorada, mas ao longo do tempo ganhou um aspecto "comercial" em
muitos lugares.
O dia 8 de março é considerado feriado
nacional em vários países, como a própria Rússia, onde as vendas
nas floriculturas se multiplicam nos dias que antecedem a data, já
que homens costumam presentear as mulheres com flores na
ocasião.
Na China, as mulheres chegam a ter
metade do dia de folga no 8 de Março, conforme é recomentado pelo
governo - mas nem todas as empresas seguem essa prática.
Já nos Estados Unidos, o mês de março
é um mês histórico de marchas das mulheres.
No Brasil, a data também é
"comemorada" com protestos em todas as principais cidades do país,
com reivindicações sobre igualdade salarial e protestos contra o
aborto e a violência contra a mulher.
"Certamente o 8 de Março é um dia de
luta, dia para lembrarmos que ainda há muitos problemas a serem
resolvidos, como os da violência contra a mulher, do feminicídio,
do aborto, e da própria diferença salarial", observou Blay.
Segundo ela, mesmo passadas décadas de
protestos das mulheres e de celebração do 8 de Março, a evolução
ainda foi muito pequena.
"Acho que o que evoluiu é que hoje a
gente consegue falar sobre os problemas. Antes, se escondia isso.
Tudo ficava entre quatro paredes. Antes, esses problemas eram mais
aceitos, hoje não."